Apesar do barulho, o local é tranqüilo. E a má impressão causada inicialmente pelos decibéis logo dá lugar à curiosidade sobre a máquina disposta no centro da sala, capaz de transformar o nitrogênio – elemento que compõe 78% do ar – do estado gasoso para o líquido. É onde funciona o Laboratório de Criogenia do Instituto de Física (IF) da Universidade de Brasília (UnB), única estrutura no Distrito Federal a fabricar o produto.
O equipamento tem capacidade para gerar 10 litros por hora, resultando numa média de três a quatro mil litros por mês. A produção é voltada, primeiramente, para a universidade, atendendo aos laboratórios de Química Orgânica, Morfologia e Enzimologia, além dos departamentos de Agronomia e Medicina Veterinária, Engenharia Mecânica, faculdades de Ciências da Saúde e Medicina, Hospital Universitário, Instituto de Geociências e, claro, o próprio IF.
Professor do instituto e coordenador do Laboratório, Júnio Márcio Rosa Cruz, explica que o nitrogênio líquido é usado em atividades que requerem refrigeração a temperaturas muito baixas, para ser mais preciso, até – 200ºC. As aplicações são as mais diversas e incluem desde a conservação de células reprodutivas de bovinos para inseminação artificial, que hoje representa 90% do uso comercial, a tratamentos estéticos para retirada de sinais na pele pelos dermatologistas.
QUÍMICA - Dentro da UnB, um dos principais usuários é o Instituto de Química (IQ), que semanalmente busca de 50 a 80 litros do material para o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear (LRMN). Se os pesquisadores tivessem de comprá-lo fora, gastariam em torno de R$ 300 por semana. Ou seja, uma economia de R$ 15,6 mil por ano. “É muito mais vantajoso para a Universidade ter um laboratório de criogenia e fabricar o nitrogênio do que comprar para toda a instituição”, diz o professor do IQ José Alves Dias.
O LRMN emprega o produto no espectrômetro de ressonância magnética nuclear. Apesar do nome estranho, o equipamento serve para identificar a estrutura de compostos orgânicos e inorgânicos, fundamental para a realização de pesquisas em engenharia, fármacos, biologia ou novos materiais, entre outros. Acontece que, dentro do espectrômetro, há um supercondutor que só funciona a temperaturas extremamente baixas. “O nitrogênio líquido esfria o hélio, que, por sua vez, resfria o supercondutor”, explica a professora do IQ Inês Sabione.
COMERCIALIZAÇÃO - Embora a universidade seja o principal cliente do Laboratório, nem toda a produção é consumida internamente. Por isso, o excedente do material é comercializado a R$ 2,00 o litro. Em geral, esse público externo é formado por pesquisadores de outras instituições, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF), ou profissionais liberais, como o jovem físico Tiago França de Oliveira Neto.
Ao lado de mais dois colegas, Neto, de 28 anos, abriu a empresa Kryos Tecnologia, incubada no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB, que usa o nitrogênio líquido para tratamento de materiais, uma vertente nova de pesquisas na área. O empresário é um dos usuários fiéis do produto e abastece, toda semana, um dewar (tanque criogênico) pressurizado com 160 litros.
“Fazemos tratamento criogênico em peças de carros de competição para aumentar a eficiência e a durabilidade delas”, explica. A técnica foi usada para auxiliar a equipe da UnB no SAE Brasil MiniBaja 2008, campeonato nacional que desafia estudantes universitários de engenharia a criar veículos que suportem um enduro de quatro horas.
Segundo o físico, o resfriamento aumenta a durabilidade de um objeto entre 300% e 1.000%, dependendo do tipo de material que o compõe. “Quando há o resfriamento, a agitação das moléculas diminui. Ao esfriar, e aquecer à temperatura ambiente, obtemos um material mais homogêneo, com durabilidade maior e melhor vida útil”, afirma.
Daiane Souza/UnB Agência
Júnio Márcio Rosa Cruz é doutor e mestre em Física pela Universidade de Toronto (Canadá). Graduou-se em Física pela UnB, instituição pela qual também obteve mestrado na mesma área.
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Júnio Márcio Rosa Cruz, pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.