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Além de usar pedras para diversas finalidades, como quebrar frutos e, dessa forma, conseguir extrair a parte comestível, os macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, costumam bater uma pedra contra a outra, presa a uma rocha, com força e repetidamente, a fim de quebrá-la. Ao conseguirem isso, os animais lambem e cheiram o pó de quartzo resultante da fragmentação do mineral.
Esse comportamento dos macacos-prego gera, às vezes, lascas de pedra afiadas e conchoidais, com superfícies lisas e curvas, semelhantes à superfície interna de uma concha marinha – resultantes de múltiplas percussões (batidas) –, que caem no chão e não são usadas pelos animais.

Ao analisar mais detidamente essas lascas de pedra produzidas inadvertidamente pelos macacos-prego, pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), em colaboração com colegas da Faculdade de Arqueologia da University of Oxford e da University College London, da Inglaterra, constataram que algumas delas são muito semelhantes a ferramentas líticas talhadas em rochas pelos ancestrais dos humanos (hominídeos) durante o período Paleolítico ou da pedra lascada, há 2,6 milhões de anos a.C.

A pesquisa se desenvolveu com apoio da FAPESP no âmbito do Projeto Temático "Uso de ferramentas por macacos-prego (Sapajus libidinosus) selvagens", coordenado pelo professor Eduardo Ottoni.

Os resultados do estudo foram publicados nesta quarta-feira (19/09) na edição on-line da revista Nature.

"Constatamos que algumas lascas de pedra produzidas acidentalmente pelos macacos-prego são muito parecidas com as ferramentas líticas olduvaienses", disse Tiago Falótico, pós-doutorando no Instituto de Psicologia da USP e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.

As ferramentas olduvaienses são assim chamadas por terem sido encontradas em meados do século XX na região da Garganta de Olduvai, na Tânzania. São consideradas como algumas das mais antigas ferramentas de pedra lascada, com até 2,6 milhões de anos de idade, e atribuídas aos Homo habilis – um dos primeiros representantes do gênero Homo, que inclui os humanos modernos.

Falótico, que realiza pós-doutorado com Bolsa da FAPESP, e seu orientador, o professor Eduardo Ottoni, estudam há tempos o comportamento de macacos-prego e, especificamente, o uso de ferramentas por esses primatas da espécie Sapajus libidinosos no Parque Nacional da Serra da Capivara.

Durante seus estudos, eles observaram os animais baterem pedras e depois cheirar e lamber o pó de quartzo restante da fragmentação. Mas ainda não conseguiram identificar por que fazem isso.

“Nossas observações sugerem que os macacos podem estar ingerindo o pó de quartzo ou líquens que estão sobre as pedras, uma vez que as pedras em si só têm sílica”, afirmou Falótico.

O pesquisador começou ainda durante o seu doutorado, também realizado com Bolsa da FAPESP e sob a orientação de Ottoni, a coletar as pedras batidas pelos animais – incluindo as que usaram como martelo e os fragmentos desprendidos da rocha.

Os fragmentos de pedra, juntamente com material arqueológico obtido por ele e Ottoni nos últimos anos durante escavações para um estudo sobre arqueologia primata, integrante do Temático apoiado pela FAPESP, foram analisados pelo arqueólogo Tomos Proffitt, pesquisador da Faculdade de Arqueologia da University of Oxford e especialista em ferramentas líticas olduvaienses, e Michael Haslam, pesquisador do Instituto de Arqueologia da University College London, associados ao projeto.

Os resultados das análises indicaram que as lascas de pedras produzidas involuntariamente pelos macacos-prego têm todas as características e formas das ferramentas líticas produzidas deliberadamente pelos hominídeos.

As lascas de pedras apresentam formato conchoidal, com diferentes graus de dano por percussão (batida) e pequenos pontos de impacto, cercados por cicatrizes circulares ou crescentes, e bordas afiadas.

“Os paleoantropólogos [que combinam conhecimentos da paleontologia e da antropologia para estudar fósseis de hominídeos, assim como as evidências deixadas por eles] usam essas características de lascas de pedra afiadas tanto para distingui-las das pedras naturalmente quebradas, como para atribuí-las aos hominídeos, que produziam pedras com essas formas intencionalmente para usá-las como ferramentas”, disse Falótico.

Uma vez que as lascas de pedra produzidas acidentalmente pelos macacos-prego são muito semelhantes às ferramentas líticas feitas deliberadamente pelos hominídeos, os pesquisadores chamam atenção para o fato de que, se encontradas isoladamente fora de um sítio arqueológico hominídeo, esse material poderia ser confundido com artefatos líticos produzidos pelos ancestrais dos humanos.

“Quando lascas de pedra afiadas são encontradas em um sítio arqueológico geralmente é mais fácil atribuí-las como sendo ferramentas líticas produzidas intencionalmente por hominídeos, porque, geralmente, há muitos núcleos de pedra e indícios de ocupação humana, como fogueiras”, avaliou Falótico. “Mas, quando encontradas isoladamente e se os registros arqueológicos são mais esparsos, eventualmente podem ter sido produzidas não necessariamente pelos ancestrais humanos”, ponderou.

Percussão com pedra

De acordo com os pesquisadores, já existiam outros registros de primatas que batem pedras e, ao fazer isso, podem produzir acidentalmente fragmentos semelhantes a ferramentas líticas.

Em 2007, um grupo de pesquisadores do Canadá, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos identificou, com base em evidências coletadas no único assentamento pré-histórico de chimpanzés conhecido no mundo – situado na selva tropical úmida de Tai, na Costa do Marfim –, que chimpanzés do oeste africano (Pan troglodytes verus) usavam instrumentos de pedra há 4,3 mil anos para quebrar frutas secas.

Os fragmentos de pedra produzidos pelos chimpanzés ao bater uma pedra contra a outra, contudo, não tinham as características dos produzidos intencionalmente pelos hominídeos.

“Ao tentar quebrar um coco com uma pedra, por exemplo, os animais acabavam acertando acidentalmente a pedra colocada debaixo do fruto, usada como bigorna”, explicou Ottoni.

Segundo o pesquisador, outras espécies de macacos, como o macaco cinomolgo (Macaca fascicularis) e o macaco-japonês (Macaca fuscata) também batem pedras. Mas o macaco-prego é o único observado até o momento que bate pedra com a finalidade de danificar outra, apontaram.

“A população de macacos-prego que estudamos na Serra da Capivara tem um repertório de uso de ferramentas não só de pedra, mas também de madeira, por exemplo, mais complexo do que qualquer primata”, comparou Ottoni.

“Além de usar ferramentas líticas percussivas, como pedras, para quebrar castanha-de-caju e coco, por exemplo e, como observamos agora, para danificar outra pedra, eles também usam varetas feitas de galhos de árvores como sondas para tirar lagartos ou insetos de suas tocas e se alimentar”, afirmou.

O vídeo dos macacos-prego batendo pedras pode ser visto em www.youtube.com/watch?v=bIdnj5uWpPA&feature=youtu.be.

E o artigo “Wild monkeys flake stone tools” (doi: 10.1038/nature20112), de Proffitt, Luncz, Falótico, Ottoni, la Torre e Haslam, pode ser lido por assinantes da revista Nature em www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature20112.html.

Agência FAPESP