Isso pode evitar a perda de peso dos rebanhos no período da seca, além de aumentar o sequestro de carbono da atmosfera e a ciclagem de nutrientes no solo”, afirmou o professor da FCA-Unesp Carlos Alexandre Costa Crusciol, coordenador da pesquisa.
Nos últimos 15 anos, com apoio da FAPESP, o grupo de Crusciol tem se dedicado a estudar o plantio consorciado de culturas graníferas, como milho, soja e sorgo, e gramíneas tropicais, como o capim-marandu (Urochloa brizantha) e o capim-mombaça (Panicum maximum). Um dos objetivos é propor sistemas integrados de cultivo lavoura-pecuária como alternativa na recuperação de áreas degradadas e como forma de otimizar o uso da terra na agricultura.
Resultados já foram divulgados em revistas como European Journal of Agronomy, Crop & Pasture Science, Crop Science e em diversos artigos publicados no Agronomy Journal em 2012, 2013 e 2015, entre outros.
Em trabalhos recentes realizados durante o doutorado de Gustavo Pavan Mateus, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA/Andradina), e de Nídia Raquel Costa, da FCA-Unesp, os pesquisadores compararam o cultivo do sorgo granífero consorciado com o capim-marandu e com o capim-mombaça. A investigação contou com a colaboração de pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp em Botucatu, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e da Universidade Estadual da Carolina do Norte (Estados Unidos).
O objetivo era avaliar qual das duas espécies de capim apresenta melhores resultados em termos de estresse por competição de nutrientes, maior produtividade de grãos e de massa seca e eficiência do uso do solo.
De acordo com Crusciol, os experimentos mostraram que o capim-marandu compete menos com o sorgo por nutrientes e proporciona melhores resultados na produção de grãos. “Nesse caso, a produtividade ficou em níveis similares aos obtidos pelo cultivo do sorgo solteiro [não consorciado]. Já o capim-mombaça é mais agressivo [rouba mais nutrientes do sorgo] e fez reduzir a produtividade de grãos, mesmo com uso da adubação nitrogenada”, contou o pesquisador.
Os experimentos mostraram ainda que, para obter os melhores resultados, é preciso aumentar em pelo menos 50% a adubação nitrogenada de cobertura em relação ao que é recomendado para o cultivo do sorgo “solteiro” pelo Instituto Agronômico (IAC) por meio do Boletim 100. Até então, não havia na literatura científica parâmetros para uso de nitrogênio em plantio consorciado de sorgo.
Metodologia
No esquema testado pelo grupo de Crusciol, o sorgo é semeado em novembro, a 4 centímetros (cm) de profundidade. Com os fertilizantes, são colocadas as sementes de capim cerca de 7 cm abaixo da superfície do solo.
“O sorgo emerge de sete a 10 dias antes do capim e, assim, passa a dominar a competição por nutrientes. A gramíneas ficam abaixo do dossel das plantas de sorgo, recebendo pouca luz e se desenvolvendo lentamente”, contou o pesquisador.
Após aproximadamente 120 dias, é feita a colheita dos grãos, as plantas de sorgo entram no fim do seu ciclo de vida e começam a secar. Nesse momento, o capim já formado passa a cobrir toda a área, que pode ser usada como pasto.
“Normalmente, 30 ou 40 dias depois da colheita dos grãos já é possível usar a área como pasto. Os animais podem se alimentar durante todo o outono e inverno, período em que a produção de pastagem no país cai muito por causa da seca. Essas gramíneas, por serem jovens e possuírem raízes que vão a 2 metros de profundidade, são mais tolerantes ao período seco, característico dessas estações”, explicou Crusciol.
No início da primavera, os animais devem ser retirados da área e o agricultor deve esperar 20 dias para que o pasto rebrote. Após esse período, pode ser aplicado um herbicida para dessecar a planta.
“O capim morre e vira palha, que ajuda a manter a umidade do solo, Também contém nutrientes que serão devolvidos ao solo por meio de reciclagem. É uma forma de trazer para a superfície do solo os nutrientes que estavam se perdendo em profundidades maiores, uma vez que as raízes do sorgo atingem profundidades menores que as dos capins, reduzindo a lixiviação dos nutrientes e evitando possível contaminação dos lençóis freáticos. Além disso, esse sistema protege o solo contra a erosão e, consequentemente, evita o assoreamento dos rios”, disse o pesquisador.
Após a dessecação dos capins, o ciclo se reinicia com o plantio direto de culturas graníferas. “Pode ser o próprio sorgo no mês de novembro, bem como feijão, soja, milho, arroz ou algodão”, disse.
Segundo Crusciol, esse sistema poderia funcionar em diversas regiões do Estado de São Paulo – como Araraquara, Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Também é interessante para todo o Cerrado brasileiro e para o continente africano, onde o clima é muito parecido com o do Brasil.
“Essas duas espécies de capins testadas são originárias da África e certamente o sistema de produção tem potencial para se desenvolver bem lá. Outro fator que torna o plantio consorciado interessante para o continente africano é que lá o sorgo é usado na alimentação humana. Já no Brasil, assim como nos demais países da América do Sul e do Norte, Europa e Austrália, os grãos são usados principalmente na alimentação animal”, explicou.
Crusciol também acredita que outros locais com clima tropical e subtropical, como Austrália e a região sul dos Estados Unidos, poderiam se beneficiar do sistema de plantio consorciado. Atualmente, o sorgo é o quinto cereal mais produzido no mundo, ficando atrás do trigo, do milho, do arroz e da cevada. Umas das vantagens da planta em relação ao milho e à soja, por exemplo, é a maior tolerância ao estresse hídrico e a solos de menor fertilidade.
Repercussão
Após a divulgação do artigo no Agronomy Journal, a pesquisa também foi destaque na revista de divulgação científica CSA News e acabou por se tornar o primeiro estudo da Unesp a ser publicado como uma “web story”, ou seja, uma matéria jornalística divulgada nos sites da American Society of Agronomy (ASA), Crop Science Society of America (CSSA) e Soil Science Society of America (SSA). Segundo Crusciol, também foi divulgada junto a veículos de notícias ligados ao meio rural nos Estados Unidos.
Na avaliação do pesquisador, esse sistema de integração de cultivos, embora já esteja sendo bem difundido no Brasil, é considerado inovador nos Estados Unidos.
“Antigamente, havia receio de que os capins pudessem competir com as culturas graníferas e acabar se tornando plantas daninhas. Nós mostramos que é possível tornar essa competição muito pequena e, além de produzir os grãos, produzir pasto para a pecuária. Ou então usar essa biomassa para geração de bioenergia. De qualquer forma, o agricultor torna a área útil durante um período em que, normalmente, ela ficaria ociosa”, concluiu.
Agência FAPESP