Os resultados descrevem uma floresta modificada de forma constante por milhões de índios.
Levi e seus coautores examinaram, pela primeira vez, correspondências entre dados arqueológicos e botânicos, graças a dois extensos bancos de dados. Um compilado pelos arqueólogos Eduardo Tamanaha, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, e André Junqueira, agora em estágio de pós-doutorado na Universidade de Wageningen, que inclui dados de mais de 3 mil sítios arqueológicos. O outro foi criado pelo botânico Hans ter Steege, do Centro de Biodiversidade Naturalis, também da Holanda, formando uma rede de pesquisadores que fizeram inventários botânicos em 1.170 parcelas de amostragem na Amazônia, listando mais de 4 mil espécies de árvores.
Até 2013, o projeto de pesquisa contou com o apoio da FAPESP no âmbito de um acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), tendo como pesquisador responsável Javier Tomasella http://www.bv.fapesp.br/pt/pesquisador/2414/javier-tomasella/.
As diferenças na composição florística entre onde já houve povoamentos e áreas mais distantes são tão marcantes que Carolina acredita poder usar a composição da flora como assinatura para localizar sítios arqueológicos. Levando em conta as árvores atuais, a pesquisadora do Inpa chegou a detectar 85 espécies usadas e domesticadas pelos índios, como o açaí-do-mato, a castanha-do-pará e a seringueira.
A abundância das plantas usadas pelos índios ainda sugere que muitas domesticações aconteceram no sudoeste da Amazônia, onde também teriam surgido famílias linguísticas importantes, como o Tupi e o Arawak. “Esses grupos podem ter levado as plantas por grandes distâncias”, sugere Carolina. A correlação entre árvores hiperdominantes – aquelas que aparecem em abundância desproporcional – e indícios de populações humanas antigas é mais forte no sudoeste da Amazônia, como Rondônia, e também na região da foz do Amazonas, mas conclusões definitivas esbarram em amplas extensões desconhecidas – tanto do ponto de vista florístico quanto arqueológico.
Uma das dificuldades é saber se a distribuição das árvores foi realmente alterada por gerações e gerações de índios, ou se os povos se estabeleceram exatamente onde havia recursos valiosos para eles. Carolina aposta na primeira alternativa. “Encontramos árvores com preferências ecológicas distintas vivendo nas mesmas parcelas de amostragem, algo improvável de acontecer naturalmente.”
Ela se preocupa com a pressão de desmatamento exatamente onde essas plantas são mais abundantes. “As linhagens silvestres das plantas usadas pelos índios estão nessa região, e preservar essa diversidade genética também é importante para a segurança alimentar”, afirma. O arqueólogo Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e um dos coautores do estudo, ressalta que os padrões da floresta também guardam registro de práticas humanas. “Um castanhal desmatado significa uma forma de conhecimento da floresta que desapareceu”, afirma.
O artigo Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition, publicado na Science, está disponível em http://science.sciencemag.org/content/355/6328/925.
Revista Pesquisa FAPESP