Os testes foram realizados in vitro – ou seja, em tubos de ensaio, na bancada do laboratório –, com células de macacos, conhecidas como Vero, e ainda precisam passar, no futuro, por testes em animais, antes de atingir a fase clínica, quando serão realizados testes com humanos.
O objetivo do estudo foi avaliar o potencial antiviral da lactoferrina nas infecções pelos vírus Zika e Chikungunya, para, quem sabe, identificar mecanismos biológicos no ciclo de vida desses vírus que permitam o desenvolvimento de intervenções terapêuticas contra essas doenças. “Para verificar se a presença da lactoferrina é capaz de atrapalhar a vida dos vírus da Zika e Chikungunya, adicionamos a proteína em vários momentos da infecção: antes do vírus entrar na célula, durante o contato inicial com a célula hospedeira e depois que ele já estava em seu interior”, descreve o coordenador do estudo, Carlos Alberto Marques de Carvalho, que cursa seu pós-doutorado na Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do IEC.
Os experimentos foram realizados ao longo de 2015 e 2016 na instituição paraense. A UniRio e a UFRJ participaram do estudo com colaborações técnicas. A partir dessa interação acadêmica, o projeto foi contemplado pela FAPERJ por meio de um Auxílio à Pesquisa (APQ 1) e do edital Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro, solicitado por um dos coautores do estudo, o biólogo Rafael Braga Gonçalves. Ele é coordenador do Laboratório de Bioquímica Estrutural (LBE) do Instituto Biomédico da UniRio. “Trabalhamos em uma rede de pesquisa e essa articulação foi nosso diferencial”, conta Gonçalves. “Os estudos sugerem que a atividade antiviral da lactoferrina ocorre porque ela interfere nos mecanismos de adesão celular e, consequentemente, dificulta a replicação dos vírus”, completa.
A lactoferrina foi inicialmente isolada por cientistas a partir do leite humano e bovino, nos anos 1960. Ela também é encontrada em diversas secreções de mucosas, como nas lágrimas, na saliva e nos fluidos vaginais. Essa proteína tem um papel importante na defesa imunológica contra um amplo espectro de micro-organismos, incluindo bactérias, protozoários, fungos e vírus, e ajuda no transporte de ferro nas células. “Trabalhamos com a lactoferrina extraída do leite bovino porque ela pode ser encontrada abundantemente no Brasil, que é o quinto produtor mundial desse produto”, justifica Gonçalves.
Carlos Alberto Marques de Carvalho, do IEC, coordena o
estudo, realizado com a UFRJ e a UniRio (Foto: Divulgação)
A ideia de trabalhar com leite bovino surgiu durante o período que Gonçalves foi professor e pesquisador na pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Leite e Derivados da Universidade do Norte do Paraná (Unopar). “Na Unopar, comecei a investigar, em 2005, o comportamento da lactoferrina quando submetida a altas temperaturas, durante o processo de pasteurização do leite. Na época, alguns estudos sugeriam que essa proteína teria ação antiviral. Para testar essa possibilidade, comecei a trabalhar em parceria com a professora Andréa Cheble de Oliveira, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), da UFRJ”, relembra.
Na ocasião, Carlos Alberto Marques de Carvalho cursava o doutorado no IBqM, sob orientação do professor Andre Marco de Oliveira Gomes, e passou a estudar os efeitos da lactoferrina na inibição de infecções causadas pelo vírus Mayaro – encontrado predominantemente na região amazônica e, assim como os vírus Zika, Chikungunya, da dengue e da febre amarela, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. “Em 2014, publicamos juntos um artigo na revista científica americana Virology, mostrando que a lactoferrina inibia a infecção causada pelo vírus Mayaro. O estudo foi coordenado por Andre Marco e o autor principal do artigo foi Carlos Alberto. Observamos que a lactoferrina foi capaz de inibir 80% da inibição por Mayaro”, recorda Gonçalves.
Depois, Carlos Alberto mudou seu endereço profissional para o Instituto Evandro Chagas, mas a parceria continuou. Foi então que eles decidiram se dedicar ao atual projeto de pesquisa, investigando a ação da lactoferrina contra a Zika e a Chikungunya, dessa vez sob a supervisão do diretor do IEC, Pedro Vasconcelos. “Observamos que, durante o contato do vírus com a célula, o efeito inibidor da lactoferrina para o vírus Chikungunya foi de 70% e, para o vírus Zika, foi de 75%”, detalha Carlos Alberto. “Temos evidências de que a lactoferrina reduz a interação com algum receptor da célula onde ela se liga, afetando a capacidade desses vírus de entrar na célula”, acrescenta.
No futuro, os cientistas esperam utilizar apenas um pequeno fragmento da lactoferrina para desenvolver medicamentos contra esses vírus. “Precisamos ter continuidade de investimentos para que esse projeto avance, seja aprovado pelo Comitê de Ética do Ministério da Saúde e passe pela fase de testes em animais. Queremos investigar quais as menores regiões dessa proteína capazes de ter um efeito antiviral, já que será mais fácil para o organismo absorver a lactoferrina a partir das menores partículas possíveis”, conclui Carvalho. O estudo resultou em um artigo que foi submetido recentemente para publicação na revista científica americana PLOS One. Também participam da pesquisa o doutorando em virologia Samir Casseb e a pesquisadora Eliana Pinto, ambos do IEC.
Assessoria de Comunicação FAPERJ