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A atual crise econômica pela qual o Brasil passa atualmente apresenta oportunidades para o desenvolvimento de produtos e áreas nas quais o país apresenta vantagens competitivas. E isso pode favorecer os investimentos internos em ciência e tecnologia. A avaliação foi feita por José Goldemberg, presidente da FAPESP, durante um painel sobre a educação e a ciência no Brasil no seminário “Saídas para a crise”, realizado na terça-feira (15/09), na sede seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo.
Promovido pela OAB SP em parceria com a Fundação Padre Anchieta, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), o evento integrou uma campanha lançada no final de agosto pelas quatro instituições com o objetivo de buscar alternativas para melhorar políticas públicas no país.

As propostas resultantes da campanha serão encaminhadas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e os debates realizados durante o seminário serão reunidos em um livro.

Em seu discurso durante o debate, Goldemberg avaliou que a cotação do dólar em torno de R$ 2 no Brasil nos últimos anos desencorajou a produção local e levou a indústria nacional, que representava 18% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro há dez anos, diminuir sua participação para 9% atualmente porque até então era mais barato comprar produtos da China do que fabricá-los internamente.

O fato de a cotação da moeda norte-americana no Brasil ter subido nos últimos meses pode dar um novo impulso para o desenvolvimento de produtos e da ciência e tecnologia no país, estimou.

“A ciência e tecnologia não dependem apenas de boas ideias, mas também da situação econômica do país. A subida do dólar, agora, é favorável para o desenvolvimento da ciência e tecnologia localmente”, disse Goldemberg.

Na avaliação do dirigente da FAPESP, uma das áreas que o Brasil apresenta vantagens competitivas em relação a outros países é a de automóveis elétricos.

Isso porque o país tem grande disponibilidade de energia proveniente de hidrelétricas, ao contrário de outras nações onde a energia elétrica é produzida a partir de combustíveis fósseis, comparou.

“Como os combustíveis fósseis estão com prazo de validade limitado, por diversas razões – incluindo o aquecimento global –, não vão ser países que produzem eletricidade a partir do carvão que vão viabilizar os automóveis elétricos. Mas o Brasil pode fazer isso, porque tem energia hidrelétrica”, avaliou Goldemberg.

“Assim, faz sentido trabalhar no desenvolvimento de automóveis elétricos no Brasil, a despeito de eu não achar uma ideia tão brilhante estimular a produção deles como uma alternativa aos automóveis atuais. Mas é um problema com o qual podemos contribuir”, afirmou.

Além dos automóveis elétricos e da agricultura – em que o Brasil se tornou um grande exportador de produtos primários e se tornou o único país tropical a dominar o Cerrado, por meio de grandes esforços de ciência e tecnologia realizados por instituições, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Instituto Agronômico (IAC) e Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP) – há diversas outras áreas em que o Brasil tem vantagens competitivas, estimou Goldemberg.

“Acho que a grande tarefa que temos agora é a de identificar essas áreas em que nós possamos, efetivamente, fazer a diferença, por nossas características próprias e locais. E a FAPESP pretende contribuir para isso”, disse Goldemberg.

Papel da educação

Na avaliação dos participantes do encontro, a educação representa a principal saída para a crise, mas é preciso superar uma série de problemas nesse campo.

Um deles é melhorar o acesso à educação básica no país, apontou Priscila Cruz, diretora do “Todos pela Educação” – um movimento da sociedade civil, fundado em 2006, que tem como missão contribuir para que, até 2022 – ano do bicentenário da Independência do Brasil –, o país assegure a todas as crianças e jovens no país educação básica de qualidade.

“Apesar de ter havido nos últimos anos um movimento pela universalização do ensino básico no país, ainda há cerca de três milhões de crianças e jovens fora da escola no Brasil, que é equivalente a toda a população do Uruguai”, comparou.

Uma vez assegurada a inclusão dessa população de crianças e jovens na escola, é preciso garantir que sejam plenamente alfabetizadas, apontou Cruz.

Segundo ela, mais da metade das crianças com até 8 anos matriculadas no sistema de ensino público brasileiro hoje ainda não foram alfabetizadas.

“Essa população de crianças está fora do jogo, porque dificilmente serão alfabetizadas depois de completar oito anos porque ninguém irá parar para alfabetizá-la nas próximas séries”, apontou.

A porcentagem de alunos que aprende o conteúdo básico em cada série também vem caindo ao longo da trajetória escolar, contou a especialista.

Atualmente, do total de alunos que concluem o ensino médio na idade correta, apenas 9% aprenderam o mínimo necessário em Matemática, ressaltou Cruz.

De acordo com ela, o investimento per capita em estudantes no ensino superior hoje no Brasil é muito maior do que em alunos da educação infantil, enquanto o ideal seria a relação inversa.

“O investimento no desenvolvimento da crianças na faixa etária de 0 a 6 anos – em que a evolução é mais rápida e intensa e dificilmente pode ser recuperada mais para frente – é apontado como um dos melhores caminhos para reduzir as diferenças socioeconômicas em países com grandes desigualdades sociais”, afirmou.

Segundo a consultora de educação Guiomar Namo de Mello, o ensino superior foi privilegiado desde a fundação do país e foi a primeira bandeira fincada no solo educacional brasileiro.

Ao chegar ao Brasil, em 1808, uma das primeiras preocupações da família real brasileira foi criar estruturas que produzissem os quadros técnicos para administrar o Estado em um país onde 80% da população era analfabeta e as únicas pessoas que podiam ensinar a ler e a escrever – os jesuítas – tinham sido expulsas em 1759 por Marquês de Pombal (1699-1782).

“Temos um sistema educacional que começou pelo alto isso e perdura até hoje”, afirmou Mello. “A educação superior ficou restrita, no país, a um grupo muito privilegiado, que tem condições de concorrer ao vestibular, e grande parte da população não chega ao ensino superior porque não fez o ensino básico direito, ou então vai para faculdades e universidades particulares”, apontou.

A fim de reverter esse quadro, é preciso massificar a educação no país, ao mesmo tempo assegurando a qualidade, avaliou Mello.

“A questão de massificar a educação no Brasil é importante porque não podemos mais ter apenas uma elite educada no país. Ou temos um povo educado, que possui os conhecimentos e as habilidades necessárias para viver no século XXI, ou não teremos competitividade, do ponto de vista econômico, e cidadania, do ponto de vista social”, afirmou.

O painel foi mediado por Martin Grossman, diretor do IEA-USP, e também teve a participação do escritor e jornalista Jorge da Cunha Lima.

Agência FAPESP