Entender como exatamente esses mecanismos de defesa funcionam é o objetivo de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e coordenado pelo professor Dario Simões Zamboni na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).
Resultados recentes foram publicados em julho na revista Cell Reports. O trabalho é desenvolvido no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
“Esse tipo de conhecimento básico pode ajudar, no futuro, a desenvolver novos métodos tanto para combater infecções quanto para evitar que ocorra uma inflamação exacerbada e lesiva ao organismo, como é o caso da sepse”, disse Zamboni à Agência FAPESP.
No trabalho mais recente, o grupo investigou a interação entre três diferentes tipos de inflamassoma que podem ser ativados em macrófagos – células que integram a linha de frente do sistema imune e são responsáveis por fagocitar (ingerir) potenciais invasores.
Um deles é acionado quando certas moléculas – que podem ou não ser componentes microbianos – furam a membrana do macrófago e causam a saída de potássio do meio intracelular, o que resulta na ativação de uma proteína conhecida como NLRP3.
O segundo tipo de inflamassoma entra em ação quando a célula de defesa detecta em seu citoplasma a presença de DNA de micróbios invasores, causando a ativação da proteína AIM2.
Já o terceiro tipo é induzido pela presença, no citoplasma do macrófago, de um componente bacteriano denominado LPS (lipopolissacarídeo bacteriano), existente em espécies de bactérias Gram-negativas – ao qual pertencem diversos agentes causadores de doença em humanos, como Escherichia coli, Shigella, Salmonella, Pseudomonas e Legionella pneumophila. Neste terceiro caso, o processo inflamatório tem início graças à ativação da proteína caspase-11.
Embora sejam mediados por proteínas diferentes, os três inflamassomas, quando ativados, levam à produção de moléculas pró-inflamatórias, como a interleucina-1 beta (IL-1β) e a interleucina-18 (IL-18). São essas citocinas que alertam o sistema imune sobre a necessidade de enviar ao local seu exército – composto por neutrófilos, monócitos inflamatórios, linfócitos e outros tipos de leucócitos. Quando isso efetivamente acontece, surgem os sintomas típicos de inflamação: dor, calor, vermelhidão e edema.
“Até agora, predominava a ideia de que esses inflamassomas funcionavam de forma independente um do outro. Mas nós estamos mostrando que um pode regular a ativação do outro de modo a amplificar o sinal da infecção e induzir uma resposta inflamatória mais potente”, contou Zamboni.
Metodologia
Os experimentos que possibilitaram essa conclusão foram feitos in vitro, com culturas de macrófagos de camundongos e também in vivo, com infeções nos pulmões dos camundongos. Como modelo de infecção foi usada a bactéria Legionella pneumophila, agente causador de pneumonia e capaz de ativar múltiplos inflamassomas nos macrófagos.
“Observamos in vitro que, quando a quantidade de DNA bacteriano no interior da célula de defesa é muito pequena, o estímulo não é suficiente para que a proteína AIM2 consiga clivar [quebrar as ligações peptídicas] uma outra proteína chamada caspase-1 e, assim, ativar o inflamassoma de AIM2. Porém, a AIM2 consegue deixar a caspase-1 em sua forma ativa e, em conjunto, as duas proteínas atuam de modo a fazer um furo na membrana do macrófago, ativando o inflamassoma de NLRP3”, explicou o pesquisador.
Ainda segundo Zamboni, estudos anteriores já haviam sugerido que a proteína caspase-11, ao reconhecer o LPS no citoplasma do macrófago, também induz um dano na membrana que resulta na ativação do inflamassoma de NLRP3.
“Agora, mostramos que também o inflamassoma de AIM2 consegue amplificar os sinais da infecção e acionar o inflamassoma de NLRP3 de forma não convencional”, acrescentou.
Ao repetir o experimento em células modificadas para não expressar as proteínas AIM2 e caspase-11, os pesquisadores observaram que não ocorria a ativação do inflamassoma de NLRP3 na presença da bactéria no meio de cultura e a célula se tornava completamente incapaz de orquestrar uma resposta inflamatória.
“Quando deixávamos uma das duas vias funcionando – AIM2 ou caspase-11 – a resposta ocorria, mas de forma menos eficiente que na célula selvagem”, contou Zamboni.
Em seguida, experimentos com camundongos foram feitos para confirmar se um efeito semelhante seria observado in vivo, situação em que há interação entre diversos fatores imunológicos.
Um dos grupos de estudo era formado por animais “selvagens”, sem alteração genética. O outro contava com roedores modificados para não produzir as proteínas AIM2 e caspase-11.
“Quando o camundongo selvagem respira a bactéria, todas as vias de ativação de inflamassoma são acionadas, uma resposta eficiente é articulada e a infecção, controlada. Já nos animais deficientes de AIM2 e caspase-11, durante os primeiros dois dias de infecção a bactéria consegue se replicar cerca de cinco a 10 vezes mais nos pulmões dos camundongos”, disse o pesquisador.
Na avaliação de Zamboni, há evidências de que, ao longo da evolução, o sistema imune de mamíferos foi desenvolvendo múltiplos mecanismos para reconhecer diferentes elementos de micróbios patogênicos e, assim, ativar o inflamassoma de NLRP3, garantindo a indução de uma resposta inflamatória.
“Reconhecer um micróbio com potencial para causar dano é o primeiro e um dos mais importantes processos que as células de defesa têm de fazer. Estamos em contato com milhares de microrganismos o tempo todo e a maioria deles não representa uma ameaça. Montar uma resposta inflamatória contra micróbios patogênicos é importante, mas custoso para o organismo. É preciso valer a pena”, afirmou Zamboni.
O artigo AIM2 Engages Active but Unprocessed Caspase-1 to Induce Noncanonical Activation of the NLRP3 Inflammasome, que foi destaque de capa da edição de julho da revista Cell reports, pode ser lido em: http://www.cell.com/cell-reports/abstract/S2211-1247(17)30934-8.
Agência FAPESP