Mais que reconhecimento, Roberto Rinaldi receberá 1,65 milhão de euros (R$ 3,8 milhões) para desenvolver um projeto de cinco anos, em condições únicas, já que poderá formar seu próprio grupo de pesquisa e atuar de forma independente e livre de restrições administrativas. “O prêmio, financiado pelo Ministério Alemão de Educação e Pesquisa, geralmente contempla pesquisadores de universidades de elite, como Berkeley (EUA) e Oxford (Reino Unido). Por isso, esse reconhecimento se estende ao meu berço científico, que é o IQ da Unicamp. Já estou montando meu grupo de pesquisas em biocombustíveis no Max Planck”.
Rinaldi dedica-se a estudos de processos catalíticos para obtenção de produtos químicos a partir de fontes agrícolas renováveis, mais precisamente da celulose. Liberado do mestrado, a sua pesquisa de doutorado no IQ, sob orientação do professor Ulf Schuchardt, envolveu um processo com catalisador e oxidante não-tóxicos, viável economicamente. Esta preocupação ambiental mereceu um prêmio da Sociedade Brasileira de Catálise, patrocinado pela Degussa, indústria química alemã e líder na área.
Logo ao concluir o pós-doutorado no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), o pesquisador, por conta da sua produção científica, foi aceito no grupo do professor Ferdi Schüth, que coordena os estudos com catálise heterogênea no Instituto Max Planck – e lá está desde 2007. Na entrevista que segue, Roberto Rinaldi fala um pouco dessa trajetória e dos seus planos.
Portal da Unicamp – Quando deu uma entrevista ao Jornal da Unicamp em setembro de 2007, o senhor tinha 27 anos e estava de malas prontas para o Instituto Max Planck, onde se integraria a um grupo que estudava um processo catalítico inédito para obtenção de produtos químicos a partir de fontes agrícolas renováveis? Como foi esse trabalho?
Roberto Rinaldi – Da biomassa é possível obter praticamente tudo o que geralmente se obtém a partir de fontes não renováveis (gás natural, petróleo e carvão mineral). Durante os meus três primeiros anos no Max Planck Institute em Mülheim, iniciamos pesquisas para transformar celulose em açúcar – que pode ser utilizado para produção de biocombustíveis. Celulose é o principal componente da biomassa. Este biopolímero é constituído de centenas de milhares de unidades de açúcar (glicose). Normalmente, a celulose é encontrada em grandes quantidades em restos agrícolas, como palha de milho ou bagaço de cana. Através de uma reação chamada hidrólise, o polímero é “quebrado”, rendendo açúcar. Para visualizar a importância deste processo, se hoje existisse uma tecnologia madura para transformação da celulose presente no bagaço de cana em açúcar, a produção brasileira de bioetanol seria duplicada, sem a necessidade de expansão da área plantada.
P – O prêmio Sofja Kovalevskaja é decorrência deste trabalho no MPI?
R – Não, o prêmio é conferido a jovens pesquisadores ou pesquisadoras que demonstraram excelência e alta produtividade científica no início de suas vidas acadêmicas. Portanto, a nominação para o prêmio foi devido ao trabalho dedicado até então, o que inclui minha pesquisa em celulose no MPI e meu doutoramento no Instituto de Química da Unicamp.
P – Este prêmio permitirá que forme seu próprio grupo de pesquisa em biocombustíveis. Qual será o objeto de estudo? E, tendo financiamento para cinco anos, qual sua expectativa em termos de resultados?
R – Agora é a vez de encontrar usos para um biopolímero chamado lignina. Em poucos anos, os biocombustíveis produzidos a partir de celulose estarão presentes no cotidiano dos Estados Unidos e dos países europeus. Olhando para a composição dos materiais que contêm celulose (resíduos agrícolas como palha, bagaço de cana, folhas e madeira), nós achamos que até 30% da biomassa vegetal é composta de lignina. Claramente, o sucesso da nova geração de biocombustíveis depende fortemente de encontrar usos para a lignina. Atualmente, o principal uso é a sua queima, a fim de fornecer energia para o processamento de celulose. Eu acredito que podemos fazer mais, como por exemplo, utilizar lignina na produção de polímeros, remédios, defensivos agrícolas e biocombustíveis.
À primeira vista, a pesquisa sobre a lignina pode parecer muito orientada à aplicação. No entanto, os conhecimentos básicos para transformá-la em produtos do nosso dia-a-dia estão ainda na sua infância. Para ir além do conhecimento que se tem hoje sobre o biopolímero, grandes esforços são necessários na pesquisa básica em química orgânica.
P – Depois desses anos na Alemanha, pode mensurar o nível das pesquisas em biocombustíveis no Brasil, um país tão rico em biomassa e que construiu uma cadeia sofisticada por conta do etanol?
R – O Brasil ainda está na dianteira dos países que utilizam biomassa na sua matriz energética. O país domina a engenharia genética para o melhoramento da cana, o que contribuiu enormemente para o aumento da produtividade por hectare plantado. Além disso, o setor sucroalcooleiro é bem desenvolvido no Brasil. É importante, entretanto, que a indústria e a academia brasileiras vejam o sucesso do álcool como um agente capaz de impulsionar o país para um segundo passo de desenvolvimento tecnológico: a criação de uma rede de processos químicos e biológicos para produção de polímeros, produtos químicos de base, especialidades químicas e outros biocombustíveis além do etanol.
“Uma andorinha sozinha não faz verão”. Na indústria química e de combustíveis, um único processo também não é capaz de (re)criar uma economia além do petroleo. Apesar de a fermentação do açúcar em etanol ser uma tecnologia já dominada desde o antigo Egito, as leveduras consomem aproximadamente metade do açúcar para transformar a outra metade em etanol. A pergunta que todos fazem aqui é: será que com um processo químico inovador não seria possível transformar o açúcar em um biocombustível sem esta “perda”?
P – Em quanto tempo e que obstáculos ainda precisam ser superados para que os cientistas, finalmente, obtenham combustível da celulose?
R – Os desafios são enormes, mas a quantidade de dinheiro investida em pesquisa é impressionante. Muitas fontes indicam que só os Estados Unidos já estariam investindo, nos próximos dez anos, ao redor de 500 milhões de dólares para a produção de etanol celulósico. Todos nós cremos que em dez anos as barreiras de hoje já estarão vencidas. Em 2020, a comunidade cientifica internacional deverá começar a olhar com mais atenção para a lignina.
P – A concessão do prêmio Sofja Kovalevskaja teria o objetivo de cooptar e firmar bons pesquisadores na Alemanha?
R – A Fundação Alexander von Humboldt não está “cooptando” cérebros com iniciativas como esta. O prêmio visa à criação de uma rede de conexões internacionais de alto nível entre pesquisadores alemães e do país de origem do pesquisador visitante. Há um ditado entre os “humboldtianos” que diz: uma vez humboldtiano, sempre humboldtiano. Isso significa que terminada a estadia na Alemanha, a Fundação pode também garantir recursos para o retorno do pesquisador ao seu país de origem e, ainda, recursos para continuar em contato com os pesquisadores alemães. Quem é humboldtiano sabe que isso é verdade. A Fundação Humboldt conta com mais de 24 mil pesquisadores de alto nível no mundo todo. Dentre eles, quase 50 laureados com o prêmio Nobel.
Seria muito bom que as agências de fomento brasileiras também adotassem programas com esta característica de formar redes internacionais de excelência. Pois o mais importante não é a fixação do cientista, mas sim a internacionalização das instituições de pesquisa. Aqui, várias pessoas ficaram surpresas ao saberem que alguém formado em uma universidade brasileira alcançou este prêmio. A surpresa mostra o quanto a comunidade científica brasileira não é internacional. As pessoas não sabem o que é feito em ciência e tecnologia no Brasil. Para muitos estrangeiros, o Brasil é um país de samba, pessoas bonitas e futebol (e muita pobreza).
P – O senhor não se esquece do IQ como seu berço científico.
R – Eu fui muito feliz no IQ. Hoje, conhecendo mais de dez países, sei que as condições de aprendizado e de pesquisa que encontrei na Unicamp são únicas. Poucas universidades no mundo se equiparam à Unicamp. Vários colegas europeus que aí fizeram intercâmbio dizem o mesmo. Não há dúvidas: a Unicamp é um dos pivôs de inserção da pesquisa brasileira na comunidade internacional. É uma pena que quase todos os cursos sejam ainda ministrados em português. O Brasil ganharia muito reconhecimento se houvesse mais alunos e professores estrangeiros na academia, como se vê nas universidades americanas de elite.
P – Entretanto, pelo visto, o senhor está firmando carreira na Alemanha. Pensa em voltar a fazer pesquisa no Brasil?
R – O futuro a Deus pertence. Amém.
Comunicação Social
Unicamp