Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em colaboração com colegas da University of Bristol, na Inglaterra, descobriu que há um fluxo de vespas entre essas colônias e que elas compartilham recursos como alimentos, colaborando e funcionando como uma supercolônia.
O estudo foi realizado com apoio da FAPESP, no âmbito de um acordo com o Natural Environment Research Council (NERC) – um dos Conselhos de Pesquisa do Reino Unido.
“Observamos que essa espécie de vespa utiliza todo o espaço disponível em ambientes naturais modificados para formar uma única colônia e, dessa forma, poder explorar completamente a área”, disse Fábio Santos do Nascimento, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
Para mapear o fluxo das vespas – encontradas no Sudeste e em parte do Centro-Oeste do pais – entre as colônias, os pesquisadores implantaram microchips de identificação por radiofrequência no dorso do tórax de 515 insetos que circulavam por 15 colônias próximas umas das outras, formando uma supercolônia, em uma fazenda em Pedregulho, no interior de São Paulo.
Nas colônias também foram instaladas antenas de rádio a fim de detectar automaticamente a entrada ou a saída de uma vespa marcada com um microchip de identificação por radiofrequência. As colônias foram monitoradas 11 horas por dia, durante seis dias.
A análise dos dados coletados apontou que, durante 66 horas de detecção por radiofrequência, 20,9% das vespas fêmeas visitaram mais de uma colônia. “Constatamos que existe um grande trânsito e visitação de vespas entre as colônias”, disse Nascimento.
A fim de avaliar o que possibilitava esse alto nível de visitação das vespas entre as colônias – se era uma incapacidade delas de distinguir seus ninhos ou insetos invasores –, os pesquisadores testaram se elas eram capazes de identificar parentes e se as vespas “estrangeiras” em uma colônia eram facilmente aceitas ou sofriam rejeição.
Para isso, tiraram e reintroduziram insetos em seu próprio ninho, colocaram vespas de uma colônia em outra da mesma família ou de famílias diferentes, com diferentes níveis de distância uma das outras, a fim de observar suas interações.
As observações dos dois minutos iniciais de interação entre os insetos revelaram que as vespas tiradas e reintroduzidas em sua colônia (residentes) sofreram menos agressão do que as não residentes, o que revela a capacidade do inseto de identificar seus parentes.
Surpreendentemente, as vespas vizinhas próximas da colônia onde foram introduzidas sofreram um nível de agressão significativamente maior do que as parentes distantes (vespas de outra colônia, mas da mesma família). “É como se se essas vespas próximas da colônia onde foram introduzidas, mas que não pertencem à família, fossem vizinhos desagradáveis”, disse Nascimento.
A fim de avaliar se vespas estrangeiras, que chegavam a uma colônia de outra família trazendo recursos, como alimento, eram menos rejeitadas pelas residentes, os pesquisadores realizaram um experimento em que introduziram insetos com mel em uma colônia diferente da sua. As observações confirmaram que elas sofriam menores níveis de agressão.
“Elas são aceitas pelos residentes das colônias vizinhas justamente porque estão levando recursos, porque não faria sentido rejeitar quem está trazendo algo bom para a colônia”, explicou o pesquisador.
As constatações foram corroboradas com observações em campo. Ao observar mais detidamente o que as vespas que transitavam mais entre os ninhos da supercolônia carregavam, os pesquisadores verificaram que elas transportavam lagartas lepdópteras – a principal fonte de alimento desses insetos. “Constatamos que há uma partilha generalizada de alimento entre as colônias desses insetos”, disse.
Mudança de comportamento
De acordo com o professor da USP, essa mudança de comportamento e na estrutura social das vespas Polistes satan – em que um grande número de colônias passa a colaborar entre si, em uma vasta rede de cooperação – representa uma forma de adaptação à transformação de paisagens naturais em áreas urbanizadas.
Em um ambiente natural, as colônias desses insetos, que são compostas por entre 50 e 70 vespas, não formam agregados tão grandes como os que os pesquisadores observaram na área estudada em Pedregulho – identificada recentemente como um remanescente de fragmentos do Cerrado.
“Temos observado que, em ambientes tropicais, espécies de insetos sociais, como a vespa Polistes satan, por serem fenotipicamente mais plásticas, conseguem de certa forma modificar sua biologia e se adaptar aos impactos ambientais antropogênicos [causados pela ação humana]”, disse Nascimento.
Até então, entre os insetos sociais, só tinham sido encontradas supercolônias de formigas, como a de formigas argentinas (Linepithema humile) ou as cortadeiras.
“As formigas argentinas, que foram introduzidas na Europa no século passado, se tornaram uma praga ao formar colônias monumentais, com um conjunto de genes único”, disse.
Já no caso das vespas Polistes satan, a formação de supercolônias pode ter aplicações agrícolas, como em controle biológico – a regulação de pragas em uma lavoura por inimigos naturais –, uma vez que as lagartas que servem de alimento para esses insetos são pragas que atacam culturas como o milho, o café e a cana-de-açúcar.
“Cada colônia de vespa Polistes satan necessita de centenas de lagartas para alimentar sua cria”, afirmou. “Nossa ideia é construir vespários em lugares próximos a lavouras para que os insetos façam o biocontrole de pragas”, explicou Nascimento.
Os pesquisadores pretendem usar essas vespas para controlar a lagarta da broca da cana (Diatraea saccharalis), a principal praga da cana-de-açúcar.
“Nossa ideia é fazer alguns experimentos este ano para avaliar se essas vespas conseguem deter a lagarta da broca da cana em sua fase inicial”, disse Nascimento.
Agência FAPESP