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aedes aegyptiDengue, doença de chagas, leishmaniose, esquistossomos, e hanseníase, são patologias que têm uma característica em comum: elas são algumas das dezessete Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN's), grupo de doenças endêmicas que são causadas por vírus, bactérias, protozoários e vermes, que determinam cerca de cem mil a um milhão de mortes por ano, especialmente, em regiões mais pobres do planeta, como África, Ásia e América Latina.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as DTN's ocorrem em 149 países, afetando mais de 1,4 bilhão de pessoas - quase metade desse número é composta por crianças. Para ter uma real dimensão desse número, saliente-se que 1,4 bilhão de pessoas equivale a 20% da população mundial, representando sete vezes o número da população brasileira.

De acordo com dados mais recentes do Global Burden of the Diseases - um estudo global sobre o impacto das doenças e causas de morte -, em 2013 as DTN's registraram 142 mil mortes. Por um lado, a taxa é positiva, uma vez que no início da década de 1990 o mesmo estudo identificou 204 mil mortes reportadas. Em resumo, num período de quinze anos, houve uma redução de 30% nos casos de mortes causadas pelas Doenças Tropicais Negligenciadas.

Para o Prof. Dr. Rafael Guido, do Grupo de Cristalografia do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), esse resultado se deve aos esforços e iniciativas mundiais - principalmente da OMS - que têm sido feitos no combate às DTN's. "Atualmente, a Organização Mundial da Saúde selecionou duas das dezessete doenças como alvo para erradicação, sendo elas a dracunculíase e a bouba, e quatro para eliminação (tracoma, doença do sono, lepra e elefantíase)".

Assim como países vizinhos, africanos e asiáticos, o Brasil enfrenta dois grandes desafios: a pobreza e a falta de acesso às condições mínimas de saneamento básico. Ambos os cenários, segundo Guido, tornaram o Brasil uma região propícia para a disseminação das DTN's, principalmente aquelas causadas por parasitas, como, por exemplo, a esquistossomose.

Nesse sentido, em 2004, o Ministério da Saúde, junto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, organizou grupos de estudos com gestores, pesquisadores e profissionais da área da saúde, de maneira a definir quais DTN's deveriam ser combatidas, com prioridade, no nosso País. Hoje, com base em dados epidemiológicos, demográficos e no impacto das doenças, sete das dezessete DTN's são consideradas como as grandes prioridades no país - dengue, Doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose.

Apenas o Trypanosoma cruzi, agente causador da Doença de Chagas, infecta oito milhões de pessoas na América Latina. "A estimativa é que 23% destes pacientes vivam no Brasil, ou seja, aproximadamente dois milhões de brasileiros têm Doença de Chagas". A leishmaniose visceral (forma mais grave e letal das leishmanioses), segundo dados de 2014 referentes ao Brasil, acometeu quase 3.500 pessoas. A dengue, por sua vez, teve 1,2 milhão de casos registrados somente neste primeiro semestre de 2016. O número de casos de esquistossomose reportados em 2014 foi na ordem de, aproximadamente, trinta e três mil.

Embora não sejam mais consideradas doenças negligenciadas, devido aos recursos destinados ao controle e tratamento, a malária e a tuberculose são enfermidades que têm alta incidência em território brasileiro, principalmente, a segunda, que é a principal causa de morte de pacientes HIV positivos.

Zika, chikungunya e H1N1 são DTN's? Ao contrário das doenças citadas anteriormente, patologias como zika, chikungunya e H1N1 não integram a lista de doenças tropicais negligenciadas. Isso porque as três têm recebido especial atenção dos governos nacional e internacionais, com grandes repercussões na mídia. De acordo com Guido, a grande atenção contribui positivamente na alocação de recursos e no estabelecimento de forças-tarefas específicas para estudar patologias e traçar estratégias de controle e tratamento.

Mesmo não sendo DTN's - o que já é um ponto positivo -, vale ressaltar que o panorama dessas três doenças é grave, porque se não são doenças letais, como a gripe H1N1, elas podem causar sequelas, como é o caso da zika. "Os casos de microcefalia causados pelo vírus zika são apenas a 'ponta do iceberg'. Não sabemos ainda, em longo prazo, quais são os sintomas que esses pacientes podem apresentar. Por isso, os estudos que visam a uma melhor caracterização da doença são de fundamental importância", enfatiza.

Em busca de estratégias para o combate e tratamento das DTN's
Além de docente do IFSC/USP, Rafael Guido é pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), que atualmente é coordenado pelo Prof. Dr. Glaucius Oliva (IFSC/USP). Criado por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o CIBFar é resultado de projetos de pesquisa colaborativos, envolvendo diversos laboratórios*, no qual se realiza desde prospecção biológica até análise pré-clínica in vitro e in vivo de compostos candidatos a fármacos para o combate de DTN's, desenvolvendo também estudos de toxicologia e de farmacocinética, com o objetivo de criar medicamentos patenteáveis. Mais do que isso, o Centro se dedica a estudos voltados a investigação de infecções causadas por bactérias super-resistentes e algumas doenças não infecciosas de alto impacto, como, por exemplo, câncer e  Alzheimer.

Guido explica que seu grupo de pesquisa tem contribuído bastante para a descoberta de novas moléculas candidatas a fármacos para o tratamento da malária. "Nós realizamos o processo de triagem de moléculas promissoras e, uma vez identificadas essas moléculas, iniciamos os estudos de desenvolvimento".

Esse tipo de trabalho, de acordo com o docente, é extenso e, geralmente, decorrem anos até que se possa descobrir alguma molécula candidata a fármaco, já que é necessário garantir que essas substâncias sejam potentes o suficiente para serem administradas em baixas doses e eficazes para eliminarem o alvo. "Além disso, como investigamos doenças negligenciadas, cujos pacientes geralmente pertencem às camadas menos favorecidas da população, temos que garantir um baixo custo no tratamento", destaca Rafael Guido, lembrando que a OMS indica que os tratamentos para DTN's devem custar no máximo US$ 1,00, por dose. No caso da malária, a recomendação é que todo o tratamento custe US$ 1,00.

Com o intuito de desenvolver novas alternativas de tratamento para as doenças tropicais negligenciadas, o CIBFar tem consolidado uma série de parcerias com organizações internacionais, incluindo a Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi) e a Medicine for Malaria Venture (MMV). Ambas atuam entre universidades e grandes empresas, interagindo, principalmente, com indústrias localizadas em países que sofrem os impactos das DTN's. Por este motivo, diz Guido, o CIBFar tem conseguido contribuir para o desenvolvimento de novos medicamentos para essas doenças, ao mesmo tempo em que tem formado especialistas em técnicas e métodos utilizados para a elaboração de fármacos para doenças infecciosas endêmicas do Brasil.

Atualmente, o CIBFar tem duas frentes de pesquisa, sendo uma de pesquisa básica e outra de pesquisa aplicada. Na pesquisa básica, utiliza ferramentas de biologia molecular e estrutural para obter uma melhor compreensão a respeito de como funcionam os parasitas. Esse tipo de conhecimento é essencial para conhecer o "inimigo" e planejar estratégias eficientes para a eliminação dos micro-organismos responsáveis por causarem as DTN's.

Já a segunda frente de pesquisa compreende os estudos que têm focos muito mais específicos, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma nova molécula para o tratamento da malária. Nesse tipo de pesquisa, os cientistas utilizam métodos de química medicinal e síntese orgânica para desenvolverem compostos que tenham características necessárias para agirem no organismo humano, com eficácia e segurança. "No Centro, há também pesquisadores focados na investigação de produtos naturais nacionais, como fontes inspiradoras para a descoberta de novos fármacos e novas formas mais eficientes para se obter moléculas candidatas a medicamentos que possam tratar e combater as DTN's".

Com anos de atuação na área de desenvolvimento de estratégias para o tratamento e combate de DTN's, Guido revela que as expectativas para eliminar as doenças negligenciadas no Brasil e no mundo são muito baixas. Isso porque, a cada dia, os pesquisadores descobrem novas informações sobre a biologia desses parasitas e se surpreendem como organismos tão simples conseguem desenvolver mecanismos tão complexos para sobreviverem. Somado a isso, há ainda o agravante do surgimento de cepas resistentes aos poucos tratamentos disponíveis para as doenças negligenciadas. “Levam-se anos para descobrir e desenvolver um novo medicamento e, dependendo do caso, em apenas alguns meses os parasitas conseguem gerar resistência ao fármaco".

Devido a essa situação enfrentada por pesquisadores da área, a OMS, assim como as organizações DNDi e MMV, aconselha que os novos tratamentos para qualquer tipo de DTN's sejam feitos em associação com dois ou mais medicamentos, tal como já ocorre com os tratamentos da malária e da tuberculose, nos quais são administrados dois fármacos simultaneamente. Com essa estratégia simples, Rafael Guido acredita que seja possível diminuir significativamente as chances dos parasitas gerarem resistência aos tratamentos.  

* Laboratório de Química Medicinal e Computacional (LQMC) e Laboratório de Biofísica Molecular do IFSC/USP; Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (NUBBE/UNESP); Laboratórios de Síntese Orgânica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ/UNICAMP); Laboratórios de Produtos Naturais e Síntese Orgânica do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (DQ/UFSCar); e Laboratório de Produtos Naturais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP/USP).

Assessoria de Comunicação - IFSC/USP