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virus zikaEstudos recentes confirmaram que a infecção congênita pelo vírus Zika – especialmente no primeiro trimestre de gestação – pode resultar em alterações cerebrais graves no recém-nascido, dentre as quais se destaca a microcefalia. Os mecanismos que levam à malformação do sistema nervoso central, no entanto, ainda não estão claros.
Novas hipóteses foram apresentadas por pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) em artigo publicado na revista Molecular Neurobiology. Segundo os autores, as evidências científicas existentes até o momento permitem supor que a infecção pelo Zika prejudica a interação entre os neurônios e as células da glia, considerada essencial para o desenvolvimento do córtex cerebral.

O estudo foi conduzido durante o doutorado de Lais Takata Walter, com apoio da FAPESP e orientação do professor Alexandre Hiroaki Kihara, do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da UFABC.

Os pesquisadores revisaram diversos artigos publicados sobre os efeitos do Zika desde a explosão dos casos de microcefalia em 2015 e correlacionaram os achados à luz dos conhecimentos existentes sobre os processos de neurodesenvolvimento.

O trabalho contou com a colaboração de Márcia Aparecida Sperança, professora do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) da UFABC, além de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Reading, no Reino Unido.

“Há estudos indicando que a infecção pelo Zika modifica a expressão de genes codificadores de uma família de proteínas conhecidas como conexinas, responsáveis por promover a adesão entre os neurônios e as células da glia. Mas as consequências desse fato para o desenvolvimento do cérebro não foram exploradas nesses artigos”, disse Kihara.

As células da glia podem ser divididas, de acordo com sua forma e função, em oligodendrócitos, astrócitos, células de Schwann, células ependimárias e micróglias. Estima-se que no sistema nervoso central existem aproximadamente 10 células da glia para cada neurônio, mas elas ocupam apenas metade do volume do tecido nervoso em decorrência do tamanho reduzido.

De acordo com Kihara, os neurônios que formam o córtex cerebral são majoritariamente originados na zona ventricular, uma região que delineia os ventrículos cerebrais, onde se encontram as células precursoras neurais em proliferação. Boa parte da diferenciação dos neurônios ocorre durante o processo de migração para o córtex e, para que isso aconteça adequadamente, as células da glia funcionam como uma espécie de trilho orientador do caminho.

“Neurônios e células da glia precisam estar aderidos entre si para que a migração ocorra. Nossa hipótese é que a alteração na expressão das conexinas torna o processo menos eficiente. E, de fato, há estudos mostrando que no cérebro de bebês expostos ao Zika durante a gestação há um número menor de neurônios no córtex”, afirmou Kihara.

Ainda com base na revisão da literatura científica, o grupo da UFABC sugeriu que a infecção congênita pelo Zika promove uma espécie de conversa cruzada entre duas diferentes vias de morte celular: a apoptose (morte celular programada) e a autofagia (quando a célula autodegrada suas estruturas externas).

“Durante o desenvolvimento do sistema nervoso central, é natural que ocorra tanto a proliferação como a morte de células. A apoptose é um mecanismo de morte controlada pelo qual o tecido se esculpe. No entanto, há estudos indicando que a infecção pelo Zika desregula a expressão de genes associados tanto à apoptose como à autofagia. Mas as consequências desse fato para o tecido ainda precisam ser investigadas”, afirmou Kihara.

Nova linha de pesquisa

Há cerca de uma década o grupo de Kihara tem se dedicado a estudar o papel dos genes codificadores das conexinas em diversos modelos de doenças que afetam o sistema nervoso central, como epilepsia e paralisia cerebral.

“Agora começamos a estudar também no contexto da infecção pelo Zika”, contou o pesquisador.

Em entrevista à Agência FAPESP, Walter explicou que o objetivo original de seu projeto de doutorado era investigar detalhes do desenvolvimento da retina e que começou a se interessar pelo vírus Zika quando foi descrito que a infecção também causa alterações no sistema visual.

“Comecei a ler sobre o Zika por mera curiosidade e o interesse foi crescendo. Acabamos fazendo neste artigo uma compilação dos principais achados e também sugerindo novas linhas de investigação”, disse a pesquisadora.

Em colaboração com Sperança e Kihara, a doutoranda pretende avaliar em modelos animais como a infecção pelo Zika interfere na migração de neurônios e na formação de novas sinapses.

“Há muitos trabalhos investigando de que forma o vírus causa a morte neuronal. Nós pretendemos avaliar como são afetados os neurônios que sobrevivem à infecção. Será que o vírus também altera a conectividade entre eles?”, questionou.

O artigo Evaluation of Possible Consequences of Zika Virus Infection in the Developing Nervous System pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12035-017-0442-5.

Agência FAPESP