Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
paulo-vanzoliniEstudioso do padrão de evolução dos répteis na América do Sul por mais de 60 anos, o zoólogo Paulo Emílio Vanzolini é um dos autores da Teoria dos Refúgios, que explica o surgimento da diversidade da fauna no continente. A incalculável contribuição de Vanzolini para a ciência poderá ser apreciada em sua totalidade no livro Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul, lançado na última sexta-feira (15/10), na sede da FAPESP, com a presença do autor. Publicada pela Editora Beca, com apoio da FAPESP, a obra traz na íntegra os 153 artigos científicos publicados por Vanzolini entre 1945 e 2004. O volume de 704 páginas, contendo 47 publicações selecionadas, é acompanhado por um CD-ROM com os outros 106 artigos do período.
De acordo com Vanzolini, o livro possibilita uma compreensão geral de sua obra, dedicada ao estudo sistemático dos répteis e à busca por um modelo evolutivo capaz de explicar a sua diversidade.

“Foi uma iniciativa muito interessante, porque muitos desses artigos estavam dispersos em revistas que não estão disponíveis mundialmente. O conteúdo é bastante representativo da minha carreira e é bom ter tudo isso reunido em um lugar só”, disse à Agência FAPESP.

Segundo Celso Lafer, presidente da FAPESP, a publicação do livro é um reconhecimento da contribuição de Vanzolini para o desenvolvimento da ciência no campo da zoologia. “É também uma maneira de sublinhar como a história de sua vida está ligada de maneira tão construtiva à da FAPESP, desde a década de 50 do século passado”, disse Lafer.

Vanzolini teve participação ativa nos movimentos organizados por pesquisadores de instituições paulistas voltados para tornar real a criação do órgão de fomento à pesquisa científica que era previsto na Constituição Estadual Paulista de 1947.

A ação desses cientistas resultou na elaboração do Projeto de Lei que levou à criação da FAPESP, também com a participação de Vanzolini. “Ele contribuiu para a estruturação da Fundação e para a concepção do seu modelo de organização”, afirmou Lafer.

Vanzolini também integrou a primeira composição do Conselho Superior da FAPESP, de 1961 a 1967, e cumpriu mandatos de conselheiro de 1977 a 1979 e de 1986 a 1993, além de coordenar inúmeros projetos com apoio da Fundação.

Formado em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), Vanzolini concluiu o doutorado em 1951 na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e decidiu trabalhar com herpetologia, o estudo de répteis e anfíbios.

Diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, teve forte atuação na organização da coleção da instituição. Em sua gestão, a coleção passou de pouco mais de mil exemplares catalogados para mais de 300 mil.

Além de zoólogo, Vanzolini se destacou também como compositor de música popular. É um dos maiores nomes do cancioneiro nacional, autor de músicas gravadas por dezenas de cantores, como Ronda, Praça Clóvis e Volta por cima.

Gênese de uma teoria

No fim da década de 1960, em conjunto com o biólogo norte-americano Ernest Williams e com a colaboração do geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber, Vanzolini resgatou conceitos que eram usados para explicar a diferenciação de aves na Europa e apresentou a Teoria dos Refúgios. A mesma proposta foi feita simultaneamente pelo alemão Jurgen Haffer, de forma independente.

Até ali, a hipótese mais aceita para explicar a existência da biodiversidade nas florestas sul-americanas era a influência de longos períodos de estabilidade climática e geológica, que teriam representado ambiente propício para cruzamentos e reprodução, gerando grande número de espécies.

“Mas havia diferenciações que não se explicavam pelas diferenças da ecologia das florestas. A Amazônia, por exemplo, não foi sempre igual. No passado houve períodos de redução da floresta e certas formas de vida, isoladas nesses refúgios remanescentes, não se misturaram mais e geraram novas espécies”, explicou Vanzolini.

A Teoria dos Refúgios estabelece que o continente teria passado, no último 1,6 milhão de anos, por ciclos de variações climáticas intensas. Quando o continente enfrentou a última glaciação – entre 18 mil e 14 mil anos atrás –, o frio teria formado nichos geográficos com florestas tropicais – ou refúgios –, que garantiram a sobrevivência de espécies menos acostumadas ao frio.

“A diversidade e a especiação não surgiram a partir de uma evolução estável, mas graças à formação das ilhas de isolamento e a mudanças frequentes”, disse.

Haffer, de acordo com Vanzolini, foi mesmo o primeiro a chegar a essa ideia, não a partir de dados experimentais, mas de uma perspectiva teórica. “Quem inventou a Teoria dos Refúgios foi ele, a partir de um brilhante trabalho conceitual. Eu apenas confirmei tudo isso, de forma independente, a partir da análise de um grupo de lagartos com base em um amplo trabalho de campo. Chegamos ao mesmo ponto, quase simultaneamente, por caminhos inversos”, disse.

Em 1969, Vanzolini trabalhava no Museu de Zoologia da USP na companhia de Williams – que viera da Universidade Harvard para o Brasil especialmente para desenvolver a pesquisa que fundamentava a Teoria dos Refúgios – quando recebeu um envelope da revista norte-americana Science.

“Eles estavam me pedindo um parecer sobre o artigo do professor Haffer. Ele era meu amigo, mas eu não sabia que estava desenvolvendo essa teoria, pois até ali não havia documentação alguma. Eu e Williams ficamos surpresos e enviamos para Haffer o trabalho sobre a distribuição de répteis. Ele veio em seguida para o Brasil e publicamos simultaneamente, em 1970, os dois artigos”, relembrou.

Vanzolini, no entanto, não considera a Teoria dos Refúgios como o foco central de seus trabalhos e sim como uma de suas consequências.

“Meu foco científico sempre foi o padrão de evolução dos répteis na América do Sul no Terciário Superior e no Quaternário. A Teoria dos Refúgios é um aspecto desse trabalho. Uma consequência de uma visão interdisciplinar da pesquisa. Sou zoólogo de profissão, mas tive que aprender a usar ferramentas estatísticas e interagir com os geógrafos. Eu me diverti muito fazendo isso”, afirmou.

Ab’Saber, segundo Vanzolini, foi o responsável por fornecer a bibliografia necessária na área de geomorfologia. “Nossa sorte foi que existia em São Paulo uma faculdade de geografia de qualidade muito alta”, afirmou.

Apesar da grande influência da Teoria dos Refúgios, há estudos que procuram contestá-la ou até negá-la completamente. Vanzolini, no entanto, afirma que até o momento ninguém apresentou nenhuma explicação científica mais convincente.

“Eu, pessoalmente, não tenho dúvida alguma. As contestações levantadas até agora eram superficiais. Podemos dizer até mesmo que a Teoria dos Refúgios é algo que ficou no passado, como algo consolidado. Trata-se de uma teoria tão lógica que o primeiro que estudou o assunto a fundo chegou a ela”, apontou.

Futuro promissor

Para Vanzolini, no entanto, a partir da base fornecida pela Teoria dos Refúgios, os estudos na área de zoologia deverão avançar com muita rapidez, nos próximos anos, graças às novas ferramentas e metodologias disponíveis.

“Quando comecei minha carreira, a zoologia brasileira era uma tristeza. O mais importante era competir com os estrangeiros em termos de nomenclatura. Hoje já avançamos muito. E o futuro é muito promissor”, afirmou.

Vanzolini citou a tese de doutorado defendida em 2009 por Fernando Mendonça d'Horta, no Instituto de Biociências da USP, orientada pela professora Cristina Yumi Miyaki, como exemplo das possibilidades de avanço da zoologia a partir de novas ferramentas.

“Ele trata da Teoria dos Refúgios a partir da perspectiva da genética, que gera resultados incomparavelmente mais robustos que a perspectiva da estatística. Há 20 anos, isso seria impensável. Hoje, temos essa interação com geneticistas. No Museu de Zoologia, temos teses sobre peixes nessa mesma linha”, disse.

Agência FAPESP