Exemplo de correlação quântica é o processo de “emaranhamento”, que ocorre quando pares ou grupos de partículas são gerados ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula não pode ser descrito independentemente, já que depende do conjunto (Para mais informações veja aqui).
Um estudo recente mostrou, no entanto, que mesmo um sistema quântico isolado, ou seja, sem correlações com outros sistemas, é suficiente para implementar um algoritmo quântico mais rápido do que o seu análogo clássico. Artigo descrevendo o estudo foi publicado no início de outubro deste ano na revista Scientific Reports, do grupo Nature: Computational speed-up with a single qudit.
O trabalho, ao mesmo tempo teórico e experimental, partiu de uma ideia apresentada pelo físico Mehmet Zafer Gedik, da Sabancı Üniversitesi, de Istambul, Turquia. E foi realizado mediante colaboração entre pesquisadores turcos e brasileiros. Felipe Fernandes Fanchini, da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Bauru, é um dos signatários do artigo. Sua participação no estudo se deu no âmbito do projeto Controle quântico em sistemas dissipativos, apoiado pela FAPESP.
“Este trabalho traz uma importante contribuição para o debate sobre qual é o recurso responsável pelo poder de processamento superior dos computadores quânticos”, disse Fanchini à Agência FAPESP.
“Partindo da ideia de Gedik, realizamos no Brasil um experimento, utilizando o sistema de ressonância magnética nuclear (RMN) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos. Houve, então, a colaboração de pesquisadores de três universidades: Sabanci, Unesp e USP. E demonstramos que um circuito quântico dotado de um único sistema físico, com três ou mais níveis de energia, pode determinar a paridade de uma permutação numérica avaliando apenas uma vez a função. Isso é impensável em um protocolo clássico.”
Segundo Fanchini, o que Gedik propôs foi um algoritmo quântico muito simples que, basicamente, determina a paridade de uma sequência. O conceito de paridade é utilizado para informar se uma sequência está em determinada ordem ou não. Por exemplo, se tomarmos os algarismos 1, 2 e 3 e estabelecermos que a sequência 1- 2-3 está em ordem, as sequências 2-3-1 e 3-1-2, resultantes de permutações cíclicas dos algarismos, estarão na mesma ordem.
Isso é fácil de entender se imaginarmos os algarismos dispostos em uma circunferência. Dada a primeira sequência, basta girar uma vez em um sentido para obter a sequência seguinte, e girar mais uma vez para obter a outra. Porém, as sequências 1-3-2, 3-2-1 e 2-1-3 necessitam, para serem criadas, de permutações acíclicas. Então, se convencionarmos que as três primeiras sequências são “pares”, as outras três serão “ímpares”.
“Em termos clássicos, a observação de um único algarismo, ou seja uma única medida, não permite dizer se a sequência é par ou ímpar. Para isso, é preciso realizar ao menos duas observações. O que Gedik demonstrou foi que, em termos quânticos, uma única medida é suficiente para determinar a paridade. Por isso, o algoritmo quântico é mais rápido do que qualquer equivalente clássico. E esse algoritmo pode ser concretizado por meio de uma única partícula. O que significa que sua eficiência não depende de nenhum tipo de correlação quântica”, informou Fanchini.
O algoritmo em pauta não diz qual é a sequência. Mas informa se ela é par ou ímpar. Isso só é possível quando existem três ou mais níveis. Porque, havendo apenas dois níveis, algo do tipo 1-2 ou 2-1, não é possível definir uma sequência par ou ímpar. “Nos últimos tempos, a comunidade voltada para a computação quântica vem explorando um conceito-chave da teoria quântica, que é o conceito de ‘contextualidade’. Como a ‘contextualidade’ também só opera a partir de três ou mais níveis, suspeitamos que ela possa estar por trás da eficácia de nosso algoritmo”, acrescentou o pesquisador.
Conceito de contextulidade
“O conceito de ‘contextualidade’ pode ser melhor entendido comparando-se as ideias de mensuração da física clássica e da física quântica. Na física clássica, supõe-se que a mensuração nada mais faça do que desvelar características previamente possuídas pelo sistema que está sendo medido. Por exemplo, um determinado comprimento ou uma determinada massa. Já na física quântica, o resultado da mensuração não depende apenas da característica que está sendo medida, mas também de como foi organizada a mensuração, e de todas as mensurações anteriores. Ou seja, o resultado depende do contexto do experimento. E a ‘contextualidade’ é a grandeza que descreve esse contexto”, explicou Fanchini.
Na história da física, a “contextualidade” foi reconhecida como uma característica necessária da teoria quântica por meio do famoso Teorema de Bell. Segundo esse teorema, publicado em 1964 pelo físico irlandês John Stewart Bell (1928 – 1990), nenhuma teoria física baseada em variáveis locais pode reproduzir todas as predições da mecânica quântica. Em outras palavras, os fenômenos físicos não podem ser descritos em termos estritamente locais, uma vez que expressam a totalidade.
“É importante frisar que em outro artigo [Contextuality supplies the ‘magic’ for quantum computation] publicado na Nature em junho de 2014, aponta a contextualidade como a possível fonte do poder da computação quântica. Nosso estudo vai no mesmo sentido, apresentando um algoritmo concreto e mais eficiente do que qualquer um jamais imaginável nos moldes clássicos.”
Agência FAPESP