A constatação é de estudo realizado por um consórcio internacional que estimou a incidência do primeiro episódio psicótico em cinco países europeus – Inglaterra, França, Holanda, Espanha e Itália – e no Brasil.
No Brasil, o trabalho, apoiado pela FAPESP, foi coordenado por Paulo Rossi Menezes, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), e por Cristina Marta Del Ben, professora do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista JAMA Psychyatry.
“Esse é o segundo estudo feito no Brasil sobre a incidência dos primeiros episódios psicóticos e o mais recente estudo da incidência internacional de transtornos psicóticos foi realizado na década de 1980”, disse Menezes à Agência FAPESP.
Nos últimos anos, pesquisas têm indicado que a incidência do primeiro episódio psicótico apresenta uma variação entre regiões e grupos populacionais. Em países europeus, tem sido observada maior incidência desses transtornos em grandes centros urbanos em comparação com pequenas vilas e áreas rurais e em grupos étnicos minoritários, como imigrantes negros do Caribe e da África.
A fim de corroborar ou refutar essas observações, os pesquisadores do consórcio fizeram um trabalho de identificação de pacientes que apresentavam o primeiro episódio psicótico. A investigação foi feita em 17 centros urbanos e rurais dos seis países participantes, entre 2010 e 2015. No Brasil, o levantamento foi feito em 26 municípios da região administrativa de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Os pesquisadores identificaram 2.774 pacientes que apresentaram um primeiro episódio de transtornos psicóticos, dos quais 1.578 eram homens e 1.196 mulheres, com idade média de 30 anos.
As análises dos dados indicaram uma variação de oito vezes na incidência dos transtornos psicóticos entre as áreas estudadas. Enquanto em Santiago, na Espanha, a incidência foi de seis novos casos por 100 mil habitantes por ano, em Paris, na França, o número subiu para 46 novos casos também por 100 mil habitantes por ano. Na região de Ribeirão Preto, a incidência foi de 21 novos casos por 100 mil habitantes por ano.
“O estudo confirmou que a incidência do primeiro episódio psicótico varia muito entre grandes centros urbanos e regiões mais rurais e indicou que os fatores determinantes centrais para essa grande variação são, provavelmente, ambientais”, disse Menezes.
“Até o fim do século 20 acreditava-se que os principais fatores etiológicos [origem e causa] de transtornos psicóticos seriam genéticos, mas os dados do estudo apontam que os fatores ambientais desempenham um papel muito relevante”, afirmou.
Mais vulneráveis
O estudo também apontou que há maior incidência de primeiro episódio psicótico em homens de 18 a 24 anos em comparação com mulheres na mesma faixa etária, o que confirma um dado relativamente consistente na literatura, disse Menezes.
De acordo com o pesquisador, estudos anteriores já indicavam maior incidência de primeiro episódio psicótico em homens jovens e também que, conforme os homens se aproximam da idade de 35 anos, a incidência de transtornos mentais neles tende a se equiparar à das mulheres. Em mulheres adultas, entre 45 e 54 anos, a incidência de transtornos mentais é um pouco maior do que a dos homens nessa mesma faixa etária.
“Ainda não se sabe exatamente a razão dessa diferença da incidência do primeiro episódio psicótico entre sexos e faixas etárias. Mas isso pode estar relacionado ao processo de amadurecimento cerebral, uma vez que o cérebro atinge sua maturidade entre os 20 e 25 anos. Nesse período, os homens parecem ficar mais vulneráveis do que as mulheres para desenvolver transtornos mentais”, disse Menezes.
Os pesquisadores também constataram alta incidência de primeiro episódio psicótico em minorias étnicas e em áreas com menor porcentagem de casas ocupadas por seus proprietários.
“Isso sugere que as condições socioeconômicas das pessoas e do ambiente onde vivem têm papel importante na etiologia dos transtornos psicóticos. É preciso compreender melhor os mecanismos envolvidos para explicar a variação da incidência desse problema entre populações”, avaliou Menezes.
Os pesquisadores pretendem analisar os dados sobre o histórico de vida dos pacientes, além de suas condições socioeconômicas, e compará-los com controles da população (pessoas que não apresentaram esse quadro) a fim de analisar os fatores de risco para o desenvolvimento de um primeiro episódio psicótico.
Experiências traumáticas na infância e experimentar maconha na adolescência ou início da vida adulta, por exemplo, são fatores que aumentam o risco de transtornos mentais, segundo Menezes. “Se conseguirmos identificar os fatores de risco para o desenvolvimento desses transtornos mentais em populações mais vulneráveis, é possível intervir para diminuir a incidência”, disse.
Transtornos psicóticos são responsáveis por uma proporção significativa da carga global de doenças, em razão da incapacitação que causam. Têm ainda evolução bastante variada e podem levar a graus elevados de incapacitação. “Grande parte dos pacientes requer cuidados especializados em centros de psiquiatria e saúde mental”, disse Menezes.
O artigo Treated incidence of psychotic disorders in the multinational EU-GEI study (doi: 10.1001/jamapsychiatry.2017.3554), de Jongsma e outros, pode ser lido por assinantes do JAMA Psychyatry em jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/article-abstract/2664479.
Agência FAPESP