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Eleger a denominação melhor apropriada para associar ao nome de Victor Hugo não nos parece tarefa banal. Entre poeta, romancista, dramaturgo, crítico, teórico, historiador, homem político, artista, Hugo completa 210 anos em 2012 reunindo uma obra literária e pictórica, embates políticos e reflexões que revelam, ainda hoje, vitalidade surpreendente. Hugo atravessou o romantismo e o realismo do século XIX, ingressou na modernidade e permanece instigante na pós-modernidade ou hipermodernidade.
Autor de uma obra monumental de dezenas de milhares de páginas, Victor Hugo se consagrou a diferentes gêneros literários, ciências, artes e atividades políticas. Ao longo do século XIX, Hugo produziu intelectualmente durante 70 anos, de forma ininterrupta e espetacular. Viveu sobretudo sob a ordem do literário, mas produziu, de forma menos popular, mas altamente valorizada, sob a ordem das artes plásticas. Sua vasta obra pictórica, marcada mais pela natureza do que pela cultura, compreende para além de 3.500 desenhos.

Homem de um século e de uma nação que testemunhou o império, a monarquia e a república, e que vivenciou tensas insurreições sociais, Hugo passou de um lado a outro do sistema ideológico de sua época, assim como encarnou diferentes papéis na vida política, sendo ativista, exilado, deputado e senador. Exilado de fato por Louis Bonaparte, contra quem se rebelara diante do golpe de estado, Hugo se torna exilado por opção ao receber a anistia sete anos depois, autoexilando-se por mais doze anos na ilha anglo-normanda de Guernesey. O poeta retornará à França apenas mediante o retorno da liberdade e a queda de Napoleão III.   

Ao longo de sua trajetória política, Hugo abraçou causas distintas, mas, sobretudo humanitárias, como a luta contra a miséria, a abolição da escravidão e da pena de morte, a liberdade no ensino (a laicidade), a emancipação e os direitos da mulher, a formação dos Estados Unidos da Europa. A defesa de suas causas ultrapassou o território francês, fazendo de Hugo um interlocutor mundial durante o século XIX, unindo-se a embates sociopolíticos em outros países da Europa, em Cuba, no México, nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil. Com a sociedade brasileira, Hugo estabeleceu estreitas relações, configurando-se como correspondente de alguns dos nossos abolicionistas, como José do Patrocínio, ou recebendo visitas da parte de Dom Pedro II, seu grande admirador e leitor.

No século XIX, os franceses redescobriram o Brasil após as tentativas de aqui se instalarem nos séculos XVI e XVII, no Rio de Janeiro (França Antártica, 1555) e no Maranhão (França Equinocial, 1594, 1610). A influência da cultura francesa no Brasil se inicia com a vinda da missão artística no início do século XIX, a pedido de Dom João VI, à qual seguirá uma vaga de imigrantes qualificados em diferentes domínios, que muito contribuem para o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro. Em pouco tempo a literatura francesa se caracteriza como a mais consumida pelas classes letradas no país.

Por sua vez, Hugo vai rapidamente se confirmar como a principal presença literária estrangeira no século XIX brasileiro. Muitos de seus textos tornaram-se familiares entre nós quase ao mesmo tempo em que na França. Alguns deles eram citados em tribunas, na imprensa e nos discursos políticos por todo o país. A admiração nutrida por Hugo em território nacional não era atribuída apenas ao escritor romântico, mas, sobretudo ao autor político, que fez de sua obra um retrato dos acontecimentos e das inquietações do homem no século XIX.

A figura de Hugo constituiu-se em referência e fonte de inspiração para a intelectualidade brasileira da época; lido, admirado, citado, imitado, adaptado e traduzido em todos os gêneros de sua obra literária, nos domínios do conhecimento aos quais se dedicou (a história, a política, a filosofia) e nas artes (as artes plásticas, a arquitetura, a música). De Gonçalves Dias, Euclides da Cunha e Machado de Assis a Carlos Gomes e Gama Malcher, Hugo imprimiu influências marcantes em nossa literatura e na sociedade brasileira oitocentista.

Neste ano, comemoramos os 210 anos de Victor Hugo e a UnB discutirá não só o seu legado literário e artístico, mas sua atuação em outros domínios do conhecimento e no próprio desenvolvimento da sociedade, assim como seus embates em torno do problema da miséria, da sujeição feminina ou da colonização. Durante os trabalhos desenvolvidos, pretende-se elucidar não só o vigor e o impacto da obra hugoana, mas como Hugo, verdadeiro mediador cultural, permanece atuante na contemporaneidade.

Através dos diferentes diálogos hugoanos, serão abordadas as intersecções com o cinema, a pintura, a música, os quadrinhos ou a televisão; a interlocução com teóricos como Lukács, Derrida, Bakhtin e Lacan; o impacto e a comunicação com as literaturas de língua portuguesa; alguns dos temas mais caros ao poeta como a monstruosidade, o riso, a natureza ou a fatalidade; e evocaremos a poesia hugoana e seus problemas de tradução. Na ocasião, homenagearemos também os 150 anos do romance Os Miseráveis, ícone da literatura oitocentista e espécie de epopeia do homem em abismo.

Hugo utiliza em sua obra a metáfora de homem oceano para designar tudo o que faz fluxo e refluxo do pensamento humano num espírito inovador e visionário. Refere-se àqueles que carregam no espírito o infinito e o insondável; aí esse espírito passa a ser denominado gênio, como é o caso de Ésquilo, Isaías, Juvenal, Dante, Michelângelo, Shakespeare. Segundo Hugo, contemplar essas almas seria como contemplar o oceano. E é essa metáfora de homem-oceano que nos parece se adequar melhor à figura de Hugo, cuja obra se caracteriza pela amplitude, o polimorfismo e a permanência; à dimensão do próprio oceano.

Júnia Regina de Faria Barreto
UNB Online