A partir deste mês de março, serão cadastradas cerca de 10 mil pessoas acima de 55 anos, atendidas pela Estratégia Saúde da Família (ESF). "Essas doenças são incapacitantes e precisam receber diagnóstico na rede básica", justifica o responsável pela iniciativa, neurologista Irênio Gomes, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica. A iniciativa, com essa complexidade, será pioneira no País. Os pacientes que necessitarem de avaliação mais detalhada e acompanhamento especializado terão atendimento no Hospital São Lucas (HSL). O projeto é realizado pelo Núcleo Interinstitucional de Estudos e Pesquisa em Neurologia e Psiquiatria do Envelhecimento, do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) em parceria com o Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer/RS).
A Instituição está capacitando as 34 equipes de Saúde da Família da região para detectar esses tipos de doenças. O monitoramento mais próximo da população é sugerido pelo Ministério da Saúde. "O projeto envolve transferência do conhecimento que a Universidade produz", destaca Gomes. Serão envolvidos no processo 140 agentes comunitários, 60 técnicos de enfermagem, 34 enfermeiros e 34 médicos da ESF e outros de nove unidades básicas de saúde do entorno da PUCRS. Mais adiante, o programa de saúde mental poderá ser estendido para outras áreas da Capital. Alunos voluntários da Faculdade de Medicina também recebem treinamento para realizar o cadastramento dos moradores, incluindo avaliação neuropsicológica.
Com a triagem dos 10 mil, feita anualmente, será possível validar os instrumentos utilizados, verificar fatores de risco e identificar precocemente sintomas de depressão e demência, além da doença de Parkinson. Mais adiante, a partir desses dados, a equipe fará uma série de estudos visando entender a relação entre cognição e emoção. "Quem apresenta depressão severa tardiamente, na vida adulta, tem mais chances de desenvolver demência", exemplifica o psiquiatra Eduardo Nogueira, que atua no HSL e é doutorando em Gerontologia Biomédica. Segundo ele, como a investigação com essa população será a longo prazo, o grupo poderá acompanhar pacientes com transtornos depressivos e bipolares de início precoce (adulto jovem) e tardio e avaliar se, no futuro, terão demência. "Essa é uma controvérsia mundial".
Para Nogueira, o desafio mais amplo do projeto é equilibrar assistência e pesquisa. A chave é tentar diagnosticar as doenças ainda antes de se manifestarem nas suas formas mais graves, o que potencializa o tratamento. "A medicação que existe hoje para Alzheimer só funciona se indicada cedo. Consegue prorrogar a evolução da doença", diz Gomes.
Uma das investigações, em conjunto com a Georgetown University, buscará detectar marcadores para essas enfermidades. Serão realizados exames de sangue (que darão informações sobre até 15 aspectos diferentes) e de imagem em 200 pessoas sem declínio cognitivo e com queixas de memória (o que representaria um quadro inicial). No InsCer/RS, sob a responsabilidade do neurologista André Palmini, farão tomografia computadorizada (PET/CT, na sigla em inglês) e ressonância magnética funcional (RMF). A PET/CT é capaz de distinguir o Alzheimer de outras demências, pois mostra depósitos de amiloide (proteína associada ao processo degenerativo das células). "O estudo permitirá descobrir se quem apresenta alta quantidade terá a doença", afirma Gomes. A RMF possibilita que os especialistas observem o cérebro funcionando em tempo real e as suas conexões. Pode dar respostas sobre doenças que afetam a memória, déficit de atenção, entre outras situações em que não há alterações estruturais claras.
Estudo piloto mostra altos índices
Estudo preliminar com mais de 500 moradores de Porto Alegre a partir dos 60 anos, incluindo todas as regiões e realizado pela equipe do Instituto de Geriatria e Gerontologia, aponta que 35% têm sintomas de declínio cognitivo (perdas de memória e de funções executivas, como linguagem e orientação). Desses, 8,9% foram considerados portadores de demências. Quanto à depressão, 30,6% tiveram sintomas clinicamente significativos detectados no rastreamento e 16,1% receberam diagnóstico de algum transtorno depressivo. As mulheres apresentam 60% a mais das formas leves da doença e 2,9 vezes além dos homens quando se trata de manifestações graves. Para o psiquiatra Eduardo Nogueira, é preciso ponderar o fato de as mulheres falarem mais nos sentimentos. O risco de suicídio (de leve a alto) foi de 15% e está relacionado principalmente à perda de filhos. A frequência de depressão (sintomas ou diagnóstico) é comparável aos resultados mais elevados encontrados na literatura brasileira, enquanto os de demência estão acima (apesar de existirem poucos estudos no País).
Entenda melhor
Declínio cognitivo
Alguns dos sinais são problemas de memória (especialmente de fatos recentes), dificuldade de adquirir novos conhecimentos e nas funções executivas (conjunto de habilidades de controle e organização do comportamento para se chegar a uma meta específica). Atinge principalmente pessoas de menor escolaridade e maior idade.
Alzheimer
É a forma mais comum de demência. Entre os fatores de risco estão idade, história familiar, ser portador de Síndrome de Down, ter passado por trauma craniano. Analfabetos e pessoas de baixa escolaridade são mais propensos a desenvolver a doença. Além de perda de memória, aos poucos o paciente perde a capacidade de gerenciar suas finanças, fazer planejamentos e cozinhar. Quando o quadro se agrava, atinge os movimentos e a linguagem. Na forma mais grave, o paciente não consegue caminhar e perde a consciência. Como o Alzheimer é incurável, os medicamentos buscam retardar a evolução da doença. Estudos apontam que praticar atividade física pode prevenir demências.
Depressão
Manifesta-se por desinteresse nas atividades que antes davam prazer, falta de energia, perda ou ganho de peso não intencional, alteração no sono, sentimento de culpa e inutilidade, dificuldade de concentração e ideia recorrente de morte. A tristeza persistente e que não é um estado afetivo decorrente do contexto (como no luto ou separação) também se mostra como um importante sintoma, embora não necessário para o diagnóstico. Há casos conhecidos como "depressão sem tristeza". Nos quadros mais severos ou se houver risco de suicídio e outros sintomas como alucinações, o especialista pode indicar o uso de medicamentos, chegando até a hospitalização. Em outros casos, a psicoterapia pode ser a ferramenta efetiva mais bem indicada.
Transtorno bipolar do humor
Antigamente chamado de psicose maníaco-depressiva, é caracterizado por oscilações no humor: ora a pessoa está triste e sem energia, ora alegre, irritada e desinibida. Modernamente, sabe-se que as crises também podem mesclar sintomas de ambos os "polos", configurando muitas vezes um episódio misto. Em geral, a doença se manifesta na adolescência ou no início da vida adulta. Medicamentos e a psicoterapia podem ajudar tanto para as crises quanto para sua prevenção.