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Um fenômeno cósmico de dimensões colossais – resultante da aceleração de uma nuvem gasosa por buraco negro e de sua reaceleração pelas ondas de choque decorrentes da fusão de dois aglomerados de galáxias – acaba de ser observado, descrito e interpretado por uma colaboração internacional de astrônomos, com a participação de três brasileiros: Felipe Andrade-Santos, Vinicius Moris Placco e Rafael Miloni Santucci. Andrade-Santos e Placco foram bolsistas da FAPESP. E Santucci participa do projeto temático “Mosaic: the multi-object spectrograph for the ESO extremely large telescope”, coordenado por Silvia Cristina Fernandes Rossi, e também apoiado pela FAPESP.
Os três assinam, juntamente com colegas de outros países, o artigo “The case for electron re-acceleration at galaxy cluster shocks”, publicado, em janeiro deste ano, como matéria de capa no primeiro número da revista Nature.

“Os elétrons que compõem a nuvem são inicialmente rebatidos pelo buraco negro supermassivo existente no centro de uma das galáxias. E ganham aceleração com isso. Depois, recebem uma segunda aceleração ao serem atingidos pela onda de choque que se propaga no aglomerado de galáxias quando este colide com outro aglomerado”, disse Andrade-Santos à Agência FAPESP. O pesquisador é atualmente pós-doutorando no Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, nos Estados Unidos.

GalaxiaOs aglomerados são formados por acréscimo gravitacional de matéria e por fusões com outros aglomerados e grupos de galáxias. Nessas fusões, cujas velocidades geralmente superam a velocidade de propagação do som no meio, ondas de choque são geradas. E são essas ondas de choque, que se propagam pelo aglomerado por centenas de milhões de anos, que eventualmente reaceleram partículas já previamente aceleradas nos centros das galáxias, onde se encontram buracos negros supermassivos.

A colisão investigada no estudo em pauta é a dos aglomerados Abell 3411 e Abell 3412, localizados a cerca de 2 bilhões de anos-luz da Terra. Ambos são enormes, com milhões de anos-luz de extensão. E muito massivos, cada qual com aproximadamente 1 quatrilhão de vezes a massa do Sol. Mas o gás de partículas que compõe o aglomerado é extremamente rarefeito, mais rarefeito do que qualquer vácuo produzido em laboratório na Terra, apresentando densidade da ordem de 10-3 a 10-2 partículas por centímetro cúbico.

“Durante a formação do aglomerado, colisões entre partículas do gás que compõe o aglomerado fazem com que a temperatura do meio alcance o patamar de 100 milhões de graus Celsius”, informou Santos.

Devido à altíssima temperatura do gás, a velocidade de propagação do som no meio é da ordem de mil quilômetros por segundo – quase 3 mil vezes maior do que a velocidade de propagação do som na atmosfera terrestre (343 metros por segundo, ao nível do mar e na temperatura de 20 graus Celsius). Mas a velocidade de colisão dos aglomerados pode chegar a ser duas a três vezes maior, de 2000 a 3000 km/s. E é isso que produz as ondas de choque que reaceleram as partículas.

A reaceleração de partículas previamente aceleradas faz com que passem a emitir radiação eletromagnética na banda de frequências do rádio. Essa emissão em rádio era um mistério que vinha desafiando os astrônomos há cerca de duas décadas. Foi agora desvendado pela pesquisa em questão.

“A primeira detecção de emissões em rádio provenientes das regiões onde ocorrem os choques de aglomerados foi feita há quase 20 anos. Porém, não se sabia explicar como os elétrons eram acelerados ao ponto de emitirem radiação nessa faixa de frequência. Foi tentado um modelo no qual o gás era comprimido pelo choque, fazendo com que as partículas ganhassem energia. Mas as contas não batiam, pois as partículas precisariam ganhar muito mais energia por meio do choque do que era esperado a partir das observações astronômicas”, relatou o pesquisador.

“Trabalhamos com a hipótese da existência prévia de uma população de elétrons de alta energia, que precisariam apenas de um ‘empurrão’ final para emitirem em rádio. E isso foi confirmado por nosso estudo. As observações do choque desse par de aglomerados mostraram que a emissão em rádio estava conectada com o jato da galáxia, tornando claro que os elétrons haviam sido inicialmente acelerados pelo buraco negro, que produzira o jato, e, depois, reacelerados pela onda de choque”, continuou.

“Analisando em detalhes a emissão em rádio, percebemos que os elétrons perdiam energia ao longo do jato e voltavam a ganhar energia na região do choque. O diferencial de nosso trabalho foi encontrar, pela primeira vez, a conexão física entre os dois fenômenos. Com a dupla aceleração, as partículas se tornam um milhão de vezes mais energéticas, passando do patamar do quilo-elétron-volt (keV) para o patamar do giga-elétron-volt (GeV)”, concluiu.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores reuniram informações providas por um formidável conjunto de equipamentos. O telescópio espacial Chandra, que opera na faixa do raio X, informou a localização do choque entre os dois aglomerados. O GMRT (Giant Metrewave Radio Telescope), instalado em Pune, na Índia, que opera na faixa do rádio, permitiu relacionar a emissão em rádio com uma galáxia, informando a origem dos elétrons. O Soar (Southern Astrophysical Research Telescope), instalado em Cerro Pachón, no Chile, que opera na faixa da luz visível e do infravermelho, possibilitou calcular a distância da galáxia emissora, mostrando que ela de fato pertencia a um dos aglomerados. O telescópio japonês Subaru, instalado em Mauna Kea, no Havaí, que opera na faixa da luz visível e do infravermelho, forneceu a imagem óptica das galáxias. E o telescópio duplo norte-americano Keck, também instalado em Mauna Kea, no Havaí, e também operando na faixa da luz visível e do infravermelho, deu os espectros das galáxias identificadas pelo Subaru.

As contribuições de Placco e Santucci foram fundamentais para a coleta e tratamento dos dados obtidos por meio do Soar. A participação neste e em outros equipamentos instalados no Chile, que mudou o perfil da astronomia brasileira, tem sido fortemente apoiada pela FAPESP (leia mais em http://agencia.fapesp.br/24475/ e em http://agencia.fapesp.br/23891/) .

O estudo agora publicado enriquece a compreensão da estrutura do Universo em grande escala. Sabe-se que essa estrutura consiste em vastos espaços vazios, cercados por gigantescos filamentos de matéria, constituídos por nuvens de gás e galáxias. Os aglomerados localizam-se nas intersecções dos filamentos e crescem ao incorporarem gás e ao se fundirem com outros aglomerados e grupos de galáxias. No processo de fusão, ondas de choque são geradas e se propagam pelos aglomerados, reacelerando partículas previamente aceleradas por buracos negros supermassivos existentes nos centros de galáxias.

“Nosso trabalho tem duas implicações diretas. Primeira, que as simulações de aglomerados de galáxias devem incorporar essa população de elétrons de altas energias. Segunda, que os experimentos em laboratórios que visam simular as condições dos aglomerados devem levar em conta essas partículas relativísticas. No futuro, deveremos detectar mais casos como o estudado para entender melhor os detalhes. Este foi o primeiro caso, mas, com o advento de instrumentos mais poderosos, poderemos medir o fenômeno em vários outros aglomerados”, ponderou Andrade-Santos.

O pesquisador refere-se a novos projetos, como o do telescópio em raio X Lynx, cogitado como sucessor do Chandra. Se o equipamento for aprovado para ser financiado pela Nasa, aumentará enormemente a capacidade de observação de choques entre aglomerados de galáxias, trazendo importantes aportes para o mapeamento do Universo.

Agência FAPESP