O grupo utilizou simulação computacional para explicar a microestrutura dos cristais líquidos esméticos. Trata-se de uma fase do material na qual as moléculas se dispõem em centenas de camadas curvas igualmente espaçadas, separadas umas das outras por distâncias nanométricas.
Em cada camada, as moléculas podem se movimentar livremente, como nos líquidos. Mas, em cada região do material, as camadas apresentam um ordenamento espacial, como ocorre com esferas concêntricas. Diferentes conjuntos de camadas eventualmente se interceptam, produzindo “defeitos”. Estes, com frequência, apresentam a forma de segmentos de elipses, parábolas ou hipérboles – curvas que, desde a Antiguidade, são chamadas de “cônicas”, pelo fato de poderem ser geradas pela intersecção de um cone por um plano.
Assim, quando confinado entre duas lâminas e observado ao microscópio, o cristal líquido esmético tem a aparência de um mosaico, cujas partes componentes são delimitadas por segmentos de cônicas.
“Esses padrões cônicos vinham sendo estudados há mais de um século, a partir do trabalho pioneiro do físico e mineralogista francês Georges Friedel (1865 – 1933), realizado em 1910. Foi ele quem deduziu que, para formar tais padrões ao ser confinado entre as lâminas do microscópio, o cristal líquido esmético precisava ser constituído por camadas igualmente espaçadas de moléculas”, disse Danilo Barbosa Liarte, primeiro autor do artigo.
Liarte, atualmente trabalhando na Cornell University, nos Estados Unidos, foi bolsista de pós-doutorado da FAPESP, com o projeto “Modelos estatísticos para vidros de spins e fluidos complexos”.
“O grande desafio era entender como seria possível preencher o espaço com essas cônicas. Conseguimos solucionar o problema fazendo uma analogia entre a estrutura dos cristais líquidos esméticos e a estrutura das martensitas, uma fase cristalina do aço”, afirmou o pesquisador.
Assim chamadas em homenagem ao metalurgista alemão Adolf Martens (1850 – 1914), as martensitas também apresentam uma estrutura peculiar, combinando regiões de deformação e orientação distintas. E é isso que lhes confere uma dureza muito superior às de outras formas de aço. Mas é importante ressaltar que os cristais líquidos esméticos e as martensitas são materiais completamente diferentes. O que têm em comum são suas microestruturas, na qual coexistem diversas configurações compatíveis de baixa energia.
As linhas cônicas que aparecem no cristal líquido esmético são chamadas de “defeitos” porque ocorrem nos locais em que um determinado conjunto de camadas moleculares concêntricas é interrompido e as moléculas contíguas situadas além da linha se apresentam dispostas em outro conjunto. Os defeitos, já foi dito, são as intersecções entre esses dois conjuntos. E os conjuntos distintos constituem as variantes do cristal líquido esmético.
“Por analogia com as martensitas, essas variantes podem ser pensadas como deformações de uma estrutura básica. No caso das martensitas, a célula unitária se deforma ao longo de uma das três direções – comprimento, largura e altura. E cada deformação define uma variante. As diversas variantes se combinam segundo um princípio de mínima energia, sujeito às condições de contorno”, explicou Liarte.
Porém existe uma importante diferença que torna o estudo dos esméticos muito mais desafiador do que o estudo das martensitas. É que, no caso das martensitas, as configurações de baixa energia podem ser descritas como simples rotações tridimensionais das variantes cristalinas. Porém, no caso dos esméticos, os mínimos de energia podem ser produzidos também por outros tipos de transformações. E foi em relação a esse tópico que Liarte e colegas deram sua contribuição mais interessante, ao utilizarem as transformações de Lorentz para fazer a passagem de uma variante a outra.
Estabelecidas pelo físico holandês Hendrik Lorentz (1853 – 1928), as transformações de Lorentz são um conjunto de equações que descrevem como as medidas de espaço e tempo se alteram quando realizadas em sistemas de referência inerciais diferentes. Utilizadas posteriormente por Einstein, essas equações constituem o arcabouço matemático da teoria da relatividade especial, publicada em 1905.
“Um dos nossos colaboradores, Randall Kamien, da University of Pennsylvania, deduziu recentemente que os diferentes conjuntos de camadas do esmético podiam ser relacionados uns com os outros pelas mesmas equações da relatividade especial, com a condição de se substituir a variável tempo (t) das transformações de Lorentz por uma grandeza que conta o número de camadas do cristal líquido. Essas equações permitem descrever, por exemplo, as mudanças de excentricidade entre as diversas cônicas”, informou Liarte.
Para descrever todas as variantes possíveis, os pesquisadores utilizaram quatro tipos de transformações: rotações, translações, dilatações e transformações de Lorentz. Esses quatro tipos de transformações compõem a chamada invariância de Weyl-Poincaré, que contém todas as formas de simetria da relatividade especial.
Agência FAPESP