Junto com sua equipe, ele conseguiu desenvolver interfaces entre cérebro e máquinas. Em um dos experimentos mais conhecidos, ele fez um macaco mover um braço robótico apenas com a força do pensamento, graças a um chip implantado no cérebro do primata. A experiência serviu para estudar técnicas para devolver os movimentos a pacientes com paralisia.
Agora, Miguel Nicolelis está diante de mais um desafio ousado. Recentemente, ele lançou o Manifesto da Ciência Tropical, um tratado que mostra, através de 15 metas, como o conhecimento de ponta pode ajudar no desenvolvimento social e econômico do país. Este foi o principal assunto da entrevista que Miguel Nicolelis concedeu para a Assessoria de Imprensa da UNILA.
UNILA – Recentemente, o sr. lançou o manifesto das Ciências Tropicais. Como você definiria esse conceito de Ciências Tropicais?
Miguel Nicolelis - A ideia foi ressaltar o potencial da ciência brasileira e diferenciar de algumas áreas de pesquisa das quais temos vocação imediata. É um programa estratégico e científico que tem o objetivo de que a ciência brasileira se transforme em líder mundial por meio da criação, no país, de uma base de formação científica para responder os desafios dos próximas 10 anos.
UNILA – O sr. afirmou que os trópicos oferecem à humanidade “a mais fascinante esperança de preservar a própria espécie e o planeta”. Por quê?
Miguel Nicolelis - Nós temos aqui as reservas que, do ponto vista cientifico, são necessárias para nosso planeta se preservar. Temos comida suficiente, possibilidade de desenvolver energia limpa, um ambiente que pode impedir o avanço do aquecimento global, além de um grande reservatório humano, com um grande talento e capacidade para resolver problemas sérios da humanidade. Temos a melhor perspectiva, no mundo científico, de desenvolver pesquisas voltadas para a felicidade do ser humano. Casamos todos os potenciais com o que a humanidade precisa atualmente. Mas urge aos nossos talentos científicos serem impulsionados. Os pesquisadores brasileiros precisam de maior capacidade de sonhar. Precisam olhar para seus trabalhos com certo grau de paixão. Assim chegarão mais longe.
UNILA – As 15 metas projetadas no Manifesto da Ciência Tropical implicam numa transformação da educação brasileira. Como iniciar essa revolução?
Miguel Nicolelis – Simplesmente começando. Em Natal começamos com um projeto na periferia e hoje, graças à vontade política, temos um grande centro de pesquisa. Então, essa revolução é possível. Na minha opinião todos os setores da sociedade devem estar voltados, de alguma maneira, para a educação. Cada espaço livre, cada recurso humano, cada tostão que sobrar deveria ser aplicado em alguma iniciativa voltada para o desenvolvimento educacional. Mas quero deixar claro que não se trata de uma reforma nas nossas bases. Se trata de uma massificação da educação, usando todos os recursos possíveis.
UNILA – Qual é o papel das universidades dentro desse processo?
Miguel Nicolelis – A responsabilidade da universidade tem que começar cedo. As universidades públicas poderiam criar programas de Pré-Natal e de Saúde da Mulher. Porque eu estou convencido que a educação já inicia durante a gravidez, garantindo um acesso a uma medicina de qualidade e orientando sobre os melhores cuidados para a mãe e para o bebê. São coisas simples, mas que precisam ser efetivadas.
Também acredito que as universidades devem fomentar programas de educação para toda a vida. Iniciando com a puericultura, acompanhando o desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida. Cada universidade deveria ter um programa científico que começasse aos quatro anos de idade e seguisse até o final do Ensino Médio. Fazer com que as crianças e jovens tenham acesso às pesquisas, aos experimentos, ao conhecimento de ponta. Isso ajudaria na caminhada do Brasil para alcançar os objetivos da educação pública.
UNILA - Uma das propostas do manifesto é a criação do Banco do Cérebro, que seria uma entidade que incentivaria o empreendedorismo científico. Na sua visão qual a principal dificuldade que os cientistas encontram hoje no país?
Miguel Nicolelis - Os cientistas não são treinados para serem empreendedores. Falta uma cultura empresarial aos pesquisadores. Hoje em dia poucas pessoas conseguem fazem pesquisa direito, porque os cientistas tem que dar aula nas universidades. Por isso uma das propostas é criar a carreira específica de Pesquisador nas universidades federais, que seriam profissionais que se dedicariam integralmente à atividade científica. E o Banco do Cérebro entraria como um banco público, ao estilo do BNDES, mas voltado para o microcrédito científico.
Porém, essas pesquisas não podem ficar presas nos laboratórios. Precisamos uma aproximação entre as universidades federais e a sociedade. Precisamos desenvolver uma cultura para que a universidade devolva à sociedade brasileira o produto do seu conhecimento. Temos que permitir que as pessoas frequente as universidades sem, necessariamente, estarem matriculadas. A ideia é trazer tanto crianças como adultos para mostrar porque as instituições de ensino merece o orçamento que recebe e porquê merece receber muito mais.
UNILA – Há uma grande expectativa quanto ao Pré-sal, que é visto como uma fonte de riquezas que irá auxiliar no desenvolvimento do país. Como o Brasil precisa se preparar, no âmbito científico, para este novo momento?
Miguel Nicolelis – A Presidente eleita, Dilma Roussef, já sinalizou que a receita gerada pelo pré-sal vai alimentar um fundo social que vai ser destinado para a educação, saúde e tecnologia. Esse indicativo precisa ser valorizado, mas deve ser ampliado. É um recursos importante para o desenvolvimento de todo o país. Uma das metas do Manifesto da Ciência Tropical é o estabelecimento de Cidades Marítimas, que seriam plataformas de pesquisa, localizadas em alto mar, que poderão mapear as riquezas do mar brasileiro.
O grande objetivo por trás dessa proposta é nacionalizar, do ponto de vista cultural, os nossos limites marítimos. É um começo de projeto de nação para o mar brasileiro. Como as fronteiras terrestres já estão ocupadas, agora chegou a hora de desenvolver a fronteira marítima, que está 350 milhas oceano a dentro. Claro que para isso ser possível, precisamos de uma estrutura planejara e organizada, e uma fronta de navios-escola para comunicar as Cidades Marítimas com a sociedade brasileira.
UNILA – O Sr está disposto a deixar de lado a atividade científica e se envolver em política para impulsionar as propostas do manifesto?
Miguel Nicolelis - Não tenho interesse em ser um burocrata. Meu espirito é fazer, é estar na parte operacional. Em Natal consegui articular o Natalneuro e ao mesmo tempo continuei fazendo muinha ciência e publicando meus papers. Estou disposto ajudar no que for possível, mas tem gente muito competente que adoraria ter um cargo de ministro. Posso contribuir no ponto de vista das ideias, basta que elas sejam incorporadas por quem quer incorporá-las. Pelo Brasil faço qualquer coisa, mas fora de qualquer gabinete e qualquer escritório. Gabinete não é lugar pra mim.
UNILA - Quais os seus próximos desafios? Que novas pesquisas e novidades vem por aí?
Miguel Nicolelis - Meu primeiro desafio é tirar férias. Foi um ano longo. Mas ano que vem teremos muita coisa pela frente. Iremos transferir nossa pesquisa de Parkinson para prática clínica, já que temos dados que sugerem que estamos muito próximos disso. Também estamos entrando na reta final do desenvolvimento de uma técnica que vai levar um quadriplégico a andar por uma verte robótica. Mas isso ainda vai levar uns três ou quatro anos. Outra questão é a abertura de novos laboratórios no Brasil e na Europa, para ter uma rede mundial de laboratórios espalhados em vários pontos estratégicos. Inclusive queremos abrir laboratórios de pesquisa na África, que também é um grande desejo.
UNILA - O que o sr. diria para um universitário que está iniciando agora sua trajetória e tem pretensões de se dedicar à pesquisa científica?
Miguel Nicolelis - Eu diria para acreditar no seu taco. Ir em frente e não dar ouvidos àqueles que dizem que um sonho não é possível. Se for a paixão dele, ele vai conseguir o caminho para executar os projetos que tem em mente. E, principalmente, não dar ouvidos aos que não fazem, mas não deixam os outros fazerem.
Manifesto
O Manifesto da Ciência Tropical pode ser lido, na íntegra, pelo site http://www.viomundo.com.br/entrevistas/nicolelis-lanca-manifesto-da-ciencia-tropical-vai-ditar-a-agenda-mundial-do-seculo-xxi.html.
Cátedra
As incrições para a Cátedra Alberto Houssay de Neurociências e Sociedade pode ser feita a través do e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. É necessário envio de dados pessoais (nome completo, número de CPF, RG ou passaporte, endereço, e-mail e telefone) e dados acadêmicos (instituição de ensino de origem, programa de pós-graduação e vínculo institucional).
As atividades da Cátedra iniciam na segunda-feira, 29, às 8h30, quando será debatido o tema “Neurociência do século XXI”. Pela parte da noite, das 18h30 às 21h30, o tem em discussão será “A ciência como agente de transformação social”. A cátedra segue na terça-feira, a partir das 8h30, com o tema “O compromisso dos cientistas com o desenvolvimento latino-americano com inclusão social”.
Assessoria de Imprensa
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)