vinculada à modalidade de auxílio Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, que uma espécie de abelha conhecida popularmente como “abelha das orquídeas” (Euglossa melanotricha) também adota estratégias semelhantes.
As fêmeas dominantes das abelhas das orquídeas concedem às fêmeas subordinadas de sua espécie, desde que não aparentadas – que admitem entrar em suas colmeias – maiores incentivos reprodutivos de forma a que permaneçam no ninho e auxiliem nas tarefas “domésticas”. Já suas irmãs ou filhas, que vivem na mesma colônia, não têm privilégios semelhantes.
Essas abelhas subordinadas aparentadas, no entanto, aceitam esse tratamento desigual porque, como estão na linha de sucessão para se tornar dominantes, têm a esperança de herdar o ninho, uma vez que fundar uma nova colônia sozinhas seria mais arriscado, revela o estudo cujos resultados foram publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
“Constatamos que as fêmeas dominantes dessa espécie, que monopolizam a reprodução em uma colônia, dão maiores chances às fêmeas subordinadas não aparentadas de reproduzirem do que às fêmeas aparentadas, que ficam incumbidas de tarefas consideradas menos nobres, como cuidar da prole e buscar alimento”, disse Fábio Santos do Nascimento, professor da FFCLRP-USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
“Como as não aparentadas não têm o incentivo de estar na linha de sucessão e de um dia herdar o ninho, elas necessitam de um incentivo maior para continuar na colmeia. E esse incentivo é o acesso à reprodução”, explicou Nascimento.
Sociedades “multifêmeas”
De acordo com o pesquisador, a abelha das orquídeas poliniza cerca de 30 famílias de plantas – entre elas, 2 mil espécies de orquídeas – e pode ser encontrada em áreas da Caatinga e do Cerrado brasileiro.
As fêmeas dessa espécie de abelha de coloração metálica, geralmente em tons de verde e azul, costumam tanto fundar novos ninhos, formados apenas por fêmeas, como se associar a algum já existente. Os ninhos são construídos com resina vegetal e localizados em cavidades, como no interior de bambus.
As sociedades “multifêmeas” das abelhas das orquídeas são geralmente formadas por uma mãe e suas filhas – denominados ninhos matrifiliais –, só por irmãs – os chamados ninhos “fraternais” – ou de usurpadoras e fêmeas residentes.
E, diferentemente de outras espécies de abelhas, todas as fêmeas dessa espécie podem acasalar. Mas a postura de ovos é regulada pelo comportamento e sinalização química da fêmea dominante sobre suas subordinadas, explicou Nascimento.
“A colônia dessa espécie de abelha é pequena, composta geralmente por uma fêmea dominante e, no máximo, quatro ou cinco fêmeas subordinadas. É muito raro ter mais do que oito indivíduos em uma mesma colônia que sempre têm essa relação de dominância e subordinação”, afirmou.
A fim de estudar o comportamento reprodutivo nos ninhos de abelhas das orquídeas com muitas fêmeas, a estudante Aline Candida Ribeiro Andrade e Silva acompanhou durante três anos em seu doutorado, realizado com Bolsa da FAPESP e sob orientação de Nascimento, uma população dessa espécie aninhada em Campo Formoso, na Bahia, a 400 quilômetros de Salvador.
Para isso, Silva transferiu 14 ninhos com multifêmeas dessa espécie para caixas de observação, com tampa de vidro, que simulavam as condições naturais dos ninhos.
Por meio de câmeras de vídeo instaladas no interior das caixas de observação, a pesquisadora monitorou diariamente a entrada e a saída das abelhas e as interações comportamentais entre elas.
Ao usar marcadores moleculares microssatélites – pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro – ela obteve uma assinatura genética (genótipo) de cada uma das fêmeas ao nascer.
A análise do extrato do perfil químico cuticular único que cada fêmea possui permitiu que Silva comparasse os componentes presentes e diferenciasse as abelhas.
A pesquisadora observou que as fêmeas dominantes conseguem reconhecer, por meio de interações comportamentais e sinalização química, as fêmeas aparentadas e as não aparentadas em seus ninhos.
Por meio desses mecanismos, as fêmeas dominantes também conseguem reconhecer se um determinado ovo foi posto por ela ou pelas subordinadas e o remove seletivamente de acordo com seus interesses. Ao perceber que o ovo foi posto por uma subordinada aparentada, por exemplo, o inseto come e o substitui por um seu (assista o vídeo).
“Observamos, no entanto, que as interações de dominância reprodutiva das fêmeas dominantes com as subordinadas não aparentadas, marcadas por agressões e pela remoção e substituição de ovos, eram menos violentas e frequentes em comparação com as fêmeas aparentadas”, comparou Nascimento.
“Enquanto permite que as não aparentadas possam pôr ovos apenas na medida necessária para impedi-las de deixar o ninho e reproduzir de forma independente, elas inibem que as aparentadas façam o mesmo, relegando-as a tarefas menos “nobres”, como buscar alimentos e material de construção dos ninhos – resina vegetal –, defender o ninho e cuidar da prole”, afirmou.
Incentivo reprodutivo
Uma das hipóteses dos pesquisadores para esse tratamento diferenciado que as fêmeas dominantes dão às subordinadas não aparentadas em comparação com as subordinadas é que o retorno genético entre as fêmeas subordinadas aparentadas compensa uma menor participação delas na produção direta de ovos, uma vez que têm a possibilidade de tornar-se dominantes e reproduzir.
Já as não aparentadas necessitam de incentivo reprodutivo maior para permanecer no ninho e auxiliar a fêmea dominante, assegurando a associação, apontou Nascimento.
“As fêmeas dominantes usam as interações comportamentais e as pistas químicas para negociar a distribuição de tarefas no ninho e manter a estabilidade do sistema com base em contratos sociais”, avaliou Nascimento.
“Podemos chamar essas abelhas de ‘políticas’ porque controlam e capitalizam sobre a reprodução direta de suas subordinadas não aparentadas e aparentados de acordo com seus interesses”, afirmou Nascimento.
O artigo Reproductive concessions between related and unrelated members promote eusociality in bees (doi: 10.1038/srep26635), de Andrade e outros, pode ser lido na revista Scientific Reports em www.nature.com/articles/srep26635#s1.
Agência FAPESP