A avaliação da frequência e da distribuição dessas mutações é inédita no país e foi feita no âmbito da pesquisa "Estudo de sequenciamento completo de exomas em crianças e adolescentes brasileiros com síndrome nefrótica corticorresistente", realizada com apoio da FAPESP.
“O objetivo é contribuir para o estabelecimento das bases moleculares da doença na população brasileira. Esse conhecimento possibilita a análise molecular de grupos específicos de crianças com síndrome nefrótica e pode impactar no tratamento personalizado dos pacientes, determinando, por exemplo, aqueles para quem o transplante renal a partir de doador vivo é mais indicado, considerando-se um risco menor de recidiva”, diz Mara Sanches Guaragna, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp.
De acordo com a pesquisadora, a síndrome nefrótica é um dos principais problemas renais na infância. Além do excesso de proteínas eliminadas na urina, condição chamada de proteinúria, a síndrome é caracterizada por hipoalbuminemia, a baixa concentração de albumina no organismo, proteína que compõe grande parte do plasma sanguíneo e tem a função de transporte e manutenção do equilíbrio osmótico – a entrada e saída de água das células. Com a diminuição da albumina no sangue ocorre extravasamento do líquido para o espaço intercelular e, consequentemente, a formação de edemas. O quadro inclui, ainda, a hiperlipidemia – elevação da quantidade de gorduras no sangue.
A doença ocorre devido à disfunção funcional ou estrutural do glomérulo renal, unidade dos rins por meio da qual é feita a filtragem do sangue e a eliminação dos resíduos metabólicos.
“Os portadores de síndrome nefrótica podem ser classificados como corticossensíveis, que respondem ao tratamento com corticoides, e corticorresistentes. Sabe-se que nos pacientes corticorresistentes que apresentam mutações há um problema estrutural. Nestes casos de origem genética comprovada pode ser considerada a retirada do tratamento com corticoides, evitando-se assim todos os efeitos adversos de drogas que deprimem o sistema imunológico”, explica Guaragna.
As novas mutações
Após analisar a distribuição de mutações em um grupo de 150 crianças e adolescentes brasileiros portadores de síndrome nefrótica, os pesquisadores identificaram uma nova mutação em cada um dos principais genes relacionados aos sintomas: NPHS1, NPHS2 e WT1.
Foram realizados estudos dos éxons desses genes, as partes que codificam as proteínas que precisam ser expressas – no caso, a nefrina, a podocina e o fator de transcrição WT1, necessários para o funcionamento correto da filtragem no rim. Para isso, foi necessário realizar a “amplificação” dos genes, aumentando-se o número de cópias deles por meio da técnica de reação de polimerase em cadeia (polymerase chain reaction). Com os éxons amplificados, foi possível identificar as mutações.
As mutações identificadas pelos pesquisadores nos genes NPHS1 e NPHS2 possuem herança recessiva, ou seja, são necessários dois genes mutantes, um do pai e outro da mãe, para que o paciente apresente a doença. No caso do WT1 a doença é dominante: basta um dos genes ser mutante para que ela se manifeste.
“Uma vez que nós identificamos mutações patogênicas como a causa da doença nos casos analisados, estamos cada vez mais próximos de descobrir uma causa frequente de síndrome nefrótica especificamente na população estudada, embora sejam necessárias análises de amostragens maiores para que dados epidemiológicos mais indicativos sejam alcançados”, diz Guaragna.
Atualmente, o diagnóstico de síndrome nefrótica é feito por meio de exames de urina, que podem revelar grandes quantidades de proteína eliminadas, ou de sangue, que indicam qual o nível de proteína albumina no organismo. Também pode ser solicitada pelo médico uma biópsia do rim, que é feita por meio da remoção de uma amostra de tecido de um dos rins para identificar eventuais problemas no glomérulo renal. Um exame genético, que identifique mutações como as recém-descobertas, pode ser solicitado quando paira dúvida sobre a necessidade de se submeter o paciente ao transplante.
Além do CBMEG, o estudo envolveu pesquisadores do Centro Integrado de Nefrologia (CIN) e do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (GIEDDS), ambos também da Unicamp.
Agência FAPESP