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Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descreveram na revista Cell Reports um painel de biomarcadores capaz de indicar aos médicos quais pacientes diagnosticados com glioma – um tipo de câncer cerebral – tendem a evoluir para uma forma mais agressiva da doença no caso de recidiva. De acordo com Houtan Noushmehr, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador da pesquisa, entre 80% e 90% das pessoas diagnosticadas com câncer no cérebro desenvolvem um segundo tumor após a retirada cirúrgica da lesão original. 
cervello gliomaNa maioria dos casos, o perfil epigenético das células tumorais se mantém o mesmo, ou seja, a expressão dos genes permanece inalterada, o que sugere um prognóstico favorável, com boa longevidade. Em 10% dos pacientes que apresentam recidiva tumoral, porém, as células cancerosas adquirem um fenótipo mais agressivo, reduzindo o tempo de sobrevida global do paciente.

“Nosso painel de biomarcadores pode indicar, já no momento do diagnóstico primário [descoberta do primeiro tumor], se o paciente está entre esses 10% que tendem a evoluir para casos mais graves. Esse conhecimento pode orientar o médico a adotar um tratamento mais agressivo, com o objetivo de evitar a progressão da doença”, disse Noushmehr à Agência FAPESP.

Realizado com apoio da FAPESP durante o pós-doutorado de Camila Ferreira de Souza – com parte conduzida no Hospital Henry Ford, nos Estados Unidos, com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior –, o trabalho se baseou na análise de 200 amostras de glioma, um tipo de câncer que se origina nas células gliais (astrócitos, oligodendrócitos e micróglias), cujo papel é mediar respostas imunes no sistema nervoso central e dar suporte ao funcionamento dos neurônios.

Os gliomas constituem o conjunto de tumores mais comuns no sistema nervoso central, cerca de 80% dos casos, com taxa de mortalidade em torno de 92%. O grau histopatológico de agressividade (baseado em características do tecido) pode variar de 1 a 4, sendo que quanto mais alto é o número, pior é o prognóstico.

“Analisamos amostras de 77 pacientes – tanto do tumor primário quanto da primeira, segunda ou até terceira recidiva, em alguns casos. Trata-se da maior casuística de gliomas primários e recorrentes provenientes dos mesmos pacientes já estudada”, disse Noushmehr.

Parte das amostras avaliadas foi coletada de pacientes atendidos na USP, em Ribeirão Preto, e no Hospital Henry Ford. Os demais dados analisados foram obtidos a partir de estudos publicados nos últimos três anos.

As amostras foram estudadas com foco nos mecanismos epigenéticos – conjunto de processos químicos que modulam o funcionamento do genoma (permitindo sua adaptação a estímulos ambientais) e, consequentemente, o perfil fenotípico das células, por meio da ativação ou desativação da expressão de genes.

Neste estudo, mais precisamente, o grupo optou por estudar um mecanismo específico de regulação epigenética conhecido como metilação do DNA, que corresponde à adição de um grupo metila (formado de átomos de hidrogênio e carbono) à base citosina do DNA – fenômeno que pode alterar a expressão de alguns genes.

Subtipos de glioma

Em um artigo publicado na revista Cell em 2016, o grupo coordenado por Noushmehr havia identificado sete diferentes subtipos de glioma com base no perfil epigenético do tumor (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/22610) – entre eles um mais agressivo, que ficou conhecido como subtipo G-CIMP-low, e outro de prognóstico mais favorável, nomeado G-CIMP-high.

“O que estamos mostrando neste novo trabalho é que apenas 10% dos pacientes que desenvolvem um segundo tumor progridem do subtipo G-CIMP-high para o subtipo G-CIMP-low”, explicou Noushmehr.

Para fazer a análise de metilação do DNA nas 200 amostras tumorais, o grupo usou uma metodologia conhecida como microarray, que permite avaliar milhões de sítios e elementos genômicos funcionais simultaneamente.

Como explicam os autores, o processo de adição do grupo metila ao DNA costuma ocorrer na base citosina que geralmente precede uma guanina (dinucleotídeo CpG). Pelo microarray, é possível ver se essas regiões CpGs estudadas, incluindo genes e elementos regulatórios no genoma, estão mais ou menos metiladas.

Os dados obtidos pelo microarray foram analisados com auxílio de algoritmos de inteligência artificial do tipo machine learning (aprendizado de máquina), capazes de analisar uma grande quantidade de dados por métodos estatísticos específicos, de modo a encontrar padrões que permitam fazer determinações ou predições.

“Desse modo, conseguimos identificar sete locais no genoma em que o nível de metilação do DNA serve como biomarcador do risco de evolução do fenótipo G-CIMP-high para o fenótipo G-CIMP-low. Assim montamos o painel de biomarcadores”, contou Noushmehr.

Atualmente, acrescentou o cientista, todos os pacientes diagnosticados com glioma são tratados praticamente da mesma maneira. “É preciso esperar o câncer voltar, fazer uma nova cirurgia para então descobrir se houve progressão. Se soubermos desde o começo sobre o risco de o tumor evoluir para o fenótipo G-CIMP-low, podemos adotar um tratamento mais direcionado”, disse.

Para Souza, o desenvolvimento de terapias personalizadas para pacientes com glioma é “subotimizado”. “Isso se deve, em parte, ao diagnóstico ser baseado principalmente em critérios histopatológicos tradicionais, ou seja, o grau de malignidade do tumor.”

No presente estudo, acrescentou, foram identificadas vulnerabilidades epigenéticas capazes de estratificar, com elevada sensibilidade e especificidade, fenótipos associados a gliomas recorrentes com prognóstico clínico distinto que não puderam ser preditos somente pela classificação neuro-histopatológica das biópsias tumorais.

“Nossa expectativa é que o painel de biomarcadores clínicos identificado abra caminho para refinar nossa classificação clínica atual, ajudando a orientar futuras decisões terapêuticas antes que gliomas malignos recorrentes se tornem sintomáticos, além de evitar que portadores de gliomas de agressividade baixa sejam expostos a protocolos de rádio e quimioterapias de toxicidade elevada de maneira desnecessária”, disse.

Noushmehr e Souza ressaltam, no entanto, que o painel de biomarcadores clínicos identificado precisa ser validado em um ensaio clínico – processo que costuma levar alguns anos para ser concluído.

O artigo A Distinct DNA Methylation Shift in a Subset of Glioma CpG Island Methylator Phenotypes during Tumor Recurrence (doi: https://doi.org/10.1016/j.celrep.2018.03.107), de Camila Ferreira de Souza e colaboradores, pode ser lido em: www.cell.com/cell-reports/fulltext/S2211-1247(18)30483-2.

Agência FAPESP