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Em São Paulo, é mais fácil encontrar jararacas (Bothrops jararaca) “gigantes” no pequeno fragmento de Mata Atlântica existente no Parque do Estado do que em uma área bem maior, como no Parque Estadual da Cantareira, apesar de haver mais alimento disponível para elas nessa última área. Um novo estudo indica que a explicação para essa diferença está na quantidade de predadores existentes no hábitat e não na disponibilidade de alimento, como se pensava no início do trabalho.
Os resultados foram descritos no Journal of Herpetology, em artigo originado do trabalho de mestrado de Lucas Henrique Carvalho Siqueira no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José do Rio Preto. O estudo teve bolsa da FAPESP e orientação do pesquisador do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, Otavio Augusto Vuolo Marques.

Foram comparadas serpentes do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga – conhecido popularmente como Parque do Estado e que fica na Zona Sul de São Paulo, onde estão os jardins Zoológico e Botânico – com as do Parque Estadual da Cantareira, situado na Zona Norte e cujo clima e vegetação são semelhantes ao primeiro, mas não é isolado como o Parque do Estado, que tem área 16 vezes menor.

Essas jararacas são chamadas de “gigantes” por serem bem maiores do que a média. Porém, isso não significa que haja um gigantismo nessa população. O que ocorre é que existe uma maior abundância de espécimes muito grandes (em torno de 1,5 metro de comprimento) no Parque de Estado.

O tamanho dessas jararacas coletadas no parque foi o que chamou a atenção de Marques. “Recebemos muitas jararacas no Butantan e algumas apresentavam tamanho acima da média. Quando checávamos a procedência, constatávamos que vinham do Parque do Estado”, disse.

Estudos anteriores mostraram que serpentes de grande porte, em geral, são encontradas em ilhas. Segundo Marques, o isolamento de populações oferece bons exemplos de divergências morfológicas.

“O Parque do Estado não tem conexão com outras áreas de mata. É como uma ilha, só que em vez de rodeada de água, está isolada pela cidade”, disse Marques à Agência FAPESP. Trata-se de uma unidade de conservação de 540 hectares, coberta por um remanescente da Mata Atlântica.

“Resolvemos verificar se essas serpentes estavam ficando maiores do que outras populações e estudar algumas variáveis que seriam respostas para explicar essa diferença de tamanho: a oferta de recurso alimentar e a presença de predadores”, disse.

Para entender o fenômeno, Siqueira utilizou dados morfológicos sobre jararacas existentes em pesquisas publicadas, em serpentes preservadas na coleção do Instituto Butantan que eram provenientes desses dois lugares e foi a campo para coletar dados originais.

“Também colocamos armadilhas para analisar a disponibilidade de recurso alimentar nas duas áreas. As jararacas adultas se alimentam de pequenos roedores”, disse Siqueira.

Os autores do estudo se basearam em duas hipóteses. A primeira era de que as jararacas do Parque do Estado eram maiores porque lá provavelmente haveria maior oferta de recurso alimentar. Em estudos feitos por pesquisadores do Instituto Butantan em Alcatrazes, litoral norte de São Paulo, constatou-se que as jararacas que habitam o continente e se alimentam de roedores são maiores do que as presentes na ilha, que não têm este tipo de presa.

Em Alcatrazes, as jararacas se alimentam de pequenos sapos, lagartos e lacraias, animais de baixo valor calórico. São chamadas de anãs, por atingirem no máximo meio metro.

“Relacionamos o tamanho pequeno com uma alimentação calórica restrita, então, no caso do estudo em São Paulo, era natural pensar em uma grande oferta de recurso alimentar e fazia sentido pensar nos ratos urbanos, já que o Parque do Estado está em uma área urbana alterada”, disse Marques.

Segundo Siqueira, porém, não houve diferença na média do tamanho entre as duas populações de jararacas presentes em ambos os parques. “Mas observamos uma proporção maior de fêmeas gigantes no Parque do Estado em comparação com o Parque da Cantareira”, disse. As jararacas fêmeas alcançam porte maior do que os machos.

O biólogo montou armadilhas para capturar algumas das presas. “Também surpreendeu a disponibilidade de alimento, que não era maior do que na Cantareira. Capturamos menos ratinhos no Parque do Estado e não confirmamos a presença de ratos urbanos, só de ratos silvestres durante o tempo do estudo”, disse Siqueira.

Ataques em massa

Diante da inesperada constatação de que não era a disponibilidade maior de alimento que explicava ser mais frequente a presença de jararacas “gigantes” no Parque do Estado do que no Parque da Cantareira, restou investigar a segunda hipótese, relacionada à presença de predadores. “No Parque do Estado, registramos menos da metade de ataques em comparação aos observados na Cantareira”, disse Siqueira.

Esse foi outro desafio do estudo: como observar e ter indicador sobre os ataques de predadores. Isso foi resolvido com o uso de modelos feitos em massa de modelar, como as usadas por crianças para brincar. Com essa estratégia, Siqueira pôde verificar quais são os predadores e a frequência de ataques que as cobras sofrem em ambos os parques.

“Confeccionamos 1.440 réplicas de indivíduos adultos de jararaca, usando uma cor parecida com a da cobra e evitando qualquer tipo de mancha para não haver nenhum viés nos resultados”, disse.

Em cada um dos parques foram usadas 720 réplicas – 60 utilizadas mensalmente –, que ficaram por dois dias em cada localidade. As marcas dos ataques dos predadores ficaram impressas na massa de modelar.

“Saber o número absoluto de predadores de jararaca existentes iria requerer uma câmera em cada uma das réplicas, o que não era viável. Mas conseguimos quantificar a frequência de ataque e dizer se o predador era ave ou mamífero”, disse.

No Parque da Cantareira, aproximadamente 12% das massinhas foram atacadas, um valor alto se comparado com trabalhos relacionados a serpentes feitos anteriormente. No Parque do Estado, cerca de 5% dos modelos foram atacados. “Registramos mais do que o dobro de ataques na Cantareira”, disse Siqueira à Agência FAPESP.

Mas qual a relação entre ter menos predadores e o tamanho das cobras? Segundo Marques, as serpentes crescem a vida toda, apesar de a taxa de crescimento ser muito baixa nos indivíduos mais velhos.

“Para que possam crescer muito, precisam ter uma longevidade grande, viver muito tempo. Como há menos ataques de predadores no Parque do Estado do que no Cantareira, então temos uma explicação plausível para a existência mais frequente de serpentes gigantes por lá. A atenuação da predação permite que elas cresçam”, disse Marques.

Segundo o pesquisador, o estudo é mais uma contribuição na busca pela preservação de fragmentos florestais como o do Parque do Estado. “Estudos como esse possibilitam entender melhor a dinâmica desses fragmentos florestais, o que pode auxiliar – por exemplo – em ações de manejo para sua conservação”, afirma.

Como consequência do mestrado, Siqueira agora está estudando no doutorado métodos e formas para estimar a idade de jararacas e cascavéis. O procedimento comum é fazer cortes nos ossos da cobra, onde existem marcas de crescimento, à semelhança do que ocorre com os anéis dos troncos das árvores.

“Temos uma população senil de jararacas e precisamos saber suas idades, conhecer melhor as taxas de crescimento”, concluem os autores do estudo.

O artigo Effects of Urbanization on Bothrops jararaca Populations in São Paulo Municipality, Southeastern Brazil (doi: https://doi.org/10.1670/17-021), de Lucas Henrique Carvalho Siqueira e Otavio Augusto Vuolo Marques, pode ser lido por assinantes do Journal of Herpetology em www.bioone.org/doi/full/10.1670/17-021.

Agência FAPESP