O evento integrou a programação do 4th BRAINN Congress, organizado pelo Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.
Conhecida como The Graph Genome Suite, a metodologia em desenvolvimento permite criar genomas de referência na forma de grafos (diagramas), levando em consideração dados genéticos de uma população inteira.
“Atualmente, quando analisamos fragmentos de DNA, recebemos do sequenciador um quebra-cabeça com milhões de peças que precisam ser colocadas na ordem correta. Para isso, usamos um genoma de referência. O problema é que esse mapa em que nos baseamos foi feito com dados de alguns poucos indivíduos e não reflete, portanto, a complexidade genética da população brasileira”, explicou Benilton Carvalho, pesquisador do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Unicamp e membro do comitê gestor da BIPMed.
Como explicou Iscia Lopes-Cendes, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e integrante do BRAINN e da BIPMed, o genoma humano é altamente variável. “É possível encontrar trechos enormes duplicados ou ausentes quando comparamos diferentes indivíduos. E isso não necessariamente representa um problema, mas apenas uma variação normal”, afirmou.
Porém, quando no laboratório o pesquisador depara com um fragmento do genoma inexistente no mapa de referência, a tendência é que esse pedaço de informação seja desconsiderado. “Se a variante genética causadora de doença que estamos procurando estiver nesse trecho descartado, passará despercebida”, disse Cendes.
Como explicou Carvalho, a proposta da nova ferramenta é não mais montar o quebra-cabeça de forma linear, mas na forma de um diagrama. Desse modo, os trechos discordantes, em vez de desconsiderados, são adicionados como pontes alternativas ao caminho principal. Criam-se assim versões ligeiramente diferentes de um mesmo genoma de referência.
“Estamos trabalhando com a Seven Bridges em duas frentes: no desenvolvimento da metodologia em si e também fornecendo informações sobre o que observamos de diferente na população brasileira em comparação ao genoma de referência. Essa participação é fundamental para que a ferramenta, quando estiver pronta, também funcione para as pesquisas feitas no Brasil”, afirmou Cendes, uma das idealizadoras da BIPMed.
Google genômico
Outra novidade criada pela equipe de bioinformática da BIPMed e apresentada no workshop realizado em Campinas é uma ferramenta de busca para ser usada em bancos de dados genômicos.
“Hoje, quando um usuário acessa o banco de dados da BIPMed, consegue consultar, uma ou duas variantes, talvez 10. Mas consultar 20 mil, por exemplo, levaria tanto tempo que se tornaria inviável. A nova ferramenta auxilia esse tipo de busca programática. É uma espécie de Google para uso em banco de dados genômicos”, explicou Carvalho.
O software é de domínio público e já está disponível no site da Bioconductor, uma comunidade criada para o compartilhamento de programas de bioinformática do tipo open source (código aberto).
“Importante ressaltar que essa ferramenta não serve apenas para os dados da BIPMed. Ela é capaz de se conectar a qualquer base de dados federada que utilize os padrões estabelecidos pelo consórcio Global Alliance for Genomics and Health (GA4GH), basta informar o endereço do servidor”, contou Carvalho.
Primeira iniciativa do gênero na América Latina, o banco de dados genômicos da BIPMed já reúne informações de 254 indivíduos da região de Campinas, interior de São Paulo. Os voluntários – que representam uma população de referência (não são pacientes) – passaram pelo sequenciamento completo do exoma (parte do genoma onde ficam os genes codificadores de proteína e, portanto, onde há mais chance de ocorrerem mutações causadoras de doenças) ou tiveram seu material genético analisado por meio de uma tecnologia denominada microarranjos.
Segundo Cendes, recentemente começaram a ser incluídas na base de dados também informações de pacientes com epilepsia atendidos no serviço de saúde da Unicamp. “Já entraram 17 diferentes mutações no gene SCN1A, um dos mais associados com a doença. A expectativa é que o número cresça rapidamente”, disse Cendes.
Em breve, serão incluídos dados de pacientes com fissuras labiopalatinas sindrômicas e não sindrômicas e de mutações relacionadas ao câncer de mama.
Alcance nacional
Com o objetivo de estabelecer condições para implantar a medicina de precisão no Brasil, a BIPMed foi criada em 2015 por pesquisadores do BRAINN e de outros quatros CEPIDs da FAPESP: Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (CCES), Centro de Pesquisa em Terapia Celular (CTC), Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) e Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID).
A iniciativa tem ganhado protagonismo internacional e já representa o Brasil em consórcios importantes da área, como o GA4GH e o The Human Variome Project, vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“No final de 2016, participamos de um encontro de iniciativas nacionais de medicina genômica organizado pelo GA4GH em Vancouver, no Canadá. A ideia era que cada grupo apresentasse o trabalho que vem fazendo individualmente, para que a experiência de um possa ajudar os demais”, contou Cendes.
Também estavam presentes representantes da Australian Genomics Health Alliance (Austrália), France Genomic Medicine Plan 2025 (França), Genomics England (Inglaterra), Genome Canada (Canada), H3Africa (continente africano), Japan Agency for Medical Research and Development (Japão), US Precision Medicine Initiative (Estados Unidos) e The US Cancer Moonshot (Estados Unidos).
“Todos os grupos presentes eram ligados ao sistema de saúde de seu país de origem – em muitos casos, o sistema público de saúde. A BIPMed era a única iniciativa financiada por uma agência de fomento à pesquisa. E isso com o tempo precisa mudar, pois vai chegar um momento em que vamos deixar de produzir artigos científicos e começar a produzir serviços de assistência à saúde. Nesse momento, vamos precisar de outras fontes de financiamento”, afirmou Cendes.
Na avaliação da pesquisadora, os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda resistem em reconhecer a medicina genômica como algo que possa ser aplicado na rede pública ou algo que tenha utilidade prática, o que considera uma visão defasada.
“Existe a ideia de que os dados genômicos só são úteis para diagnosticar e tratar doenças raras. No entanto, em centros particulares de ponta, a medicina genômica já tem sido usada no estadiamento e na definição do tratamento de doenças comuns, como o câncer. Isso evita que o paciente receba um tratamento mais agressivo que o necessário e economiza recursos”, argumentou.
Para Peter Goodhand, diretor executivo do GA4GH, a BIPMed deu um primeiro grande passo para trazer para o Brasil e toda a América Latina o “poder e a promessa da medicina genômica”. “É importante que continue a crescer em termos de participação e alcance, e isso exigirá uma forte liderança e financiamento de múltiplos parceiros, tanto em nível regional como também nacional”, avaliou.
Agência FAPESP