Segundo Carvalho, a fauna que habitou as terras abaixo da linha do Equador tem características muito próprias. "Isso nos faz pensar numa identidade e numa história evolutiva únicas. Até porque cada espécie, cada família, é resultado de um determinado tempo, de condições paleogeográficas e paleoclimáticas distintas. É o que nos permite, no caso brasileiro, contar a história da evolução da vida no planeta a partir de uma perspectiva inteiramente nossa", afirma o pesquisador, que é Cientista do Nosso Estado.
No caso do Caipirasuchus, isso é ainda mais verdadeiro. Com aproximadamente 1,40 m de comprimento e 35 kg de peso, e bem diferente dos crocodilos atuais, ele tinha corpo esguio e possivelmente era bastante ágil. Sua cabeça era composta por um focinho afilado, com a região posterior alta, de músculos longos, o que lhe dava uma mordida poderosa. O nome significa literalmente: caipira, por ter sido encontrado no interior do estado de São Paulo; e suchus, que significa croocodilo em grego. "Foi inspirado em Mazzaroppi, considerando-se que o fóssil foi encontrado no dia 9 de abril de 2000, aniversário de nascimento do comediante", conta Fabiano Vidoi Iori, paleontólogo integrante da equipe e responsável direto pelo achado.
"O fóssil nos indica um animal de espécie e família bem peculiares. Além de totalmente terrestre, o que já não é comum para répteis como os crocodilos, a dentição talvez seja uma de suas características mais interessantes, que o distingue de tudo o que existe agora ou existiu no passado", afirma Carvalho. Esses dentes peculiares, com lâminas verticais onduladas, sugerem que o Caipirasuchus deve ter sido um animal herbívoro, com grande capacidade para cortar e triturar mesmo os vegetais mais duros, tanto quanto raízes. "Outra característica de sua dentição é que está dividida em duas partes: a anterior, para a apreensão de alimentos e a parte posterior, de coroas triangulares e dispostos obliquamente, para processá-los. Tudo indica que também seriam capazes de quebrar conchas de moluscos, que eram abundantes naquela região", acrescenta Fabiano Iori.
Da família Sphagesauridae, o crocodilo encontrado tem várias peculiaridades: suas narinas, por exemplo, estão na parte anterior do crânio, exatamente como vemos nos cachorros. "Pudemos analisar todas essas diferenças por ter sido o crânio encontrado completo. Todas essas distinções demonstram que o Caipirasuchus viveu num contexto específico. Sua estrutura craniana aponta para um animal bastante exótico, cujas características mostram que foi um animal específico do território brasileiro", afirma Carvalho.
E como era a vida na região do interior de São Paulo há 85 milhões de anos? Como nos conta o paleontólogo Ismar Carvalho, era quente, muito quente, com temperaturas médias em torno dos 50º, 55º C. "Diferente da úmida região de Campina Verde, em cujos lagos viveu seu possível contemporâneo, o carnívoro Campinasuchus, a área de Monte Alto era árida e seca. Naquele ambiente semiárido, durante as secas mais prolongadas, os rios possivelmente se reduziam a pequenas lagoas ou até mesmo secavam temporariamente." Nesse habitat, a vegetação era composta principalmente por coníferas, cicas e samambaias, onde o Caipirasuchus convivia com dinossauros e com outros crocodilomorfos, com os quais competia por alimentos.
Esse microclima, de altas temperaturas e chuvas escassas, levou a fauna do cretáceo a desenvolver certas estratégias de sobrevivência. Como descreve Carvalho, entre essas estratégias, o Caipirasuchus era um animal cursorial, ou seja, com capacidade de se deslocar por grandes distâncias. "Totalmente terrestre, ele também estava adaptado às condições de um ambiente em que a água desaparece durante boa parte do ano. Por sua anatomia, podemos pressupor que ele teria capacidade de escavar o substrato para se enterrar, assim evitando a incidência direta do sol e o ressecamento do corpo."
Seus olhos grandes e laterais – pouco habituais nos répteis, que costumam tê-los em cima da cabeça, o que lhes facilita a visão dentro d’água – sugerem animais de hábitos noturnos. E as mandíbulas, de músculos grandes e fortes, nos mostram que ele tinha uma mordida poderosa. "Assim como outros de seu grupo, o Caipirasuchus vivia em nichos ecológicos que hoje são ocupados principalmente pelos mamíferos. Isso quer dizer que, como os gambás e os quatis, mamíferos que também têm focinhos afilados e se alimentam de raízes, artrópodes, frutos e pequenos vertebrados, o Caipirasuchus possivelmente tinha hábitos onívoros. Cogita-se a possibilidade de que se alimentasse de moluscos bivalves, tal como atualmente faz o jacuruxi, ou lagarto-jacaré", acrescenta Fabiano.
Como apontam os pesquisadores, todas essas características levam a uma avaliação do contexto ambiental onde viveu o Caipirasuchus. "São características muito próprias, talvez exclusivas do território brasileiro, com uma fauna peculiar habitando a região onde hoje se localiza o interior do estado de São Paulo. Desvendar a história paleobiológica registrada pelos fósseis ali encontrados conduzirá a construção de uma identidade única para a paleontologia brasileira", conclui Ismar Carvalho.