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aedes aegyptiA relação entre o vírus da Zika e a microcefalia em fetos foi comprovada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), que divulgaram seus resultados na tarde desta segunda-feira, 11 de abril, durante coletiva de imprensa realizada na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Até então, em meio à epidemia de mais de mil casos de microcefalia no País, os cientistas ainda não tinham comprovação de que o vírus da Zika é o causador desta alteração no desenvolvimento do cérebro de bebês.
O estudo, resultado de um esforço coletivo de pesquisa em tempo recorde – foram apenas 25 dias de trabalho incessante, entre 6 de fevereiro e 2 de março –, ganhou destaque com a publicação de um artigo na revista Science, uma das mais conceituadas do mundo.

Para se ter ideia da relevância dessa conquista, em 136 anos de existência da Science, raros foram os trabalhos realizados por cientistas lotados exclusivamente no Brasil e publicados na revista. Intitulado Zika virus impairs growth in human neurospheres and brain organoids (http://science.sciencemag.org/content/early/2016/04/08/science.aaf6116.full), o artigo é assinado por diversos pesquisadores, que já têm uma longa experiência nessa área de estudo. São eles: Patricia Pestana Garcez, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ) e do Idor; Erick Loiola, Rodrigo Madeiro da Costa, Pablo Trindade e Stevens Rehen – todos do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE/UFRJ) e do Idor; Luiza Higa, Rodrigo Brindeiro e Almicar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ; Rodrigo Delvecchio, do Instituto de Biologia da UFRJ; e Juliana Minardi Nascimento, pesquisadora do Idor e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A partir de células-tronco reprogramadas, os cientistas, liderados por Stevens Rehen, da UFRJ e do Idor, criaram estruturas conhecidas como minicérebros, que simulam as células do cérebro humano durante o desenvolvimento e, por isso, são um excelente modelo para investigar o que acontece no sistema nervoso após a infecção com o vírus da Zika. “Infectamos essas estruturas com o Zika vírus a fim de observar as consequências para a formação do cérebro fetal e chegamos à conclusão de que, nos modelos investigados – de 11 dias de vida, que simulam o córtex cerebral de um feto com um mês de gestação –, houve uma redução de 40% no crescimento”, destacou Rehen.

Ele contou que os minicérebros estão entre as novíssimas tecnologias utilizadas por pesquisadores de ponta nas melhores universidades do mundo, sendo o Instituto D'Or um dos primeiros a abrigar a estrutura necessária para sua manutenção e desenvolvimento. Eles são uma aplicação do que genericamente os cientistas chamam de organoides – capazes de simular os estágios de desenvolvimento dos diferentes órgãos do corpo humano. Como não são irrigados e nutridos pelos vasos sanguíneos, não crescem muito, alcançando cerca de dois milímetros de tamanho. Estes minicérebros são gerados a partir da obtenção de células-tronco não-embrionárias, adquiridas em amostras de urina e, posteriormente, convertidas em neurônios.

Os organoides que vêm sendo utilizados para simular as condições do cérebro pela equipe brasileira permitem o estudo das células neurais em estágio precoce, dividindo-se após a infecção com o Zika vírus. “Ninguém sabe ainda como o Zika atua no tecido cerebral. Observamos por imagens feitas no microscópio eletrônico que o vírus causa uma grande alteração na organização dessas neuroesferas, o que culmina com a destruição total desse tecido, por morte celular”, ressaltou Rehen. O neurocientista lembrou que o grau de toxicidade do vírus depende do estágio de desenvolvimento da célula neural. “Quanto mais precoce a infecção, pior é para o desenvolvimento do cérebro. Com as células isoladas, observamos que, em três dias, o vírus da Zika é capaz de destruir 80% da cultura, o que atesta como ele é agressivo”, completou.

Agora, a equipe está correndo contra o tempo para testar os efeitos de diversos medicamentos nos minicérebros infectados, determinada a decifrar qual fórmula será eficaz contra o vírus. A vantagem é que esses medicamentos já estão nas prateleiras das farmácias e, se os cientistas comprovarem a eficácia de algum deles em reduzir os danos às células neurais causados pela doença, eles poderão ser utilizados prontamente pelas gestantes, sem a necessidade do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de registro de patente. Trata-se de um trabalho desafiador. ”Dez medicamentos possíveis estão sendo testados e um deles apresenta chances promissoras. Os testes começaram há três semanas e acontecem dia e noite. Para isso, contamos com a ajuda de dois robôs, que fazem análises automatizadas em larga escala. Eles ajudam não só na velocidade dos testes, mas na precisão dos movimentos. A expectativa é boa para os próximos meses”, avaliou Rehen.

Em um curto espaço de tempo,  o artigo foi lido por mais de dez mil pessoas no site da Science. Devido à urgência da epidemia de Zika e seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a tradicional revista flexibilizou os critérios de publicação e aceitou divulgar o pré-print do artigo. “Espero que a publicação do artigo na Science contribua para reafirmar a ciência brasileira de fato como uma ciência internacional”, ponderou Rehen. Ele também reconheceu a importância do apoio da FAPERJ ao longo de sua trajetória e de outros pesquisadores da rede. “Sou bolsista da Fundação desde a Iniciação Científica. Todos os colegas em algum momento da carreira receberam apoio da FAPERJ”, concluiu.

A publicação deste resultado pelos cientistas brasileiros ocorre no momento em que há um esforço internacional de pesquisa para tentar desvendar as causas da epidemia de Zika e sua relação com a microcefalia. Nessa corrida científica, um dia após a divulgação dos resultados da equipe brasileira na sede da ABC, pesquisadores do órgão de controle epidemiológico dos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), publicaram um estudo nesta quarta-feira, 13 de abril, confirmando a relação entre a infecção pelo vírus Zika em mulheres grávidas e problemas de má-formação congênita em bebês, como a microcefalia. O estudo foi publicado no jornal científico The New England Journal of Medicine (NEJM) e classificou como suficientes as evidências para confirmar a correlação.

Diversas autoridades prestigiaram a divulgação da pesquisa na ABC. O presidente da FAPERJ, Augusto C. Raupp, destacou que os resultados em ciência e tecnologia dependem de investimentos contínuos no setor. “O conhecimento em ciência é cumulativo, sendo este o resultado de diversos investimentos feitos no passado pela FAPERJ. A complementaridade entre investimentos públicos e privados também é importante, porque a ciência não pode parar. Por isso, a FAPERJ lançou um edital conjunto com o Idor [Apoio à Realização de Pesquisas Clínicas e Translacionais no Estado do Rio de Janeiro - 2014]”, disse Raupp. Ele destacou a importância do programa Pesquisa em Zika, Chikungunya e Dengue no Estado do Rio de Janeiro – 2015, que apoia o estudo das três arboviroses – zika, chikungunya e dengue – abrangendo diversos aspectos, como fisiopatologia das doenças, seus aspectos clínicos, diagnóstico, epidemiologia, interação vetor-vírus, ecologia dos vetores envolvidos, controle e monitoramento de vetores, desenvolvimento de kits-diagnóstico e divulgação científica. “Este edital foi importante por seu caráter emergencial e por ter ajudado a articular em redes os diversos grupos de pesquisa”, completou.

Para o diretor Científico da Fundação, Jerson Lima Silva, a capacidade de formar rapidamente essa rede de pesquisa, diante da epidemia de Zika, é uma prova de que a ciência brasileira atingiu a maturidade. “Ao identificar um problema, os nossos cientistas estão prontos para responder de forma rápida, e isso é um sinal de maturidade. O estado do Rio de Janeiro é responsável por aproximadamente 36% da produção científica nacional na área de arboviroses. A Science está dando o devido apreço à importância dessa descoberta”, disse o diretor da FAPERJ, que também é pesquisador e professor titular do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ).

A vice-presidente regional da Academia Brasileira de Ciências, professora Elisa Reis, destacou que o resultado apresentado é um excelente exemplo da importância da ciência brasileira para o desenvolvimento do País, especialmente quando a ABC completa o seu centenário. "Essa é uma conquista mediante a necessidade social colocada pela epidemia de Zika, que deixa clara a necessidade de avanços urgentes, e contou com o apoio inestimável de fundos públicos, como o da FAPERJ. A ciência precisa ser amparada", disse Elisa, lembrando que nos dias 4, 5 e 6 de maio a ABC vai realizar a Reunião Magna de Ciência, que terá como tema "O Valor da Ciência" e terá como palestrantes os vencedores do Prêmio Nobel Ada Yonath (Química, 2009) e Jules Hoffmann (Fisiologia ou Medicina, 2011), entre outros.  

O reitor da UFRJ, Roberto Leher, destacou a necessidade de esforços constantes para a formação científica brasileira. “Temos muito orgulho do artigo que está sendo publicado na Science por essa equipe. É um trabalho de formação permanente, de várias gerações de cientistas, que está sendo consolidado agora. Muitos de nossos pesquisadores na UFRJ ganharam bolsas para dedicação exclusiva e puderam aproveitar laboratórios com recursos e possibilidade de adquirir insumos. Muito dessa infraestrutura se deve ao apoio da Fundação nesses últimos anos. É um trabalho duradouro de formação da comunidade científica, que exige políticas permanentes de Estado para a área da Ciência e Tecnologia. A defesa da FAPERJ é uma luta da maior importância”, ressaltou Leher.

O presidente do Idor, Jorge Moll Neto, reconheceu a motivação dos pesquisadores envolvidos no estudo. “Sem essa coragem, nada é possível, apesar de todas as dificuldades. Acreditar na ciência brasileira foi o que me fez, junto com a pesquisadora Fernanda Moll, voltar ao País depois de três anos nos Estados Unidos  e criar o Idor, um instituto privado sem fins lucrativos. Depois de seis anos de funcionamento, temos colaborações importantes com a UFRJ, com a FAPERJ e com diversos agentes da sociedade. Que a publicação deste artigo inspire outros cientistas e sinalize aos nossos políticos que é preciso acreditar e investir na ciência e em sua força multiplicadora para a sociedade”, concluiu Moll.

Assessoria de Comunicação FAPERJ