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Quando se estudam sistemas quânticos abertos, dois componentes deveriam ser considerados: o sistema físico propriamente dito e o ambiente. Porém, na quase totalidade dos estudos, esse meio não é levado em conta devido à falta de informações sobre ele. São consideradas apenas as dinâmicas intrínsecas do sistema, como o emaranhamento e as correlações entre suas partes.
Um artigo publicado em dezembro na Scientific Reports, revista do grupo Nature, mostra que, mesmo sem ter acesso a informações sobre o ambiente, é possível inferir como o sistema e suas partes com ele se emaranham.

O texto Extracting information from qubit-environment correlations é assinado por John Reina e Cristian Susa (ambos da Universidad del Valle e do Centre for Bioinformatics and Photonics, de Cali, Colômbia) e por Felipe Fanchini (do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista, em Bauru).

O artigo é resultado do trabalho intitulado “Estudo das correlações quânticas em sistemas quânticos abertos”, apoiado pela FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa.

“Procuramos enfatizar que o meio pode prover informações importantes para o entendimento da dinâmica dissipativa do sistema”, disse Fanchini à Agência FAPESP.

O artigo considera uma situação constituída por dois átomos acoplados a um laser de controle. Os átomos são os qubits do sistema e estão sujeitos às perturbações externas provenientes do ambiente.

“Nosso objetivo foi entender como esses átomos sofrem a interveniência do meio, perdendo suas correlações quânticas. Fizemos isso não só olhando para o sistema constituído pelos dois átomos, mas também para os emaranhamentos e as correlações quânticas entre esse sistema e o meio”, explicou o pesquisador.

Para isso, os autores recorreram a uma ferramenta matemática já estabelecida: as relações monogâmicas propostas por Masato Koashi, da University of Bristol (Reino Unido) e da Graduate University for Advanced Studies (Japão), e Andreas Winter, da University of Bristol (Reino Unido), na Physical Review A em 2004, no artigo Monogamy of quantum entanglement and other correlations.

“Acreditava-se que o emaranhamento entre os dois átomos diminuía porque eles estavam se emaranhando também com o meio ambiente. Mas o que enfatizamos foi que a relação não é tão proporcional quanto se pensava”, afirmou Fanchini.

“Às vezes, os átomos perdem emaranhamento entre si, mas se emaranham mais devagar com o meio ambiente, pois parte do que é perdido pode estar se transformando em outras correlações que caracterizam a discórdia quântica”, comentou.

O artigo de Fanchini e seus colegas procurou mostrar que o processo dissipativo pode ser mais complexo do que se supunha, requerendo novos estudos para sua compreensão. O objetivo é chegar a uma teoria de controle dos sistemas quânticos em relação ao meio que responda ao desafio de blindar esses sistemas, impedindo que percam informação.

Uma aplicação óbvia de tal blindagem é superar o grande entrave à computação quântica: o efeito do meio sobre o sistema, que faz seus componentes perderem correlações quânticas e passarem a se comportar segundo a física clássica.

Outra aplicação possível se daria na simulação quântica, em situações como, por exemplo, a de entender o comportamento de uma molécula à qual não se tem acesso, criando-se um outro sistema quântico capaz de mimetizá-la.

“Por que não conseguimos simular moléculas grandes ou ter uma computação quântica efetiva? Isso acontece porque não conseguimos bloquear os efeitos do reservatório [meio] sobre o sistema. Então, é necessário entender como esse ambiente atua. Quanto mais soubermos a respeito disso, mais seremos capazes de proteger os sistemas quânticos da influência ambiental”, argumentou Fanchini.

“Nosso trabalho não diz como proteger, porém apresenta uma nova fronteira para entender os processos dissipativos, não focando apenas no sistema, mas também na interação sistema-meio”, prosseguiu.

Computação quântica

Fanchini é otimista em relação às perspectivas da computação quântica. “Até 2002, eu acreditava que computação quântica era inteiramente cabível. Em 2005, comecei a pensar que seria improvável. Atualmente, voltei atrás: acho que estamos quase lá”, disse.

“Há grupos experimentais desenvolvendo novas tecnologias extremamente eficientes em semicondutores. Estamos controlando o sistema físico, protegendo, acessando e lendo as informações quânticas. O que falta é juntar tudo isso. A julgar pelos êxitos obtidos em 2014, talvez tenhamos o computador quântico em uma década”, disse.

Segundo o pesquisador, tal possibilidade se abre pelo fato de o computador quântico não precisar ser 100% exato. “Há cerca 15 anos, foi mostrado que não é preciso uma fidelidade de 100%. Existe um limiar de fidelidade a partir do qual é possível concatenar métodos de proteção e fazer um computador quântico eficiente.”

Além disso, Fanchini argumenta que a substituição dos computadores clássicos pelos quânticos não é algo que necessite ocorrer para todas as tarefas.

“Inicialmente, a substituição deverá ocorrer em relação a algumas tarefas e não a todas. Há pessoas estudando isso. Existem propostas em relação à produção de energia, com a criação de células voltaicas mais eficientes. E também a possibilidade de novos algoritmos de busca. Serão aplicações pontuais”, disse.

De acordo com Fanchini, a simulação quântica é ainda mais promissora do que a computação quântica. Por exemplo, na evolução de uma química que traga a possibilidade de intervir no mundo material átomo a átomo, molécula a molécula.

Glossário

Emaranhamento ocorre quando pares ou grupos de partículas são gerados ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula não pode ser descrito independentemente, já que depende do conjunto, por mais distantes que as partículas se encontrem, umas em relação às outras.

Qubits, ou unidades de informação quântica, são os análogos quânticos dos bits. Qualquer sistema que admita dois estados quânticos pode ser considerado um qubit. Exemplo disso é a polarização do fóton, que pode ser vertical ou horizontal. Ou o número quântico do spin, que pode ser +1/2 ou -1/2.

O bit também é um sistema de dois estados. Mas a grande diferença em relação ao qubit é que o bit pode assumir apenas um estado de cada vez, correspondente ao número zero (0) ou ao número um (1). Tal é a base da lógica binária. Já o bit quântico pode assumir, também, uma superposição dos dois estados – e esta seria a grande vantagem da computação quântica.

Discórdia quântica é um conceito, introduzido em 2001, que se aplica a toda e qualquer correlação entre partículas ou conjuntos de partículas que esteja em desacordo (daí a palavra “discórdia”) com as leis da física clássica. Antes do conceito de discórdia, as correlações quânticas eram pensadas apenas em termos de emaranhamento. Depois compreendeu-se que outros tipos de correlações, mais fracas, também são possíveis.

Agência FAPESP