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benki-piankoA textura da mão de Benki Pianko revela que a terra é parte de sua trajetória. O xamã do povo Ashaninka – na fronteira entre Brasil e Peru, a aproximadamente 800 quilômetros de Rio Branco (AC) – nasceu, cresceu e deseja passar o resto da vida em contato com a natureza. A fauna e a flora são seu laboratório. Na comunidade de 500 habitantes, 100% auto-suficiente, o homem de 36 anos e pai de oito filhos é uma das lideranças que usa os saberes seculares de seus ancestrais e a espiritualidade para fazer ciência.
Convidado para o Seminário Internacional Encontro de Saberes, que ocorre entre os dias 13 e 15 de julho, no auditório Dois Candangos da Universidade de Brasília, o indígena está na capital para trocar experiências. Pianko será professor em uma disciplina do Departamento de Antropologia, que será criada no segundo semestre de 2010 - leia aqui.

“Podemos ajudar a desenvolver um novo olhar sobre o mundo. Um caminho que começa pelo respeito e o conhecimento das diferentes formas de saber”, afirma o líder do Centro de Saberes da Floresta (Yorenka Ãtame). Sobre o que levar do costume dos brancos para a aldeia, o homem de rosto pintado e fala segura mostra-se cauteloso. “Levaria umas boas ferramentas - como o machado - que são difíceis de fazer na floresta”. Em entrevista exclusiva à UnB Agência, o xamã que defende o cuidado na interação entre indígenas e brancos falou sobre a sua participação no seminário e da saudade que sente da aldeia durante os 10 dias de estadia na cidade símbolo da modernidade.

UnB Agência: O que a ciência tradicional dos Ashaninka tem a acrescentar ao conhecimento acadêmico e vice-versa?       
Benki Pianko:
Há séculos vivemos do que plantamos, colhemos e caçamos na nossa terra. Conhecemos bem como fazer o manejo do solo, da fauna, da piscicultura. Os saberes repassados de geração em geração nos deram conhecimento para o reflorestamento de áreas degradadas e a criação de espécies para o repovoamento de rios e matas e para a alimentação. A floresta também guarda nossa medicina. Temos ervas que curam tuberculose, câncer, apesar de já precisarmos de remédios industrializados por conta de doenças introduzidas pelos brancos (no fim da década de 1970 houve uma alta taxa de mortalidade na região por causa do Sarampo). Apesar de tudo, acredito que nossa principal missão é mostrar a necessidade de respeito às diferentes formas de saber, ainda desconhecidas fora das aldeias. Ainda hoje há discriminação contra índios e caboclos. Em um país tão rico e diverso como o Brasil, a população não pode fechar os olhos para todas as formas de conhecimento e aprender na academia apenas o que vem da Europa e dos Estados Unidos. Daqui, levaria umas boas ferramentas - como o machado - que são difíceis de fazer na floresta.

UnB Agência: É possível a interação entre brancos e índios sem a ameaça dos costumes tradicionais?
Benki Pianko:
Acredito que sim. Mas esse encontro deve ser cauteloso. Sabemos que se abrirmos nossa comunidade para as ações de fora seremos destruídos. Por outro lado, temos a consciência de que a melhor forma de promover essa interação é conhecer o que se passa ao redor da aldeia para filtrar o que chega ao nosso povo. Hoje sofremos pressões de todos os lados. De madeireiros, fazendeiros, caçadores e muitas pessoas de má-fé que perseguem e matam nosso povo como se fossemos animais. A vida em grupo, o sentimento de coletividade é o nosso maior bem. Já tivemos experiências de pessoas que saíram da aldeia para estudar na cidade com o compromisso de voltar. Mas a maioria adquiriu valores ligados à individualidade e à competição, como o de conseguir um emprego e acumular riquezas, e não voltaram. Nossa riqueza é outra. Está na educação de nossos filhos, no alimento que tiramos da terra. Por outro lado, hoje temos um sistema de energia solar e um ponto de internet (vindos de programas do governo federal) que facilitam muito nossa comunicação com o mundo de fora. A questão é como fazer.

UnB Agência: Como está sendo sua passagem por Brasília?
Benki Pianko:
Já tinha vindo outras vezes representando meu povo. Essa cidade é muito diferente, não temos a liberdade que temos na floresta. A gente fica meio perdido quando sai na rua, sem saber para onde ir, com quem conversar. Passar 10 dias aqui dá uma saudade grande da aldeia. Lá nós temos tudo que precisamos: batata, arroz, frutas, criação de quelônios. Na escola nossas crianças aprendem o aruak (língua local) e só tem contato com o português na 5ª série. No trabalho espiritual, sonhos e visões nos ajudam a direcionar nossas ações. Ali desenvolvemos nossa ciência, que não está na academia. A natureza é a nossa riqueza. Minha vida e a vida de meu povo estão ali e não troco aquele lugar por nenhum outro.

UnB Agência