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Notícias do Campus
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Em meio aos aplausos efusivos de um público emocionado – que se colocou inteiramente de pé para homenageá-lo – o baiano Antônio Raimundo Lima Cruz Teixeira recebeu na tarde dessa terça-feira, 6, o título de professor emérito da Universidade de Brasília. A honraria é concedida a docentes aposentados que alcançam posição eminente nas atividades universitárias – e coroa a longa e bem-sucedida carreira de Teixeira como cientista e professor, notório pela perseverante obstinação em decodificar DNAs para compreender a temível e misteriosa doença de Chagas.
Antônio TeixeiraProfessores, admiradores, colegas de trabalho, servidores técnicos, amigos e familiares lotaram o auditório da Reitoria para prestigiar o professor, hoje aposentado pela Faculdade de Medicina da UnB.

Ao longo da cerimônia, alguns termos foram repetidos para evocar algo da identidade do professor Teixeira: inquietude, perseverança, paixão, obstinação, compaixão, integridade, intensidade, generosidade, criatividade, comprometimento, otimismo e simpatia.  “Meu temor é de não conseguir transmitir tudo o que representam para a Universidade de Brasília e para a ciência universal os trabalhos desenvolvidos por este professor – que, além de notável pesquisador, é também incentivador de novos talentos e grande entusiasta em relação aos avanços de pesquisas em níveis inimagináveis da Patologia”, disse a também professora emérita Iris Ferrari, amiga, colega do homenageado há mais de 25 anos e convidada a abrir a cerimônia como oradora.

Foi com ela e outros colegas que, na década de 1980, Teixeira iniciou a criação do programa de pós-graduação – com mestrado e doutorado – na Faculdade de Medicina. Mais tarde instaurou o laboratório de imunopatologia da UnB, o celebrado Laboratório Multidisciplinar de Pesquisa em Doença de Chagas (LMPDC) da Faculdade de Medicina.

Ao longo de sua exposição, a professora Iris narrou algo da vida do homenageado. Da infância “sadia e inquieta” em Serra dos Maracás, interior da Bahia, ao reconhecimento internacional como pesquisador da doença de Chagas, mal a que dedica sua atenção desde que, ainda jovem estudante de Medicina e realizando uma autópsia, teve nas mãos o coração deformado de um pequeno agricultor que sucumbira à doença. “Foi a fonte de inspiração que o levou a fazer opção pela carreira acadêmico-científica”, segundo a professora.

Antônio Teixeira graduou-se em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1967, com opção pela área de Patologia Humana. Aos 27 anos, já casado e com dois filhos, passou a estagiar durante mais de três anos no Departamento de Patologia da Cornell Medical College, em Nova York, ao lado de renomados patologistas do Estado Unidos da América, e lá iniciou pesquisas sobre a autoimunidade na doença de Chagas. Retornou ao Brasil em 1974 e, em março do ano seguinte, passou a integrar os quadros da Universidade de Brasília.

“Em 1986, quando o conheci, o professor tinha como objetivo demonstrar a origem e o papel da autoimunidade na doença de Chagas”, explicou professora Iris, acrescentando que, “ao longo de mais de 20 anos, o professor Antônio Teixeira vem realizando o seu trabalho em projeto multidisciplinar, com o objetivo de documentar a transferência do DNA do [protozoário] trypanosoma cruzi para o genoma do chagásico, com vistas a explicar o comprometimento fisiológico do coração do paciente”. A partir de 1993, professor Teixeira e seus colaboradores começaram a buscar provas para confirmar a hipótese de trocas genéticas que poderiam indicar a origem da autoimunidade na doença de Chagas.

Foi este o início da descoberta científica que o notabilizou: a “herança de Chagas”. Em 2004, foram publicados nos EUA resultados de pesquisas conduzidas por professor Teixeira na UnB, mostrando que o protozoário trypanosoma cruzi invade o genoma e transfere seu DNA para o hospedeiro mamífero, inclusive o homem. A descoberta revelou a origem genética da doença e propôs um tratamento eficaz para o mal. Foi o ápice de um esforço incansável. Não por acaso, uma das famosas frases de Teixeira, citadas pelos estudantes que o homenagearam na tarde de terça-feira, é “cansaço é desalento”.

INTUIÇÃO – Durante a cerimônia, o professor Antônio Teixeira iniciou sua fala saudando  os integrantes da mesa: o reitor da Universidade de Brasília José Geraldo de Sousa Junior, o diretor da Faculdade de Medicina da UnB Paulo Cesar de Jesus, a professora Iris Ferreira, o primeiro colocado no processo de consulta para reitor da UnB, professor Ivan Camargo, e o vice-reitor da UnB João Batista de Souza.

Professor Teixeira destacou sua admiração pelo atual dirigente máximo da Universidade, “um homem que é verdadeiro amante da liberdade, generoso e que, durante seu período na UnB, estimulou o debate de ideias, a convivência democrática e primou pela tolerância” – desejando também ao professor Ivan Camargo todo o sucesso na condução da Universidade: “Que seja um tempo de paz, de tolerância, de democracia e de liberdade para a convivência criativa”, elogiou.

Em sua exposição, o professor homenageou seu pai – “a pessoa mais sábia que já conheci” – e destacou o quanto a doença de Chagas já se fazia presente, de modo dolorido, naqueles primeiros anos de vida, ao causar a morte do avô e de amigos próximos. À época, pouco se falava sobre o assunto, já que o mal de Chagas era quase tabu, considerada “doença de campesino”  e carregando “estigma de pobreza”.

Anos depois, a mente inebriada de Teixeira, sempre “possuída por ideias”, debruçou-se sobre as incontáveis perguntas e dúvidas que cercavam a doença. “A beleza da ciência está no significado de uma primeira descoberta, que tem o mérito de gerar muitas perguntas”, disse, ao explicar a forma como chegou a sua descoberta: “Não há lógica que indique a um cientista o caminho do imponderável desconhecido. Então, como escolher um caminho entre uma infinidade de outros? Com a intuição – herança de antepassados, imprint de DNA transferido para o senso comum na categoria de supersentido inconsciente”, afirmou.

Munido de sua intuição, Teixeira avançou rumo a novas possibilidades para compreender a doença e, assim, aliviar a miséria daqueles que são acometidos por ela. “Se o trypanosoma cruzi deixasse o DNA parasita no corpo da cobaia, seria possível explicar a continuidade da doença e morte do chagásico tratado”, explicou o professor. Ele reconheceu que, “ao longo de mais de três décadas de dedicação ao trabalho no Laboratório Multidisciplinar de Pesquisa em Doença de Chagas, da Faculdade de Medicina da UnB, fizemos contribuições originais ao conhecimento científico”.

Teixeira fez também críticas à burocracia que permeia todas as instância da Universidade e, com sorriso de menino, agradeceu a presença de todos, especialmente dos quatro filhos biológicos – Luciana, João Carlos, Mariana e Julia – e de seus alunos, suas “quatro dezenas de filhos do intelecto”. Por fim, levou o auditório lotado a entoar os versos de Epitáfio, dos Titãs – com ênfase no verso “o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”, em referência à notória distração que sempre resultou de sua inadiável dedicação ao trabalho, movido pela paixão.

“Para mim, a excelência do professor Antônio Teixeira não é novidade”, disse o reitor José Geraldo, destacando que, do professor e amigo pessoal, recebeu sempre a força – “e nunca o desalento!”. Além disso, celebrou a presença da equipe do professor Teixeira em todas as suas dimensões, do técnico administrativo ao pesquisador. “É um privilégio, para todos nós, desfrutar deste momento em que um de nossos maiores formula a sua preleção, a sua grande aula, a sua missão”, disse.

HEROI – Mas foram as palavras eloquentes do genro Mauro Giuntini – marido de sua filha Luciana e professor da Faculdade de Comunicação da UnB – que melhor expressaram a trajetória heroica do sogro, ao longo dos 30 anos de busca incansável por melhor compreender a Doença de Chagas, uma causa de contundente relevância para o povo brasileiro.

“A longa jornada do professor Antônio Teixeira – de menino de pé no chão na Serra dos Maracás, interior da Bahia, a professor emérito da Universidade de Brasília – seria impossível de ser prevista. A trajetória de Teixeira é a de um herói. Em seu caminho, penetrou profundamente no mundo da ciência e trouxe para sua comunidade, além do valioso elixir do conhecimento, a esperança libertária de que nós também podemos ser herois de nossas existências. Dessa forma, o heroi se transforma em mentor a nos entusiasmar para realizar nossos sonhos, posto que a vida não é previsível e quase tudo é possível com dedicação e método”, disse Giuntini.

UnB Agência