Outra definição alternativa e mais detalhada é: "O vidro é um estado fora do equilíbrio termodinâmico, não cristalino da matéria condensada, que exibe uma transição vítrea. As estruturas dos vidros são semelhantes às dos seus líquidos super-resfriados (LSR) e relaxam espontaneamente em direção ao estado de LSR. Seu destino final, para tempos infinitamente longos, é cristalizar".
A proposta dessas novas definições para o material foram feitas por Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do Center for Research, Technology and Education in Vitreous Materials (CerTEV) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP –, e por John Mauro, professor do Departamento de Engenharia e Ciência dos Materiais da Penn State University, dos Estados Unidos, em um artigo publicado no Journal of Non-Crystalline Solids.
“Há uma série de definições de vidro, mas a maioria apresenta erros graves. Muitas definições ensinam que o vidro é um sólido, e outras que é um material isotrópico [cujas propriedades são as mesmas, em diferentes direções], mas muitos vidros não são”, disse Zanotto à Agência FAPESP.
“Por isso, resolvemos fazer uma revisão crítica e condensada do estado da arte sobre vidros, mostrando que eles têm estrutura muito diferente dos materiais sólidos, pois os vidros relaxam continuamente e cristalizam”, explicou.
A iniciativa de propor uma nova definição de vidro surgiu durante uma aula magna, intitulada “Glass Myths”, que o pesquisador proferiu durante o evento de comemoração do centenário da Society of Glass Technology (SGT), realizado na University of Sheffield, no Reino Unido, no início de setembro do ano passado.
A aula magna, chamada Turner Memorial Lecture, é promovida pela universidade inglesa desde 1966 e já contou com nomes como sir Harry Kroto (1939 – 2016), prêmio Nobel de Química de 1996 pela descoberta dos fulerenos (formas alotrópicas de carbono), sir Alastair Pilkinton (1920 – 1995), inventor do processo float, utilizado mundialmente na fabricação de vidro plano, e Larry L. Hench (1938 – 2015), inventor dos biovidros (leia mais em http://agencia.fapesp.br/23991/).
Primeiro brasileiro a ser convidado para ministrar a aula magna, uma das perguntas que Zanotto fez durante sua apresentação foi justamente se o vidro é um material sólido ou líquido.
A pergunta resultou em uma discussão acalorada com diversos cientistas da plateia, especialmente com Arun Varshneya, professor emérito da Alfred University, dos Estados Unidos, conhecido como o “guru dos vidros” e autor de um dos livros sobre vidros mais lidos no mundo.
A partir da discussão, Zanotto iniciou posteriormente uma troca de e-mails com Varshneya e começou a escrever um artigo com o intuito de desmistificar a ideia de que o vidro é um sólido, como defendia o próprio pesquisador indiano, radicado nos Estados Unidos.
“Há inúmeras evidências descritas em dezenas de artigos que mostram que o vidro tem características muito diferentes dos sólidos”, afirmou Zanotto.
Uma dessas características, de acordo com o pesquisador, é que os vidros têm estrutura muito parecida com a dos líquidos a partir do qual são formados.
Outra característica é que eles fluem (deformam) espontaneamente com o passar do tempo e mediante uma pressão mínima, que pode ser menor do que a ação da gravidade. Já os materiais sólidos cristalinos só são deformados ao receber uma pressão externa, inversamente proporcional à temperatura.
Quanto menor a temperatura, maior a tensão que terá que ser aplicada a um cristal sólido para deformá-lo, comparou Zanotto.
“Por outro lado, qualquer pressão ou tensão positiva, diferente de zero, é suficiente para um vidro fluir em qualquer temperatura. O tempo que ele demora para ser deformado depende muito da temperatura e da composição química”, explicou Zanotto.
“Se a temperatura a que o vidro for submetido for próxima de zero Kelvin [ou zero absoluto] vai levar um tempo infinitamente longo para que o material deforme. Mas, se aquecido, começará a fluir”, afirmou.
A terceira característica que diferencia o vidro de um material sólido é que, ao final de sua existência, ele acaba por cristalizar, enquanto que um cristal, por exemplo, por já estar em um estado sólido, não flui, nem cristaliza.
Com base nessas três características, Zanotto e Mauro propõem que os vidros poderiam ser definidos como frozen liquids – materiais com a estrutura de um líquido que foram congelados sem cristalizar ao serem resfriados abaixo de uma determinada temperatura, chamada de temperatura de transição vítrea.
“Levou muito tempo para juntarmos esses conceitos de sólido e líquido, cristal e não cristal e de frozen, que, no artigo, tem o significado de um estado temporário, para chegarmos à definição moderna e melhorada de vidro”, disse Zanotto.
O artigo The glassy state of matter: its definition and ultimate fate (doi: 10.1016/j.jnoncrysol.2017.05.019), de Zanotto e Mauro, pode ser lido no Journal of Non-Crystalline Solids em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022309317302685#!.
Agência FAPESP