O trabalho foi feito com um grupo de anfíbios de ampla distribuição na América do Sul, encontrados no norte da Argentina e Paraguai, estendendo-se por praticamente todo o território brasileiro e indo até as Guianas e a Venezuela.
As diferentes espécies de sapos do complexo granuloso habitam biomas tão díspares como o Cerrado e a Mata Atlântica, a Caatinga e o Pantanal, o Pampa e a Amazônia. Tamanha distribuição geográfica é um atestado da capacidade adaptativa do grupo, capaz de sobreviver em climas mais úmidos ou mais secos – a variabilidade da umidade no ambiente é, talvez, o principal fator limitante à sobrevivência dos anfíbios.
A grande capacidade adaptativa dos sapos foi o que determinou a escolha deste grupo para o estudo feito pelos alunos de pós-doutorado Monique Simon e Fabio de Andrade Machado e pelo supervisor de ambos, o professor Gabriel Marroig Zambonato, do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo. Os estudos do grupo contaram com apoio da FAPESP.
Investigar e detectar diferenças adaptativas nas diversas espécies de sapos de complexo granuloso que vivem em biomas diferentes é uma forma de compreender como, no passado, seus ancestrais responderam às pressões do meio ambiente.
“O trabalho busca entender duas questões. A primeira é saber como a seleção natural associada ao clima atua sobre um fenótipo complexo”, explica Marroig. Fenótipos são as características observáveis ou caracteres de uma espécie. Fenótipos complexos são processos que envolvem diversos caracteres e fatores.
Como a seleção natural é uma via de mão dupla, na qual as espécies respondem às pressões do meio com as ferramentas de que dispõem (genes, morfologia, comportamento etc.), a segunda questão que a pesquisa procura entender é, no caso dos sapos de complexo granuloso, como um fenótipo complexo responde à seleção natural associada ao clima.
As 11 espécies analisadas se diferenciam morfologicamente pelos formatos do crânio e do rostro (parte frontal da cabeça), explica Monique Simon. “Uma das hipóteses que trabalhamos é que a diferenciação do crânio e do rostro seria fruto da seleção natural relacionada ao clima”, disse.
Foram feitas tomografias de 1.034 espécimes das 11 espécies. A partir das imagens, os pesquisadores mediram comprimentos dos ossos do crânio de cada espécime. As medidas foram empregadas como variáveis dependentes em uma análise estatística multivariada, que incluiu, como demais variáveis, cinco índices climáticos dos biomas das 11 espécies.
Os pesquisadores empregaram variáveis climáticas como sazonalidade da temperatura, sazonalidade da chuva, chuva anual, variação diária da temperatura e temperatura média do trimestre mais quente.
O resultado da análise estatística agrupou os espécimes em dois grandes grupos. Um deles reuniu os animais com rostro mais comprido e os ossos que elevam a mandíbula mais curtos. Os espécimes deste grupo pertencem a espécies que habitam biomas mais quentes e secos, como a Caatinga e o Cerrado.
Já o outro grupo englobou os animais com rostro mais curto e os ossos que elevam a mandíbula mais compridos. Tais animais habitam biomas com menor sazonalidade da chuva, mais frios e úmidos, como o Chaco oriental e os Pampas.
A análise multivariada comprovou que, no caso dos sapos de complexo granuloso, a seleção natural associada ao clima atua sobre um fenótipo complexo, no caso a morfologia craniana, variando de acordo com a maior ou menor umidade do ambiente. “Quanto mais seco, mais comprido o rostro. Quanto mais úmido, mais curto é o rostro”, disse Marroig.
Restrição evolutiva
Na via de mão dupla da seleção natural, a segunda questão investigada no trabalho era saber como um fenótipo complexo responderia à seleção natural associada ao clima. “A seleção associada ao clima atuou na forma do crânio para alterar a sua forma. Só que a maior parte da resposta das espécies não foi na direção da seleção”, disse Simon.
Marroig conta que não foram apenas os ossos do rostro e os que sustentam a mandíbula que aumentaram ou diminuíram de acordo com a pressão climática. “Todos os ossos do crânio aumentaram, nos casos em que a pressão do clima mais seco levou as espécies de sapos a selecionarem rostros mais compridos”, disse.
“De outro lado, todos os ossos do crânio diminuíram nos casos em que a pressão do clima mais úmido levou as espécies a selecionarem rostros mais curtos”, disse o professor do IB-USP.
Os pesquisadores observaram que, por se tratar de um fenótipo complexo, a morfologia craniana dos sapos variou como um todo. A seleção para o aumento ou diminuição de um ou mais ossos afetou todo o conjunto.
“Nossa pesquisa indica que, apesar de as espécies de sapos responderem à pressão associada ao clima por meio da mudança no comprimento de alguns ossos do crânio, praticamente todas as diversificações observadas foram governadas por restrições evolutivas”, disse Marroig.
O artigo High evolutionary constraints limited adaptive responses to past climate changes in toad skulls (doi: 10.1098/rspb.2016.1783), de Monique Nouailhetas Simon, Fabio de Andrade Machado e Gabriel Marroig, publicado na Proceedings of the Royal Society B, está disponível em http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/283/1841/20161783.
Agência FAPESP