O resultado foi o livro Um bestiário arcaico – Fábulas e imagens de animais na poesia de Arquíloco, lançado com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicação. A obra desvenda a conotação do caráter dos animais – bastante diferentes para os gregos antigos – nos fragmentos de Arquíloco, comentando não apenas os poemas, mas também as fontes e os processos de transmissão dos textos ao longo dos séculos.
Corrêa já havia lançado, em 2009, o livro Armas e Varões – A Guerra na Poesia de Arquíloco, que se dedicava ao comentário da obra de Arquíloco sob o ponto de vista da guerra – outra temática recorrente em seus poemas. A autora dedica suas pesquisas ao poeta de Paros desde o doutorado, concluído em 1995 na USP. Em 2001, fez também pós-doutorado sobre o tema na Universidade de Oxford (Inglaterra), com Bolsa da FAPESP.
“Embora seja um poeta fundamental da literatura grega, não há um comentário exaustivo de seus poemas. Por isso, resolvi comentá-los a partir de enfoques temáticos. Vários de seus poemas narram fábulas e há um grande grupo deles em que aparecem imagens ou metáforas de animais, geralmente utilizados em poemas eróticos”, disse à Agência FAPESP.
Segundo ela, depois de Homero e Hesíodo – que viveram no século 8 a.C –, Arquíloco é o primeiro poeta grego. “Ele é o primeiro autor da chamada lírica grega, considerando-se a classificação moderna que divide a literatura entre teatro, poesia épica e poesia lírica. Apesar disso, seus gêneros característicos eram o jambo e a elegia”, afirmou.
Os antigos colocavam Arquíloco no mesmo patamar de Homero, mas hoje o poeta de Paros é bem menos conhecido do que o autor de Ilíada e Odisseia.
“Sobrou muito pouco da obra de Arquíloco, cerca de 300 fragmentos. Provavelmente isso ocorreu porque os versos em jambos, além da conotação erótica, têm uma moralidade que mais tarde poderia ser chocante para os cristãos”, indicou.
Além da possível rejeição da Igreja, segundo Corrêa, na própria antiguidade os poemas de Arquíloco podem ter sido mal interpretados, já que o jambo é um gênero que tem afinidade com a comédia, em sua forma de zombar da sociedade e abordar temas como sexo.
“O ‘eu lírico’ presente em um poema em primeira pessoa é um personagem criado pelo autor. Mas, eventualmente, poderia ser lido como se fosse um dado autobiográfico. Então, muitos podiam pensar que o próprio poeta fazia as coisas descritas, que podiam ser consideradas indignas”, disse.
Segundo Corrêa, a obra se divide em duas partes. Na primeira, dedicada às fábulas, a autora fez uma análise de cada um dos poemas, a partir de um ponto de vista filológico. A segunda parte consiste em um levantamento do caráter dos animais desde a Antiguidade.
“São fragmentos que nos chegaram, em alguns casos, por transmissão direta – por meio de papiros do segundo século a.C. – ou, nos casos mais frequentes, por transmissão indireta, por meio de comentários e outras obras que nos chegaram pela tradução manuscrita ao longo da Idade Média”, explicou.
Para cada um dos poemas, a autora fez um levantamento das edições de origem e apresenta comentários. Nem todos os versos estão completos. “Ao estudar os poemas, percebi que a conotação ética – o ethos, ou seja, o caráter – dos animais era em alguns casos fundamental para a compreensão do próprio poema. A raposa, por exemplo, aparecia com uma conotação muito diferente da nossa, que remete a uma esperteza maldosa, pejorativa”, disse.
Um bestiário arcaico – Fábulas e imagens de animais na poesia de Arquíloco
Organizadora: Paula da Cunha Corrêa
Lançamento: 2011
Preço: R$ 56
Páginas: 528
Mais informações: www.editora.unicamp.br/um-bestiario-arcaico.html
Agência FAPESP