Publicado no periódico PLoS ONE, o trabalho é liderado pela bióloga e pesquisadora Marta Hiromi Taniwaki, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), de Campinas, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, com o apoio da FAPESP.
A castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa) é uma árvore amazônica que pode alcançar mais de 50 metros de altura. A planta produz ouriços que amadurecem e caem no chão da floresta, partindo-se e liberando suas sementes, as castanhas. O Brasil lidera a produção mundial. No Acre, o maior produtor nacional, a sementes são conhecidas como castanha-do-acre. Já na Bolívia, o segundo maior produtor, o nome é almendra (amêndoa), noz amazônica ou noz boliviana. No resto do planeta, a noz comestível da castanheira amazônica é a Brazil nut, a noz do Brasil.
Devido ao desmatamento, desde 1998 a castanheira-do-brasil é considerada uma espécie vulnerável à extinção, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. Sua extração é proibida por lei.
A castanha-do-brasil é um produto importante na pauta de exportações da indústria extrativista da Amazônia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção brasileira em 2013 foi de 38 mil toneladas. Os maiores consumidores são os Estados Unidos e a China. Já a União Europeia proibiu em 2000 a importação das castanhas. O embargo foi devido à presença de aflatoxinas, que são toxinas produzidas por algumas espécies de fungos, em concentrações acima do permitido pela regulação sanitária europeia. Estudos mostram que, em altas concentrações, as aflatoxinas podem atacar o fígado, causando necrose, cirrose hepática, edema e câncer.
Hoje se sabe que a formação das toxinas pelos fungos nas castanhas se deve às condições de umidade na floresta e ao tempo de estocagem até as sementes atingirem um nível seguro de umidade. Castanhas que são secas à temperatura de 60 graus e mantidas em estoques apropriados apresentam menos fungos e menor possibilidade de conter as toxinas do que aquelas armazenadas sem os mesmos cuidados.
Após todos esses estudos e esforços ao longo da cadeia de extração e processamento da castanha, em 2011 a Europa levantou o embargo e voltou a comprar nossas castanhas. Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também estabeleceu limites máximos para as aflatoxinas na castanha-do-brasil, a fim de proteger o consumidor.
De acordo com Marta Taniwaki, o objetivo principal de seu trabalho com as castanhas-do-brasil era verificar a ocorrência de fungos produtores de aflatoxinas. “Além disso, estávamos interessados em conhecer a micobiota, os fungos presentes na castanha e no ecossistema amazônico ao redor das castanheiras”, explica Taniwaki.
A pesquisa determinou a predominância das espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium no ecossistema das castanheiras, “sendo que várias espécies de Aspergillus foram capazes de produzir toxinas nos testes in vitro e nas castanhas. Alguns desses trabalhos já foram publicados, outros ainda virão em breve.”
Um primeiro dividendo inesperado da pesquisa foi a descrição, em 2012, de um novo fungo, o Aspergillus bertholletius. Agora, com a descrição do P. excelsum, as surpresas continuam. “A descoberta de uma nova espécie de Penicillium da floresta amazônica foi surpreendente. É uma amostra da grande biodiversidade amazônica ainda pouquíssimo explorada.”
A espécie P. excelsum foi isolada a partir de amostras coletadas no Amazonas e no Pará, na floresta, em fazendas, em mercados e nas processadoras da castanha. O novo fungo foi detectado em quase todo o ecossistema das castanheiras. Ele estava presente em amostras de folhas, de cascas, de castanhas, dos ouriços, nas flores e no solo. O P. excelsum foi igualmente identificado nas abelhas que fazem a polinização das flores da castanheira, assim como em formigas. “A espécie vai se propagando por todo o ambiente em torno da castanheira.”
Para isolar a nova espécie, mais de 200 amostras foram coletadas, colocadas em placas de vidro com meio de cultura apropriado e deixadas por cinco dias em estufas à temperatura de 25 graus. “Foram mais de mil isolamentos”, explica Taniwaki. “Depois de cinco dias na estufa o fungo se desenvolve e forma uma colônia.”
Para saber qual seria aquela espécie de bolor, diversos processos foram empregados, nenhum com resultados conclusivos. “A morfologia da colônia e a microscopia mostrou que esta espécie era diferente de todas as que conhecíamos. Parecia se tratar de uma nova espécie.” A comprovação veio de estudos moleculares realizados por Maria Helena Fungaro, na Universidade Estadual de Londrina, e por Jens Frisvad, na Universidade Técnica da Dinamarca. A descrição final da nova espécie foi feita por John Pitt, no CSIRO Food Nutrition, a agência de pesquisa científica de alimentos da Austrália.
Esta nova espécie de Penicillium não é a primeira a ser detectada no ecossistema das castanheiras. Segundo Taniwaki, as espécies P. glabrum e P. citrinum já foram isoladas das castanhas-do-brasil. P. citrinum produz a micotoxina citrinina, uma substância nefrotóxica com potencial para causar danos aos rins. P. glabrum produz a citromicetina, com atividade bactericida. “A diferença entre antibiótico e micotoxina é que o primeiro combate os microrganismos e a última os animais e os humanos”, explica.
Diversas espécies de fungos do gênero Penicillium produzem antibióticos que têm a propriedade de combater infecções causadas por vírus, bactérias e outros fungos. A descoberta de tais propriedades se confunde com a descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina.
Em 1928, o inglês Alexander Fleming estudava as propriedades das bactérias estafilococos em seu laboratório no Hospital St. Mary, em Londres. Em setembro daquele ano, ao retornar ao laboratório após um mês de férias, Fleming percebeu que uma de suas culturas de estafilococos estava contaminada por um fungo e, nos pontos de contato onde a colônia circundava o fungo, ela havia sido destruída.
Ao investigar aquele mistério, Fleming acabou isolando a substância produzida pelo fungo do gênero Penicillium que exterminava bactérias. Batizou-a com o nome de penicilina.
“Ainda não sabemos se esta nova espécie produz alguma substância metabólica de interesse para a indústria farmacêutica”, afirma Taniwaki. “Mas vamos investigar.”
O artigo Penicillium excelsum sp. nov from the Brazil Nut Tree Ecosystem in the Amazon Basin, de Taniwaki e outros, publicado na PLoS ONE (doi:10.1371/journal.pone.0143189), pode ser lido no endereço http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0143189.
O artigo Aspergillus bertholletius sp. nov. from Brazil Nuts, de Taniwaki e outros, pulicado na PLoS ONE (doi:10.1371/journal.pone.0042480), pode ser lido no endereço http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0042480.
Agência FAPESP