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Em texto divulgado nesta quinta-feira (07/06) na revista The Lancet, pesquisadores brasileiros descreveram o caso de um bebê nascido sem microcefalia, mas com lesões severas no cérebro e na retina causadas pelo vírus Zika. A pesquisa foi realizada por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Fundação Altino Ventura, de Pernambuco – entidade filantrópica que presta assistência oftalmológica à população carente do Estado considerado como o epicentro da epidemia de Zika.
O grupo avaliou o caso de uma criança que nasceu com 38 semanas de gestação, 3,5 quilos e perímetro cefálico medindo 33 centímetros – valor considerado normal para a idade. No momento do exame, o bebê tinha 57 dias.

“O menino nasceu aparentemente normal e, como não tinha microcefalia, os pais o levaram para casa. Após alguns dias, começou a ter convulsão. Voltou para o hospital e foi detectada calcificação cerebral, além de aumento dos ventrículos e lesão grave na retina, semelhante aquelas encontradas em bebês com microcefalia”, contou Rubens Belfort, professor da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, e coautor do estudo.

A mãe não apresentou sintomas da doença durante a gravidez, mas, após serem descartadas outras infecções associadas a malformações congênitas, um exame do líquor da criança mostrou a existência de anticorpos contra o Zika.

Segundo Belfort, as manifestações observadas nesse caso se enquadram no que vem sendo chamado de Síndrome Congênita do Zika, que tem um amplo espectro e diferentes manifestações. Pode ou não incluir microcefalia, bem como lesões cerebrais, oculares, auditivas, espasmos e convulsões.

“Não dá para excluir a infecção pelo Zika só porque a microcefalia não está presente. A microcefalia é um fator de risco para a presença de lesões cerebrais e oculares, mas não é uma pré-condição absoluta. Por isso é necessário testar as mães para o Zika durante o pré-natal e, quando der positivo, acompanhar as crianças após o nascimento e fazer a oftalmoscopia”, disse Belfort.

Considerada um exame simples de ser feito, a oftalmoscopia permite visualizar as estruturas do fundo de olho, como o nervo óptico, os vasos retinianos, e a região central da retina denominada mácula.

Segundo o pesquisador, há outros casos semelhantes sendo avaliados e devem ser confirmados em breve. “Resolvemos já divulgar este primeiro para a informação científica circular mais rápido”, contou.

Fatores de risco

No início de 2016, o mesmo grupo de pesquisadores mostrou pela primeira vez, em artigo publicado na revista The Lancet, que, além de microcefalia, a infecção pelo vírus Zika durante a gestação pode causar atrofia na retina e até mesmo cegueira nos recém-nascidos.

Em maio, em artigo publicado na revista JAMA Ophthalmology, revelaram que a probabilidade de ocorrer lesões oftalmológicas graves é maior em filhos de mães que relataram sintomas da doença no primeiro trimestre de gestação. Ainda segundo o estudo, quanto menor for o perímetro cefálico do recém-nascido, maiores as chances de problemas na retina.

“É comum a ocorrência de cegueira entre bebês com microcefalia, mas as lesões encontradas nos filhos de mulheres que relataram sintomas de Zika durante a gestação são diferentes e bem específicas. Mas ainda havia dúvida se, de fato, o problema teria sido causado pelo vírus. Neste estudo, nós excluímos as outras possíveis causas de cegueira”, contou Belfort.

A pesquisa foi feita com 40 crianças microcefálicas nascidas de mães que contraíram Zika durante a gravidez. Os bebês tinham entre um e sete meses de idade na época da avaliação e foram divididos em dois grupos: com e sem alterações detectadas na oftalmoscopia.

Todos os bebês passaram por exames para descartar doenças causadoras de cegueira congênita, como rubéola, herpes, toxoplasmose, sífilis, citomegalovírus e HIV/Aids.

O teste capaz de detectar a presença de anticorpos contra o vírus Zika no líquor foi aplicado em 24 dos 40 bebês incluídos na pesquisa e todos apresentaram resultado positivo. Belfort explicou que o método diagnóstico não foi aplicado em todos os participantes porque ainda não estava disponível quando a avaliação começou.

O índice de positivo para o Zika foi de 63,6% no grupo com alterações na retina e de 55% no grupo sem alteração oftalmológica (o índice provavelmente seria maior se todas tivessem feito o teste sorológico). “Os dados deixam claro que a infecção pelo vírus Zika leva à microcefalia e à cegueira em grande parte das crianças”, disse o pesquisador.

Todas as mães dos bebês participantes responderam a um questionário em que relataram os principais sintomas vivenciados na gestação. O mais frequente nos dois grupos foi erupção cutânea (65%), seguido por febre (22,5%), dor de cabeça (22,5%) e dor nas articulações (20%). Nenhuma delas relatou conjuntivite ou outros sintomas oculares.

Mais de 70% das mães de crianças com problemas oftalmológicos afirmaram ter apresentado os sintomas no primeiro trimestre de gestação.

“Observamos que as lesões na retina eram mais graves nos filhos de mães que se infectaram no primeiro trimestre – grande parte da retina era inexistente nesses casos. Nossa hipótese é que, assim como ocorre no cérebro, o vírus não deixa parte da retina se desenvolver”, disse Belfort.

Com o intuito de ampliar o entendimento sobre os danos causados pela infecção, os pesquisadores continuam acompanhando as crianças de Pernambuco e também um grupo de bebês da Bahia. Além disso, estão sendo estudadas as placentas das mães que deram à luz filhos com microcefalia.

O artigo Ocular Findings in Infants With Microcephaly Associated With Presumed Zika Virus Congenital Infection in Salvador, Brazil (doi: 10.1001/jamaophthalmol.2016.0267) pode ser lido em archopht.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=2491896.

O artigo Zika: neurological and ocular findings in infant without microcephaly (doi: 10.1016/S0140-6736(16)30776-0) pode ser lido em www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(16)30776-0/abstract.

Agência FAPESP