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Maria de QueirozA socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), morreu no sábado (29/10), em São Paulo, aos 100 anos. Foi sepultada no Cemitério da Consolação. Pereira de Queiroz inaugurou a temática dos estudos rurais nas ciências sociais da USP, tendo sido uma das fundadoras do Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU), do qual foi diretora-presidente. 
Autora de A Guerra Santa no Brasil: o movimento messiânico no Contestado (1957), O messianismo no Brasil e no Mundo (1965) e Cultura, sociedade rural e sociedade urbana no Brasil (1978), entre outros, suas obras abrangem análises sobre a reforma e a revolução por meio dos movimentos religiosos, messiânicos e do mandonismo na política e estudos rurais, com análise do campesinato brasileiro a partir da definição de grupos rústicos. Também produziu estudos sobre a cultura brasileira, com destaque para relações de gênero e Carnaval.

“O falecimento da professora Maria Isaura Pereira de Queiroz é uma dessas perdas irreparáveis para a universidade e para a cultura brasileira. Foi a grande discípula de Roger Bastide, orientador de seu doutorado, e socióloga que deu continuidade, com grande competência, a uma linha de pesquisas do grande mestre francês, que se baseava em criativas intuições sobre a consistente realidade social à margem da razão e da dominância cultural e política europeia. Maria Isaura foi quem melhor compreendeu a criatividade sociológica de Bastide, que ensinara aos jovens estudantes da Faculdade de Filosofia da USP a enxergar e interpretar o Brasil com olhos antropologicamente brasileiros, a ver o que somos e não o que não somos e achamos que somos”, disse José de Souza Martins, membro do conselho superior da FAPESP e também professor emérito da USP.

“Maria Isaura, como Bastide, revelou-nos o Brasil para o qual as gerações seguintes ficaram melancolicamente cegas. Estudou o caipira e o sertanejo, a religiosidade popular, o mandonismo político, os movimentos messiânicos e o cangaço. O Brasil pré-político de uma falsa modernidade que nos ilude e engana. Temas ainda de grande atualidade, que já não reconhecemos, embora, ainda que nestas horas finais de 2018 estejamos no limiar de um ciclo político que repete os vícios do oligarquismo brasileiro, de uma reordenação da ordem política que se apoia mais em religião do que em partidos e doutrinas políticas”, disse Souza Martins.

Segundo Souza Martins, a importância da obra de Maria Isaura foi mais reconhecida fora do Brasil do que aqui. “O próprio Eric Hobsbawm, que tinha por ela enorme respeito, traduziu para o inglês um de seus trabalhos”, disse.

Maria Isaura Pereira de Queiroz nasceu na capital paulista em 26 de agosto de 1918. Filha de Maria Moraes Barros Pereira de Queiroz e Manoel Elpídio Pereira de Queiroz, teve cinco irmãos. É sobrinha da primeira deputada federal da história do Brasil, Carlota Pereira de Queiroz, eleita em 1934.

Entrou para o curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em março de 1946, terminando a Licenciatura em 1949. Segundo Maria Isaura, o curso abriu as portas do mundo dos “outros”, que sempre lhe chamara a atenção, e para a possibilidade de ensinar e educar. Décadas mais tarde, já aposentada, durante as comemorações de seus 80 anos, Maria Isaura declararia que “os tempos e os acontecimentos que gozei na USP foram o que houve de mais encantador na minha vida” (leia mais em: http://memoria.cnpq.br/web/guest/pioneiras-view/-/journal_content/56_INSTANCE_a6MO/10157/1144049).

Foi nomeada auxiliar de ensino da Cadeira de Sociologia I, dirigida pelo sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974), na qual trabalhou no período de 1950 a 1955. Em 1951, obteve bolsa do Governo Francês para cursar a École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, Universidade de Paris, permanecendo até 1953. Diplomou-se em maio de 1956, com tese aprovada pela banca composta pelos professores Bastide (orientador), Claude Lévi-Strauss e Gabriel Le Bras. Em maio de 1956, regressou ao Brasil, mas continuou seu trabalho na França. Obteve equivalência de seu diploma em 1960, passando a professora doutora na USP. Em 1963, obteve o título de livre docente, com a aprovação da tese "O Messianismo no Brasil e no Mundo" – que posteriormente sairia em livro e seria premiado com o prêmio Jabuti de 1976. Em 1978, em concurso de títulos, elevou-se a professora adjunta em Sociologia, no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tendo lecionado até 1982, quando se aposentou.

Na França, Maria Isaura lecionou na École des Hautes Études nos anos de 1963 e 1964, como directeur d 'Études Associé. Nesse mesmo país, lecionou no Institut des Hautes Études d`Amérlque Latine, Université de Paris, de 1961 a 1970. Foi professeur d'Études Associé no Institut dÉtudes Portugaises et Brésiliennes, Université de Paris 11, nos anos de 1978 e 1979. Lecionou ainda na Université Laval, Québec (Canadá) no 2° semestre de 1964; como professeur invité, em março de 1979, na Université des Mutants, de Dakar (Senegal); como professeur invité em março de 1980, na Université Laval-Ia-Neuve, da Bélgica.

Em 27 de agosto de 2018, a FFLCH-USP promoveu a mesa-redonda “A contribuição de Maria Isaura Pereira de Queiroz para a Sociologia brasileira”. O evento ocorreu em homenagem ao centenário de nascimento da docente (leia mais em www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/usp-homenageia-sociologa-maria-isaura-pereira-de-queiroz-pelo-centenario/).

Maria Arminda do Nascimento Arruda, diretora da FFLCH e professora do Departamento de Sociologia, lembrou que Maria Isaura era rigorosa, não gostava de amadorismos e a maneira mais eficaz de pensar a trajetória dela é abordando as obras e realizações. “Sua obra discute a modernidade do Brasil e olha as injustiças que produz este movimento. A tensão entre rural e urbano marca as suas análises”, disse.

“Ela não apenas foi e é uma socióloga de envergadura, porém uma pioneira que abriu caminho para as gerações seguintes, permitindo que as próximas pudessem encontrar um caminho melhor, no campo que ainda é muito difícil para nós, mulheres”, disse Maria Arminda no evento.

Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi aluna de Maria Isaura na FFLCH na graduação e orientanda tanto no mestrado como no doutorado. A docente da Unicamp fez questão de destacar o papel importante que Maria Isaura desempenhou na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), além da consolidação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para as Ciências Humanas, ao alcançar patamar semelhantes às Biológicas e Exatas.

Agência FAPESP