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A simpatia e o ar despojado não revelam, à primeira vista, o ofício de Michael Dooris: ele é diretor de planejamento de pesquisa e avaliação de uma das mais respeitadas universidades públicas dos Estados Unidos, a Penn State University. Parte de seu trabalho é ajudar os departamentos a desenvolverem planos estratégicos, sugerir melhorias, estimular o trabalho em equipe e, em última instância, fechar os cursos que não estão à altura do padrão de excelência da universidade. Com formação em Economia e atuação na cátedra de Ensino Superior, Dooris esteve na Universidade de Brasília para apresentar o modelo de planejamento da pós-graduação norte-americana – enquanto o Brasil ainda “engatinha” no assunto, os Estados Unidos já incorporam o planejamento à cultura das instituições há mais de 30 anos.
Em entrevista exclusiva à UnB Agência, Dooris falou sobre suas impressões a respeito da ciência brasileira, o modelo de avaliação dos docentes no Brasil, a necessidade de o país se empenhar na redação de pesquisas em inglês e como funciona uma universidade pública nos Estados Unidos.

UnB Agência: Como o senhor vê a ciência hoje no Brasil?
Dooris: Acredito que seja uma área forte no país, principalmente em especialidades como engenharias e outras ligadas ao meio ambiente. Vocês também têm empresas públicas como a Petrobras, que dão muito apoio à pesquisa. A diferença que consigo enxergar é nos níveis básicos de educação. Nos Estados Unidos, temos uma educação de qualidade nos níveis básico e médio. O Brasil enfrenta dificuldades porque ainda tem muitas deficiências no ensino básico. Não sou um especialista no país e não posso fazer uma análise mais profunda, mas é o que ouço dizerem.

UnB Agência: Uma dos maiores desafios do país é a internacionalização da pesquisa. Como superar essa dificuldade?
Dooris: Os pesquisadores brasileiros publicam muito em português. Isso acaba restringindo o alcance e a visibilidade das pesquisas. Para serem citados e usados mundialmente, os trabalhos precisam ser redigidos em inglês. Os japoneses, por exemplo, publicam em inglês. Com isso, não quero dizer que nós, americanos, somos o centro do mundo. Mas, infelizmente, a verdade é que, no meio científico, o inglês é a “língua oficial”, digamos assim. Creio que existe um elemento cultural muito forte, que é a questão de ser contra o imperialismo norte-americano, uma ideia que vigorou durante muito tempo no país. É um certo orgulho que, por um lado, é muito positivo: o Brasil mostra que é um país forte e quer se afirmar no cenário internacional.

UnB Agência: Outro problema frequente enfrentado nas universidades brasileiras é a produção científica concentrada em poucos docentes. Isso é uma realidade nos Estados Unidos? Que medidas podem ser adotadas para combater o problema?
Dooris: Infelizmente, também enfrentamos problemas com os docentes. Existem professores, por exemplo, que não querem dar aula para a graduação, se consideram muito importantes para isso. Mas, em relação à produção, nós temos uma avaliação mais rigorosa que a instituída nas universidades federais brasileiras. No Brasil, um professor passa no concurso, é admitido e pode passar anos sem escrever artigos ou publicar qualquer coisa. Na Penn State, temos uma avaliação regular muito rigorosa. Se um professor passa 2, 3 ou 4 anos sem publicar nada, ele é mandado embora. Para se ter uma ideia, 50% dos professores que contratamos não completam 10 anos na universidade. Simples assim.

UnB Agência: O senhor afirma que a educação superior é um bem público. Aqui no Brasil também é assim: tanto que temos universidades totalmente gratuitas. Como funciona a universidade pública nos Estados Unidos?
Dooris: Nos Estados Unidos, as universidades públicas surgiram para dar acesso às camadas menos favorecidas ao ensino superior. Em 1971, 62% do orçamento da universidade era de recursos do governo. Essa lógica foi se modificando, os investimentos governamentais ficaram estagnados. Em 2009, a maior fonte de renda da Penn State vem das tuition fees (taxas anuais que devem ser pagas pelos alunos). Hoje, só 18% dos nossos recursos vêm do governo. Na verdade, somos chamados de state related university (algo como “universidade relacionada com o estado”). Mas agimos como uma instituição privada: abrimos e fechamos cursos, temos nosso próprio processo de seleção e avaliação. Eu não me sinto funcionário do governo americano ou do governo do estado da Pensilvânia.

UnB Agência: Mas os Estados Unidos sempre tiveram uma política forte de distribuir bolsas a alunos que não podem pagar as altas taxas anuais da universidade.
Dooris: Não é bem assim. Damos bolsas pelo mérito do aluno, não pela condição social. Infelizmente, e creio que é uma realidade no mundo todo, os melhores alunos costumam vir de famílias mais abastadas. São os que estudaram nas melhores escolas e tiveram boas condições de ter êxito na vida escolar. Esses alunos são os mais contemplados pelas bolsas. Um aluno da Penn State gasta, em média, US$ 31 mil para se formar. Muitos saem endividados da faculdade. É bastante dinheiro.

UnB Agência: Como é o financiamento das pesquisas na universidade?
Dooris: Temos um orçamento anual de R$4 bilhões para toda a universidade. Cerca de um 1,8 bilhões vão para o fundo geral, que inclui as atividades de ensino e pesquisa. Temos hotéis, livrarias e restaurantes ligados à universidade, que recebem parte do dinheiro e não geram lucro. Não acreditamos que as taxas que os alunos pagam possam pagar as pesquisas. Parte da verba para pesquisa é também resultado de ajuda federal e, outra parte, de empresas privadas.

UnB Agência: O financiamento das pesquisas no Brasil é majoritariamente público. O senhor acha que uma aproximação com o setor privado é necessária?
Dooris: Como eu disse, não entendo a realidade do Brasil a fundo para poder opinar. São duas culturas diferentes, com histórias diferentes. Nos Estados Unidos funciona dessa forma. Já é parte da política das empresas investirem em pesquisa nas universidades.

UnB Agência