Um dos acordos foi um memorando de entendimento com o objetivo de criar um grupo consultivo no Brasil do Newton Fund – o fundo de fomento à pesquisa e inovação em países emergentes do governo do Reino Unido, que prevê aportes de £ 375 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão) em 15 países emergentes, incluindo o Brasil, nos próximos anos.
O segundo acordo foi um carta de intenções para promover a substituição a redução e o refinamento da pesquisa com animais e aumentar a colaboração em pesquisa e desenvolvimento entre Brasil e Reino Unido para buscar alternativas ao uso de animais em testes científicos.
Além dessas áreas, o conselheiro científico do governo britânico também discutiu possíveis parcerias científicas com o Brasil em áreas como armazenamento de energia, percepção pública da ciência e desenvolvimento de tecnologias para exploração de terras raras.
Professor de Física de Materiais no Imperial College, em Londres, Grimes participou, no dia 31 de agosto, do encerramento do Fórum do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), realizado na sede da FAPESP, quando fez uma apresentação sobre a importância da ciência na diplomacia.
Na ocasião, também foi anunciado o aumento do prazo de vigência do Newton Fund no Brasil por mais dois anos.
Nesta entrevista à Agência FAPESP, Grimes fala sobre como os conselheiros-chefe para assuntos científicos atuantes em diferentes ministérios do Reino Unido têm auxiliado o governo a estreitar o relacionamento e ter uma maior compreensão sobre questões científicas, e avalia a iniciativa do governo de São Paulo de criar um cargo semelhante nas secretarias estaduais.
Agência FAPESP – O governo do Estado de São Paulo acabou de criar, por sugestão de dirigentes da FAPESP, o cargo de cientista-chefe nas secretarias estaduais, que terá a incumbência de buscar a melhor resposta que a ciência possa oferecer à atividade daquele órgão, a exemplo do que fazem os conselheiros-chefe para assuntos científicos dos ministérios do Reino Unido. Como o senhor avalia a importância dessa iniciativa?
Robin Grimes – A ciência e a tecnologia têm um papel central para que as sociedades tecnologicamente avançadas, assim como São Paulo, possam prosperar. Avalio que esse papel [de cientista-chefe] oferecerá uma maior coordenação para o Estado de São Paulo na aproximação com a ciência, além de providenciar acesso às mais conceituadas redes de ciência no Brasil e no mundo.
Agência FAPESP – O Reino Unido foi uma das regiões no mundo nas quais se buscou inspiração para criar o cargo de cientista-chefe em secretarias do governo de São Paulo. Como tem sido a experiência do Reino Unido nessa área?
Grimes – O Reino Unido buscou criar uma rede de conselheiros científicos nos mais diversos departamentos do governo. Por meio da experiência, aprendemos o que funciona e também o que pode não ser tão efetivo. Atualmente, a rede de conselheiros científicos realiza um trabalho excelente que abrange diferentes setores, mas procuramos garantir que o trabalho possa se adaptar às mudanças de circunstância.
Agência FAPESP – Como é o trabalho de um conselheiro científico no Reino Unido?
Grimes – O trabalho de conselheiro-chefe para assuntos científicos é bastante variado e muito interessante, com envolvimento em projetos que abordam desde os desafios dos sistemas do futuro, até o desenvolvimento de colaboração e acordos com nossos parceiros internacionais, assim como os que assinei aqui no Brasil.
Agência FAPESP – Quais têm sido as principais contribuições dos conselheiros-chefe para assuntos científicos nos órgão de governo do Reino Unido?
Grimes – A rede de conselheiros-chefe para assuntos científicos no Reino Unido aconselha o governo em todos os aspectos da política de ciência e tecnologia. Seu papel é aconselhar os ministros, através do sistema de comitê do gabinete; discutir e facilitar a implementação da política em ciência, tecnologia, engenharia e matemática – STEM, como denominamos; identificar e compartilhar as boas práticas em áreas relacionadas com o STEM, incluindo o uso de pareceres científicos na formulação de políticas; e facilitar a comunicação em determinadas questões de alto padrão relacionadas a STEM, incluindo as que representam novos desafios para o governo. De minha própria experiência, eu acho que a rede de conselheiros-chefe para assuntos científicos também aproximou mais os diferentes ministérios. O conselheiro-chefe para assuntos científicos do governo britânico, o professor Sir Mark Walport, cujo papel é aconselhar o nosso primeiro-ministro, David Cameron, sobre uma série de questões científicas complexas, organiza uma reunião semanal onde os conselheiros se reúnem para discutir as prioridades dentro de seus ministérios. Isto criou um relacionamento mais estreito e uma maior compreensão de questões científicas em todo o governo.
Agência FAPESP – Em sua visita à FAPESP, o senhor fez uma apresentação em que avaliou que os desafios globais representam oportunidades diplomáticas. De que forma?
Grimes – A fim de enfrentar os desafios globais de maneira eficaz, precisamos desenvolver colaborações internacionais. Através dessas colaborações, não só nos apoiamos mutuamente, como entendemos as capacidades de cada um e, assim, somos capazes de aprofundar nossas relações científicas. Este é o coração da diplomacia científica, levando a relacionamentos e amizades que vão durar por décadas.
Agência FAPESP – Também durante sua palestra na FAPESP, o senhor falou sobre a Rede de Ciência e Inovação (SIN, na sigla em inglês), criada pelo Departamento para Negócios, Inovação e Habilidades do ministério das relações exteriores do Reino Unido. Como funciona essa rede?
Grimes – A Rede de Ciência e Inovação – ou SIN, como gostamos de chamá-la – apoia o governo em seu compromisso em abrir portas para pesquisadores e inovadores, formando parcerias produtivas de classe mundial. Essas parcerias fornecem uma plataforma para o envolvimento em questões de interesse e benefício internacional. Temos uma rede de 90 agentes em 28 países, incluindo três aqui no Brasil. Nessa breve visita que fiz ao Brasil, vi que há muito espaço para mais parcerias internacionais com o país. Nossa equipe de ciência e inovação, incluindo SIN e gestores do fundos Newton na embaixada britânica, em Brasília, e no consulado britânico, em São Paulo, é essencial para facilitar o acesso a essas oportunidades.
Agência FAPESP – A Rede de Ciência e Inovação deu suporte para o Reino Unido lançar, em 2014, o Fundo Newton, em 15 países emergentes, incluindo o Brasil. Qual a avaliação do senhor desses primeiros quinze meses de funcionamento do Fundo Newton, especialmente no Brasil?
Grimes – A colaboração científica entre grupos de pesquisa de diferentes países vai sempre exigir apoio financeiro. O Fundo Newton, de £ 27 milhões para o Brasil, tem contrapartida de parceiros brasileiros e fornece esse apoio, transformando conversas e planos em realidade. Assim, através de parcerias conjuntas e equivalentes, temos sido capazes de trabalhar em uma série de áreas-chave de ciência e pesquisa inovadora, incluindo as ciências dos alimentos, água, cidades, saúde e agricultura sustentável.
Agência FAPESP – Por que os países emergentes são os principais focos do Fundo Newton?
Grimes – O governo do Reino Unido criou o Fundo Newton para usar a sua força em pesquisa e inovação para promover o desenvolvimento econômico e bem-estar social dos países parceiros. O trabalho em conjunto em programas bilaterais e multilaterais com foco em pesquisa e inovação nos permitirá construir relacionamentos fortes, sistêmicos e sustentáveis com os países parceiros. Nos últimos vinte anos, a contribuição do Brasil para a ciência quintuplicou, enquanto sua economia quase triplicou em poder de compra. O Brasil é responsável por cerca de 2,7% da produção científica mundial e agora é responsável por mais de dois terços de toda a produção de pesquisa da América do Sul. O governo brasileiro já declarou explicitamente que acredita que a ciência e a inovação são os pilares fundamentais de seu desenvolvimento como potência mundial, e por isso faz todo o sentido para o Reino Unido se envolver com o Brasil através do prisma da ciência e da inovação.
Agência FAPESP – Quais as possíveis áreas de colaboração científica e tecnológica entre Reino Unido e o Brasil?
Grimes – Durante a minha visita, assinei dois acordos com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil: um memorando de entendimento com o Departamento Britânico para Negócios, Inovação e Habilidades, com o objetivo de criar um grupo consultivo de alto nível do Fundo Newton no Brasil, e uma carta de intenções entre os ministérios britânicos da Saúde, do Interior e de Relações Exteriores para promover a substituição, redução e refinamento da pesquisa com animais e aumentar a colaboração em pesquisa e desenvolvimento, buscando alternativas ao uso de animais em pesquisa. Além dessas áreas, também discutimos armazenamento de energia, percepçãopública da ciência – inclusive através de museus – e tecnologias para exploração de terras raras, como assuntos para uma maior cooperação entre Brasil e Reino Unido. Eu também concordei em compartilhar com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil mais detalhes sobre como o Reino Unido desenvolveu sua estratégia industrial e nossas "oito grandes tecnologias" [um programa lançado em 2012 para apoiar oito tecnologias que o Reino Unido pode liderar mundialmente: Big data e computação com eficiência energética; satélites e aplicações comerciais do espaço; robótica e sistemas autônomos; biologia sintética; medicina regenerativa; ciências agrárias; materiais avançados e nanotecnologia; e produção e armazenamento de energia].
Agência FAPESP – O impacto dos artigos científicos publicados por pesquisadores no Reino Unido aumentou rapidamente na última década, superando a média de citação de cientistas nos Estados Unidos. Como isso foi possível?
Grimes – No Reino Unido, temos avaliações periódicas de nossa capacidade científica nacional e, como parte disso, enfatizamos a importância da qualidade em publicações científicas. Quando procuramos fazer parcerias com diferentes países, também visamos trabalhar com os países que prezam pela qualidade e ciência de classe mundial. Assim, o Brasil é uma escolha natural.
Agência FAPESP