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Os raios gama poderão ser estudados, em breve, com precisão sem precedentes. Um consórcio composto por mais de 1.350 cientistas e engenheiros de 32 países, incluindo o Brasil, pretende construir até 2022 o Cherenkov Telescope Array (CTA), o maior observatório terrestre voltado a estudar essas partículas de luz (fótons) de altíssimas energias vindas do espaço. Apesar da busca de mais de um século, ainda pouco se sabe sobre essas partículas de luz, suas fontes e o papel que desempenham em nossa galáxia e além dela.
Alguns dos pesquisadores membros da colaboração CTA participaram entre os dias 21 e 31 de maio da São Paulo School of Advanced Science on High Energy and Plasma Astrophysics in the CTA Era - SPSAS-HighAstro, realizada no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

Apoiado pela FAPESP, por meio da modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada, o evento reuniu 100 estudantes de pós-graduação – sendo 50 de São Paulo e de outros estados brasileiros e 50 do exterior – para receber treinamento em Astrofísica de Altas Energias e Plasmas, com o intuito de prepará-los para dominar essas áreas e utilizar os novos instrumentos de detecção de raios gama que estão sendo construídos, como o CTA.

“O CTA faz parte de uma nova geração de detectores de raios gama e pode possibilitar a identificação de mais de mil novos objetos emissores da radiação gama que chegam à Terra, produzidos por raios cósmicos [partículas, como prótons, elétrons e íons, que viajam com velocidades próximas à da luz]”, disse Razmik Mirzoyan, pesquisador do Max Planck Institute for Physics de Munique, na Alemanha, em palestra durante o evento.

Ao chegarem à Terra, os raios gama colidem com moléculas de ar e dão origem a partículas secundárias subatômicas, que caem em forma de cascatas, também conhecidas como chuveiros de ar ou de partículas.

Essas partículas de alta energia podem viajar mais rápido que a luz, dando origem a um flash azul semelhante a uma onda de choque produzida por um avião supersônico ao quebrar a barreira do som.

Luz Cherenkov

O matemático inglês Oliver Heaviside (1850 – 1925) calculou e previu as principais características de um fenômeno desse tipo, quando um elétron se move em um meio transparente com velocidade superior à da luz.

O trabalho do cientista inglês, contudo, não foi apreciado pelos seus pares contemporâneos e foi esquecido, contou Mirzoyan.

“No final do século XIX, os cientistas acreditavam que o espaço estava perturbado pelo éter [uma substância com densidade nula que ocuparia tudo o que se convencionou chamar de espaços vazios, incluindo os intergalácticos]”, ponderou o pesquisador armênio.

Quase 50 anos depois das primeiras publicações de Heaviside sobre a previsão desse tipo de fenômeno – iniciadas em 1888 –, o físico russo Pavel Cherenkov (1904 – 1990) descobriu experimentalmente o efeito, que foi batizado de radiação ou luz Cherenkov.

“Em 1937, Cherenkov conseguiu medir a anisotropia [característica de um meio em que certas propriedades físicas variam em diferentes direções] desse tipo de emissão e submeteu um artigo relatando os resultados à Nature, mas a revista recusou a publicação do trabalho”, disse Mirzoyan.

“Felizmente, a revista Physical Review aceitou publicar o artigo em que Cherenkov mencionou a possibilidade de medir elétrons rápidos com carga negativa”, afirmou.

Em 1938, o físico francês Pierre Auger (1899 – 1993), ao posicionar detectores de partículas no alto dos Alpes, percebeu que dois deles, localizados a vários metros de distância um do outro, detectaram partículas que chegavam ao mesmo tempo, em cascatas.

E em 1948, o físico britânico Patrick Blackett (1897 – 1940), ao estudar os raios cósmicos por meio de uma câmara de nuvens – um método de identificação de partículas subatômicas –, mencionou a probabilidade da existência de componentes leves de “luz Cherenkov” de partículas relativísticas em chuveiros de ar que poderiam contribuir marginalmente para a intensificação da luz do céu noturno.

A partir de então, começou a corrida para o desenvolvimento de detectores de “luz Cherenkov” de chuveiros de partículas produzidos tanto por raios cósmicos como por raios gama, ambos vindos do espaço. “Até então a ‘luz Cherenkov’ tinha sido detectada apenas em meios sólidos e líquidos”, explicou Mirzoyan.

Maior sensibilidade

De acordo com os pesquisadores participantes do evento, a atual geração de detectores de raios gama – formada pelo High Energy Stereoscopic System (HESS), na Namíbia, o Observatório de Gamma-rays (Magic), nas Ilhas Canárias, na Espanha, e o Veritas, no Arizona, nos Estados Unidos – começou a produzir resultados em 2003 e aumentou o número de objetos emissores de raios gama conhecidos de cerca de 10 para 100.

O CTA deverá aumentar esse catálogo 10 vezes ao detectar mais de mil novos objetos, uma vez que será 10 vezes mais sensível e terá uma precisão sem precedentes para detecção de raios gama de alta energia.

Esse aumento de sensibilidade e de precisão na detecção desses raios gama será possível em razão da área de coleta de dados e de uma combinação de três classes de telescópios Cherenkov para cobrir uma gama de energia que varia de 20 GeV a 300 TeV.

Enquanto os observatórios de raios gama atuais possuem, no máximo, cinco telescópios Cherenkov operando em conjunto, o CTA será composto por 100 telescópios terrestres de três tamanhos diferentes, divididos em um local no hemisfério Norte e a outra parte maior no hemisfério Sul.

No hemisfério Sul, o observatório será construído no deserto do Atacama, no Chile, próximo ao Atacama Large Milimeter Array (Alma), pertencente ao Observatório Europeu do Sul (ESO). E no hemisfério Norte será situado nas Ilhas Canárias, próximo ao Observatório Magic.

Dessa forma, o CTA terá uma área de coleta equivalente a mais de 1 milhão de metros quadrados (m2), o que permitirá uma cobertura de quase todo o céu, em um ângulo de 360 º, aumentando a chance de capturar os chuveiros de partículas produzidos pelos raios gama.

Embora a “luz Cherenkov” se espalhe sobre uma grande área (de 250 metros de diâmetro), o chuveiro de partículas dura apenas alguns bilionésimos de segundo e é muito raro, com uma taxa de ocorrência de um fóton de raios gama por m2 por ano a partir de uma fonte luminosa forte ou de um por m2 por século a partir de uma fonte luminosa fraca.

Cada telescópio terá uma montagem que permitirá apontar rapidamente para os alvos almejados e será composto de um grande espelho segmentado para refletir a “luz Cherenkov” para uma câmera de alta velocidade.

Por meio das imagens obtidas da câmera será possível digitalizar e gravar a imagem do chuveiro de raios gama para um estudo mais aprofundado de suas fontes cósmicas, como os arredores de buracos negros, remanescentes de supernovas, galáxias com núcleos ativos e pulsares.

“A primeira proposição do uso de uma série de telescópios Cherenkov operando em conjunto para fazer observações foi feita em 1984”, conta Mirzoyan.

Participação brasileira

O projeto de construção do CTA é estimado em 400 milhões de euros e, segundo os coordenadores, está em um estágio bem avançado.

O Brasil colabora no projeto em diferentes frentes. Uma delas é a construção do ASTRI Mini-Array – um arranjo menor de telescópios Cherenkov, que será o protótipo do observatório CTA –, em parceria com a Itália e a África do Sul.

O miniarranjo será composto por nove telescópios Cherenkov com espelho de 4,3 metros de diâmetro, que serão instalados na parte sul do CTA, no Chile, a partir de 2018.

O ASTRI terá uma sensibilidade superior à do HESS e atingirá energias acima de 100 TeV – equivalente a 100 trilhões de elétrons-volt. O telescópio protótipo do ASTRI foi inaugurado em Serra la Nave, na região de Catânia, na Itália, em setembro de 2014, e possui uma inovadora câmera focal modular com fotomultiplicadores de silicone, desenvolvida em parceria com engenheiros brasileiros do IAG-USP.

O grupo da professora Elisabete Maria de Gouveia Dal Pino no IAG-USP é responsável pela construção de três dos nove telescópios do ASTRI por meio de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP.

Outro grupo de pesquisadores da USP de São Carlos também está desenvolvendo, por meio de outro Projeto Temático apoiado pela FAPESP, o suporte de câmera do telescópio de médio porte (MST) do CTA em parceria com a equipe alemã do Observatório.

Além disso, outro grupo de pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) está desenvolvendo componentes estruturais para os telescópios de grande porte (LST) do CTA.

“O protótipo dos telescópios ASTRI já está quase pronto, em fase final de testes, e a construção da parte mecânica e das estruturas dos nove telescópios será iniciada em breve”, disse Dal Pino à Agência FAPESP.

Agência FAPESP