Um exemplo disso é o detalhado catálogo com cerca de 1.750 moedas cunhadas pelos antigos gregos e romanos – ou nações sob sua influência à época – desenvolvido pela especialista em epigrafia e arqueologia greco-romana Maricí Martins Magalhães, com apoio da FAPERJ. Trata-se da única Sylloge Nummorum Graecorum (SNG) de toda a América do Sul – expressão em latim que quer dizer “coletânea ou coleção de moedas gregas” –, série internacional que tem como objetivo servir de fonte de pesquisa para estudiosos no Brasil e no exterior. Hoje, pouco mais de 50 coleções de museus de todo o mundo integram a SNG, cuja publicação é feita sob autorização do Conselho Internacional de Numismática.
O catálogo, desenvolvido entre 2006 e 2010 no Museu de História Nacional (MHN), contou com duas bolsas da FAPERJ: Apoio ao Pesquisador Visitante (APV, 2006-2008) e Apoio à Infraestrutura de Acervos (APQ4, 2008-2010), e deverá ser publicado pelo MHN em maio deste ano. O material reúne moedas de regiões em três continentes, que entre os séculos VI a.C e III d.C estavam diretamente sob a influência grega ou sob o domínio romano: Europa, Ásia Menor e Central, e norte da África. “Na antiguidade, moedas de ouro, prata e bronze começaram a ser usadas no lugar de objetos de escambo. Essas pequenas chapas de metal tinham diferentes padrões e se difundiram desde a costa atlântica européia até o noroeste da Índia”, explica Maricí.
Divulgação: Sociedade Numismática Brasileira
Ninfa com touca nos cabelos (E) e coruja foram gravadas nas moedas cunhadas entre os anos 465 e 440 a.C
Num de seus artigos publicado no boletim da Sociedade Numismática Brasileira (formato PDF) sobre a colônia grega de Elea, na Magna Grécia, a pesquisadora destaca, por exemplo, as informações históricas contidas nas moedas, como naquelas cunhadas entre 465 a 440 a.C. Nessa época, foram fundidas as primeiras moedas com os tipos Ninfa e Coruja em suas duas faces, e onde a Ninfa aparece com touca nos cabelos. “A data aproximada anterior ao surgimento desse período é a derrota dos etruscos por Hieron I de Siracusa, em 474 a.C, o que deve ter dado início a um período de prosperidade e maior expansão para Elea e outras cidades gregas“, exemplifica a pesquisadora. “Esta maneira de representar divindades femininas, no início do século V a.C., caracterizou as moedas das cidades da Magna Grécia e da Sicília”, acrescenta. Ela explica ainda que a coruja, por sua vez, funciona como um pré-anúncio da oficialidade que o culto da deusa Athena assumiria a partir do início do século V a.C.
Segundo Marici, o apoio da FAPERJ foi decisivo para o desenvolvimento da pesquisa no Departamento de Numismática do museu. O trabalho, extremamente minucioso, constou da análise detalhada de cada uma das 1,9 mil peças classificadas como “gregas”. “Durante a pesquisa, encontramos erros de catalogação, moedas falsas e outras um tanto desgastadas para serem fotografadas para o catálogo. Assim, o número final caiu para 1.750 peças”, explica. Ela chama a atenção para algumas relíquias encontradas. “Entre elas, estão uma moeda da Ásia Menor cunhada no final do século VII a.C; as esplêndidas coleções da península itálica, da Sicília e da Grécia; moedas provinciais romanas com o perfil de Antínoo, favorito do imperador Adriano, do século II d.C.; e exemplares de Alexandria, da época do imperador Augusto até Diocleciano, no século III d.C”, enumera. “No entanto, todas elas, sem exceção, tem, separadamente, inestimável valor histórico e artístico.”
Arquivo Pessoal
Maricí Magalhães: produziu o primeiro SNG da América Latina
Para cada moeda, foi elaborada uma ficha técnica contendo dados, como diâmetro mínimo e máximo, peso, denominação e metal utilizado, descrição detalhada do anverso e reverso, e da legenda em latim, grego ou celtibérico, entre outros, datação atualizada e ampla bibliografia utilizada. “Quando necessário, ao final de cada ficha foram incluídas observações sobre os problemas encontrados, as soluções e opiniões fornecidas por alguns dos maiores estudiosos do assunto para justificá-los, principalmente aqueles relacionados às datas”, lembra a pesquisadora.
Maricí Magalhães também contou com a preciosa colaboração do numismata Luiz Aranha Correa Lago, professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e também curador da exposição permanente de moedas do MHN, que revisou todo o material apresentado no catálogo e auxiliou com o empréstimo de obras não existentes no Brasil para consulta. Lago observa que as figuras impressas na superfície das moedas mostram as características socioeconômicas daquelas civilizações, em representações bem realistas. Pelas moedas, é possível observar como as pessoas da época se vestiam e como eram seus penteados. “Os romanos não usavam barba até a época do imperados Adriano, no século II d.C. Depois dele, todos os imperadores passaram a ter barba”, destaca.
O catálogo tem apresentação da diretora do MHN, Vera Lúcia Bottrel Tostes, e prefácio de Lago, contando a história da produção de moedas em todo o período compreendido na obra. Nas páginas que antecedem o catálogo propriamente dito, a autora também fala sobre a história da coleção e a metodologia empregada na pesquisa, oferecendo ainda ampla bibliografia. Ao todo, há 3.500 ilustrações relativas ao anverso e ao reverso de cada moeda.
É. Da próxima vez que receber uma moedinha, pense duas vezes antes de reclamar. No futuro, esse pequeno pedaço de metal pode servir para contar um pouco de história...
Assessoria de Comunicação FAPERJ