por meio de metodologias que identificam regiões do genoma que tenham sofrido modificações devido à seleção dos animais, as quais são identificadas como assinaturas de seleção.
“Encontramos seis regiões genômicas onde estão genes associados ao ganho de peso na raça nelore, sendo que algumas delas não estavam relatadas na literatura científica, mesmo para outras raças de corte”, disse Diercles Cardoso, pós-doutorando na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal (SP), com bolsa da FAPESP.
“Quatro dessas regiões, que são classificadas como assinaturas de seleção, estão no cromossomo 14, que já se sabia abrigar os genes para crescimento no genoma bovino. Porém, identificamos outras duas assinaturas no cromossomo 16, algo de certa forma inesperado. É possível que genes dessas duas regiões sejam especificamente relacionados a características de crescimento no gado nelore e, por isso, tenham imenso potencial para melhoria da raça com vistas a ganho de peso”, disse.
Cardoso é o primeiro autor do artigo publicado na revista Genetics Selection Evolution. O artigo é resultado de seu doutorado, com orientação do professor Humberto Tonhati. Além dos dois, participaram do trabalho a professora Lucia Galvão de Albuquerque, da FCAV, e pesquisadores da Universidade de Göttingen, na Alemanha, e da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) – Instituto de Zootecnia.
A identificação dos genes teve início com a coleta de amostras de sangue em animais de três linhas de seleção nelore mantidas no rebanho experimental do Centro de Bovinos de Corte de Sertãozinho, da APTA. São linhas criadas em 1980 com vistas a demonstrar aos produtores como fazer seleção em gado de corte e avaliar o impacto da seleção para crescimento sobre a produtividade geral do rebanho. Há a linha controle, em que a seleção para aumento no peso não é realizada, e as linhas seleção e tradicional, onde os touros de melhor desempenho em provas de ganho de peso são anualmente utilizados para reprodução.
Todos os anos, entre três e oito dos melhores touros são utilizados para reprodução nas linhas selecionadas para maior peso (seleção e tradicional). Os animais do atual rebanho experimental são resultado de oito gerações selecionadas para ganho de peso. Quando se comparam animais com a mesma idade, aqueles da linha de seleção são bem maiores que os da linha controle.
Cardoso utilizou amostras de sangue de 782 animais nascidos entre 2004 e 2012, sendo 92 da linha controle, 192 da linha seleção e 498 animais da linha tradicional. Seguiu-se o trabalho de bancada com a extração do DNA de cada uma das amostras e genotipagem com chips de SNP (sigla em inglês para “polimorfismos de nucleotídeo único”)
A genotipagem é o processo para identificar a composição genética (genótipo) de cada indivíduo, examinando sua sequência de DNA. Os SNPs (pronuncia-se “snips”) são um dos tipos mais comuns de marcadores de variação genética. No caso do genoma bovino, Cardoso usou um chip capaz de identificar, aproximadamente, 777 mil marcadores de SNP em amostras de DNA bovino.
Ao investigar o DNA de todos os animais amostrados com chip de SNP, foram comparados os genótipos dos animais da linha controle com os animais das outras duas linhas, usando três métodos independentes. No primeiro, foram identificadas 48 regiões no genoma com indício de estarem ligadas às funções de ganho de peso dos animais.
O segundo e terceiro método identificaram apenas sete e 17 regiões. Ao confrontar os três resultados, Cardoso chegou às seis regiões que constavam de pelo menos dois dos métodos. São seis assinaturas de seleção que estariam ligadas ao peso dos animais.
Cardoso planeja agora estudar as funções dos genes dessas regiões, em busca de evidências de que estão de fato associadas ao crescimento em nelore.
Banco de dados genômico
O estudo foi desenvolvido no âmbito do Projeto Temático “Ferramentas genômicas no melhoramento genético de características de importância econômica direta em bovinos da raça Nelore”, coordenado por Lucia Galvão de Albuquerque.
“Até a década de 1990, haviam poucos marcadores conhecidos e o custo de identificação dos mesmos era proibitivo. Mas, a partir de meados dos anos 2000, foi identificado um grande número de marcadores ao longo do genoma bovino, publicado em 2009”, disse a professora da Unesp.
No Brasil, até a década de 1990, não havia banco de dados genômicos de bovinos de corte e pouca ênfase era dada ao melhoramento das características da qualidade de carne, devido ao seu alto custo e dificuldade de mensuração.
Com a genômica, ficou mais fácil a seleção para características que não são rotineiramente medidas nos programas de melhoramento, como, por exemplo, as de difícil mensuração. Segundo Albuquerque, “com o projeto temático criou-se um banco de dados com animais genotipados e com informações sobre características de qualidade de carne”.
“Por mais qualidade, queremos dizer um gado de corte com carne mais macia, com maior marmorização”, disse. Chama-se marmorização ao acúmulo de gordura entre as fibras musculares, que torna a carne mais saborosa.
“A carne bovina brasileira é muito magra. Isso ocorre tanto pelo fato de o gado de corte ser majoritariamente criado livre no pasto (e não em confinamento) quanto por nelore ser uma raça até então não selecionada para qualidade de carne. Era preciso trabalhar essas características”, disse Albuquerque.
O Projeto Temático investiu, entre 2011 e o início de 2017, em estudos que pudessem auxiliar na melhoria da qualidade da carne e a elevar a eficiência alimentar do plantel de nelore, ou seja, a capacidade de converter o alimento ingerido em ganho de massa.
“A ideia é obter um animal que coma menos e ganhe peso mais rapidamente, com carne de qualidade. Ao final do projeto, conseguimos genotipar mais de 8 mil animais, medidos para diversas características de importância econômica, como eficiência alimentar e reprodutiva, além de qualidade de carne”, disse Albuquerque.
Taurina e zebuína
A melhoria das características do gado por meio da seleção artificial vem sendo feita praticamente desde que o gado (Bos primigenius) foi domesticado na Eurásia há 10 mil anos, o que resultou nas dezenas de raças atuais.
Mas foi apenas no século 20 que a seleção artificial passou ao domínio dos laboratórios de veterinária ou de zootecnia nas universidades e centros de pesquisa. Em anos mais recentes, as ferramentas de biologia molecular se tornaram parte essencial das técnicas de melhoramento das características dos bovinos.
O objetivo é conhecer o genoma bovino para poder manipular seus genes e obter indivíduos com maior resistência a doenças, melhor adaptação a diferentes climas, vacas que produzam mais leite ou bezerros com maior potencial de ganho de peso, em menos tempo e com menos consumo de alimento.
O genoma bovino foi inteiramente sequenciado e mapeado, com os resultados publicados em 2009. O DNA bovino é composto por 30 pares de cromossomos, que reúnem 3 bilhões de bases (para termos de comparação, o genoma humano também tem 3 bilhões de bases, organizadas em 23 pares de cromossomos).
Com o genoma bovino mapeado, especialistas de diversos países passaram a investigar cadeias moleculares em busca de genes ou grupos de genes específicos que poderiam estar associados a características desejadas na melhoria das raças, como aumento de peso. Tais assinaturas genéticas estão sendo localizadas e identificadas, tanto é que já se conhecem diversos genes para ganho de peso no genoma bovino.
Mas isso se refere apenas ao genoma que foi sequenciado, e que não representa necessariamente o universo total de variabilidade genética presente no conjunto das diferentes raças. Ou seja, apesar de pertencer à mesma espécie Bos primigenius, raças como nelore, angus, jersey ou charolês foram selecionadas para a obtenção de características específicas. Logo, há no DNA de cada uma delas genes específicos que foram selecionados para uma raça, e não para outra.
Até o momento, foram identificados genes específicos para o aumento de peso em algumas raças com grande representação em plantéis no exterior. Trabalhos como o de Cardoso e colegas contribuem para aumentar este conhecimento também na raça nelore.
Bos primigenius é dividido em duas subespécies, a taurina (Bos primigenius taurus) e a zebuína (Bos primigenius indicus). Os animais da subespécie taurina são mais adaptados a climas com invernos rigorosos, pois observam maior ganho de peso nos meses quentes, de modo a acumular reservas para sobreviver até o fim do inverno e o verdejar de novos pastos. Por isso, as raças de taurinos são preponderantes nos plantéis da América do Norte e Europa.
A subespécie zebuína é originária da Índia, um país tropical, e o nelore é uma raça zebuína. Foi introduzida no Brasil ainda no tempo colonial, adaptando-se muito bem ao nosso clima.
O outro lado da moeda é que o nelore, por ser raça tropical e não precisar ganhar peso para sobreviver aos invernos amenos dos trópicos, é uma raça naturalmente magra, ou seja, seu ganho de peso é menor quando comparado às raças taurinas. Daí a necessidade de encontrar genes específicos em nelore responsáveis pelo ganho de peso dos animais.
O artigo Genome-wide scan reveals population stratification and footprints of recent selection in Nelore cattle (doi: https://doi.org/10.1186/s12711-018-0381-2), de Diercles F. Cardoso, Lucia Galvão de Albuquerque, Christian Reimer, Saber Qanbari, Malena Erbe, André V. do Nascimento, Guilherme C. Venturini, Daiane C. Becker Scalez, Fernando Baldi, Gregório M. Ferreira de Camargo, Maria E. Zerlotti Mercadante, Joslaine N. do Santos Gonçalves Cyrillo, Henner Simianer e Humberto Tonhati, está publicado em https://gsejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12711-018-0381-2.
Agência FAPESP