Composto por desenhos, fotografias, documentos textuais, publicações e obras de arte erudita e popular, o acervo está abrigado em um imóvel tombado, localizado em São Paulo e conhecido como a Casa de Vidro, que serviu de residência do casal e foi doado em 1995 por Pietro para o instituto para ser sua sede.
Até 1999, quando Pietro faleceu, o acesso ao acervo, que abrange diferentes áreas nas quais o casal atuou ao longo de sua trajetória entre a Itália e o Brasil, era bastante restrito. Mas, apesar de bem guardados, não havia uma catalogação completa dos 7 mil desenhos, 15 mil fotografias e cerca de 6 a 7 mil documentos escritos, além da biblioteca e obras de arte que constituem o acervo.
A partir de 2007, o Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, fundado em 1990 para divulgar e promover a cultura e as artes brasileiras no Brasil e no exterior, iniciou com pessoal próprio um projeto de identificação e catalogação de todo o acervo.
Nos últimos dois anos, começou um projeto de registro digital (fotografia) dos desenhos e aquisição de mobiliários, como arquivos deslizantes, para melhorar as condições de consulta e preservação dos documentos.
Agora, por meio do projeto apoiado pela FAPESP, o processo de catalogação e digitalização do acervo toma novo fôlego. Estão sendo adquiridos mobiliários, como novos arquivos deslizantes, mesas e cadeiras, para criação de estações de consulta mais adequadas e próximas dos espaços onde os documentos estão guardados, e teve início a montagem de um banco de dados que permitirá aos pesquisadores o acesso pela internet aos principais dados do acervo, incluindo a parte gráfica.
“Estamos fazendo uma melhoria da infraestrutura de conservação e disponibilização do acervo, porque faltavam condições para atender a enorme demanda de acesso de pesquisadores de São Paulo, de outros estados e, principalmente, do exterior”, disse o coordenador do projeto, Renato Luiz Sobral Anelli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, à Agência FAPESP.
De acordo com Anelli, no Brasil há uma quantidade crescente de pesquisas sobre a obra de Lina e Pietro Bardi, muitas das quais em andamento, realizadas nas principais universidades públicas paulistas e de outros estados brasileiros, além de instituições de ensino superior privadas e centros de pesquisa da área de arquitetura e urbanismo.
No exterior, também são realizadas exposições constantes sobre a obra de Lina. As mais recentes foram no Japão, Inglaterra, Itália e Espanha, além de suas salas especiais nas bienais internacionais de arquitetura de Veneza em 2010 e 2004 e outras participações em exposições de menor porte.
Um interesse internacional que, na avaliação de Anelli, se deve ao fato de que a obra da arquiteta italiana, naturalizada brasileira, é vista hoje como um exemplo de modernização cultural apoiada na incorporação de diversas tradições populares, como a africana, a indígena e a portuguesa, na arquitetura e no design contemporâneos.
“No momento em que o mundo se preocupa com a questão da multiculturalidade, a obra da Lina aparece nos âmbitos da arquitetura e do design como um caminho possível para os impasses da convivência entre culturas diversas. E isso tem levado a muita procura de pesquisadores e até mesmo de curadores para conhecer e divulgar o acervo”, afirmou.
Exemplo de multiculturalismo
Alguns dos itens mais impactantes do acervo, segundo Anelli, são os desenhos de concepção de Lina, que são muito peculiares pela qualidade artística e por expressar uma forma de concepção de projeto muito rara para o cenário brasileiro.
Entre os textos há muito inéditos, principalmente correspondências, com os quais é possível mapear melhor quais as redes de interlocução que a arquiteta e seu marido estabeleciam com outros arquitetos e intelectuais.
Supostamente ligada ao movimento neorrealista na Itália, onde iniciou uma pesquisa sobre arte popular italiana, quando desembarcou com Pietro no Brasil, em 1946, Lina deparou durante sua estada no Nordeste com a cultura afro-brasileira.
Por sua vez, Pietro viu no Brasil a possibilidade de constituição de um museu de arte moderna que atuasse, ao mesmo tempo, como um centro de renovação cultural brasileira, no momento em que o país passava por um processo de industrialização intensa.
Para isso, associado à criação do Masp – do qual Pietro foi fundador e diretor até a década de 1990 e Lina a autora do projeto arquitetônico e museográfico – o casal também fundou um instituto de arte contemporânea, que ofereceu o primeiro curso de desenho industrial no Brasil, além de outros sobre artes, cinema e propaganda e marketing.
“Eles souberam reconhecer que o momento político, econômico e social do país era oportuno e elaboraram um projeto cultural que foi muito bem- sucedido em vários aspectos”, disse Anelli.
Além de participar de todo esse projeto, Lina também viu no Brasil a possibilidade de entrar em contato direto com as manifestações populares brasileiras, as quais incorporou na concepção de objetos de design, móveis, exposições e cenografias, e nos projetos que desenvolveu em Salvador, na Bahia, no começo dos anos 1960 e na década de 1980, e em São Paulo.
Entre esses projetos estão o restauro e a recuperação do Solar do Unhão e do Pelourinho, em Salvador, e os projetos do Sesc Pompeia e do Masp, em São Paulo, que são os mais conhecidos do público em geral.
“Com a disponibilização on-line do acervo dos Bardi, será possível promover mais a obra deles. A seleção e escolha de materiais para exposições e publicações, que são realizadas em várias línguas, será mais agilizada”, disse Anelli.
Agência FAPESP