Os impactos das novas tecnologias na forma como vivemos e trabalhamos, bem como os riscos e as implicações do compartilhamento de dados pessoais no ciberespaço, foram tema do 4º German-Brazilian Dialogue on Science, Research and Innovation, realizado nos dias 29 e 30 de setembro na sede da FAPESP.
Segundo Reiner Anderl, professor da Technische Universität Darmstadt, da Alemanha, e palestrante do evento, estamos vivendo atualmente o período da quarta revolução industrial. “É o surgimento da indústria 4.0 e, com ela, de novas cadeias de valor e novos modelos de negócio”, afirmou.
De acordo com Anderl, a primeira revolução industrial do século 19 se baseou na invenção do tear mecânico e no uso da energia a vapor. No início do século 20 veio a segunda onda, com a introdução da linha de montagem e da produção em massa. A terceira teve início na década de 1970 com a automação da produção e a tecnologia da informação (TI).
A quarta revolução industrial está baseada no chamado sistema ciberfísico. “Ele pode ser definido por dois principais aspectos. Um é tornar os sistemas físicos mais inteligentes, equipando-os com sensores e acesso à internet, permitindo conectividade e comunicação. Outro é tornar as simulações das funcionalidades, ou seja, o virtual, muito mais realista”, explicou Anderl à Agência FAPESP.
Na indústria 4.0, o big data coletado o tempo todo pelas máquinas é enviado para um servidor, monitorado e avaliado por softwares. Os sensores dizem para as máquinas como elas devem ser processadas, em um sistema descentralizado, no qual os diversos setores se comunicam.
“Isso permite identificar, por exemplo, um aumento de temperatura em um determinado equipamento, bem como prever que isso poderá causar um defeito dentro de alguns dias e interromper a produção. Podemos então realizar uma manutenção preventiva”, disse Anderl.
As novas tecnologias levam ao surgimento de novos modelos de negócio. Sensores instalados nos produtos poderão avisar quando uma manutenção é necessária. As peças de reposição, hoje fabricadas na matriz e exportadas para os mercados consumidores em todo o mundo, podem agora ser produzidas por impressoras 3D localmente, reduzindo os custos.
“Uma fabricante de turbinas de aviação, por exemplo, em vez de ganhar apenas com a venda do produto pode lucrar com um contrato de manutenção. Também é vantajoso para a companhia aérea, pois o produto sai a um preço mais baixo”, avaliou Anderl.
Claro que os impactos no mercado de trabalho são grandes. Segundo Arnold Picot, da Ludwig Maximilian University of Munich (LMU), as relações de trabalho da era digital são marcadas pela interconectividade e pela flexibilidade.
“Os processos de trabalho e de produção podem ser controlados de qualquer lugar e a qualquer momento. A tendência é a dissolução das estruturas industriais estabelecidas e uma menor separação entre vida pessoal e profissional”, disse Picot.
O trabalho na nova economia on demand (sob demanda) tende a se orientar em torno de projetos, que integram de maneira flexível diferentes modelos: times locais, terceirizados, crowdsourcing, freelancers e outros.
“Cria-se o modelo workers on tap, ou seja, a torneira dos trabalhadores é aberta e fechada na medida do necessário”, disse Picot.
Ainda segundo o professor da LMU, a tendência é de crescimento de postos que exigem baixa capacitação e pagam pouco, bem como os de alta capacitação e altos salários. Aqueles de nível intermediário tendem a diminuir, o que pode levar a uma sociedade mais desigual.
“Não devemos nunca esquecer nessas discussões que o trem está se movendo, quer a gente queira ou não. Isso está acontecendo. Creio que a questão é: queremos ou não fazer parte do processo e nos beneficiar com a mudança? É preciso agir para não perder empregos e sim nos valermos dos novos postos que estão surgindo”, afirmou Dieter Rombach, da Fraunhofer Institute for Experimental Software Engineering (IESE).
Segundo Rombach, todos os objetos ganham uma vida digital no smart ecosystem, produzem dados por meio de observação com sensores, guardam uma história que possibilita fazer previsões, são influenciados pelos dados e se adaptam. É a chamada Internet of Things (IoT).
Isso traz mudanças em todos os aspectos sociais. As oportunidades incluem os novos postos de trabalho que surgem com base em novos modelos de negócios; a superação de desafios demográficos relacionados a serviços de saúde, ensino e outros aspectos da vida; e a otimização de recursos naturais por meio de economias compartilhadas. Já os riscos estão principalmente associados a aspectos de segurança e privacidade dos dados.
“A chave para o sucesso está no fortalecimento da capacidade de engenharia de softwares e sistemas”, avaliou Rombach.
Aspectos legais
Como lembrou o doutorando em direito constitucional pela Universidade de São Paulo (USP) Dennys Antonialli, a maior parte do big data gerado pela IoT é composta de dados pessoais, que podem ser organizados, analisados e usados, com ajuda de algoritmos, para influenciar de forma invisível processos decisórios, como o aluguel de um imóvel ou a contratação de um funcionário ou de um serviço.
“São dados sobre você que podem ajudar empresas ou indivíduos a prever coisas sobre você e essas previsões podem ser imprevisíveis. Podem até mesmo gerar uma discriminação que é invisível. Como controlar o que não vemos e não entendemos?”, disse Antonialli
Segundo Antonialli, enquanto a União Europeia adotou uma legislação rígida para proteger a privacidade de dados pessoais, os Estados Unidos acreditam que a liberdade no compartilhamento de dados favorece a inovação e o lucro das empresas. No Brasil, há projetos de lei sobre o tema em discussão no Congresso Nacional, tendendo mais para o modelo europeu.
Para o professor da Faculdade de Direito da USP Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, os conflitos relacionados com o mundo digital não vão exigir apenas a criação de um novo campo jurídico, mas de uma profunda mudança no entendimento do que é o Direito.
O evento ainda contou com a participação de Hans-Joachin Hof, da Munich University of Applied Sciences, que falou das limitações e desafios de softwares voltados à proteção da privacidade das informações. E de José Molin, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), que abordou o tema agricultura de precisão.
Fernando Martins, executivo da Intel no Brasil, tratou do impacto sobre o desenvolvimento econômico promovido pelo aumento exponencial da capacidade de processamento e armazenamento de dados dos dispositivos eletrônicos, que vem acompanhado de uma redução significativa de custos.
Segundo Martins, de cada 100 habitantes do planeta 97 já são usuários de celular – totalizando 7 bilhões de linhas credenciadas. Cerca de 30% dos aparelhos são smartphones e o número deve saltar para 50% até 2016. Os custos para se conectar à internet caíram 65% nos últimos cinco anos e já há 3,2 bilhões de pessoas on-line – ou 43% da população mundial. O índice é 82% nos países desenvolvidos, 35% nas nações em desenvolvimento, 9% nos menos desenvolvidos e 67% no Brasil.
Thorsten Holz, da Ruhr University Bochum, analisou como os aplicativos para smartphones têm revolucionado a forma como as pessoas se comunicam tanto em suas vidas pessoais como profissionais, bem como a forma como cuidam da saúde, se localizam e se locomovem nas cidades, consomem serviços e produtos. Ressaltou ainda a necessidade de tornar os mecanismos de segurança do sistema mais amigáveis ao usuário final.
Desafios e oportunidades
Participaram da cerimônia de abertura Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP, o embaixador da Alemanha no Brasil, Dirk Brengelmann, Martina Schulze, diretora do DWIH-SP, e Roberto Marcondes Cesar Junior, membro da Coordenação do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) e da coordenação adjunta de Ciências Exatas e Engenharias da FAPESP.
"Importantes aspectos de nossas vidas e comportamentos são e certamente serão fortemente influenciados pelo futuro da tecnologia da informação. Por essa razão, os tópicos que serão discutidos nesse evento serão muito importantes", afirmou Krieger.
Na conferência de abertura, o embaixador da Alemanha no Brasil, que foi comissário do Ministério de Relações Exteriores para Política Cibernética, falou sobre a necessidade de se criar um consenso internacional sobre o que seria um comportamento responsável no ciberespaço.
“Grupos terroristas têm usado a internet para fazer propaganda e recrutar pessoas. Também podem usar como ferramenta de ataque. Ativos políticos, tanto em termos de sistemas quanto de infraestrutura, podem ficar vulneráveis quando conectados à internet. E é exatamente esse tipo de conectividade que é o conceito por trás da IoT. Portanto, os ataques podem ter consequências severas para governos, setor privado e a sociedade como um todo”, disse Brengelmann.
Segundo o embaixador, teremos de conviver no futuro próximo com a incerteza característica do ciberespaço. “Um melhor entendimento das regras, leis e princípios que caracterizariam um estado de comportamento responsável no ciberespaço aumentaria a transparência internacional, a previsibilidade e contribuiria para reduzir a instabilidade”, afirmou.
Em seguida, os desafios e oportunidades do mundo digital no Brasil foram apresentados por Virgílio Almeida, secretário nacional de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTi). Ele lembrou que o Brasil está entre os seis países que abrigam mais da metade da população mundial e representa um grande mercado de internet, altamente permeável às tecnologias digitais.
Ainda na abertura, o coordenador da German House of Science, Research and Innovation – São Paulo (DWIH-SP), Marcio Weichert, disse que os Diálogos Alemanha-Brasil são promovidos anualmente com o objetivo de apresentar o estado da arte da pesquisa alemã sobre um determinado tema e estimular novas colaborações com pesquisadores do Brasil. “Temos certeza que encontramos na FAPESP o parceiro certo para alcançar esses objetivos”, afirmou.
Agência FAPESP