Resultados da pesquisa foram apresentados no dia 22 de março, em São Paulo, durante o workshop “Research on Sports and Healthy Living”, organizado pela FAPESP em parceria com a Netherlands Organisation for Scientific Research (NWO).
“Além de melhorar a performance, acreditamos que o conhecimento desses marcadores genéticos possa nos ajudar a reduzir o número de lesões e a prolongar o tempo de vida do atleta”, disse à Agência FAPESP João Bosco Pesquero, idealizador do Atletas do Futuro e coordenador, na Unifesp, do Centro de Pesquisa e Diagnóstico Molecular de Doenças Genéticas.
O grupo, que teve o auxílio de Elton Dias da Silva, Giscard Lima e Sandro Soares Almeida, já coletou dados de mais de 800 atletas – tanto na ativa quanto aposentados – de modalidades como judô, basquete, kickboxing, rúgbi, karatê, tênis, atletismo e futebol. Entre os voluntários mais conhecidos estão o tenista Gustavo Kuerten, os jogadores de basquete Hortência Marcari e Oscar Schmidt, os judocas Edinanci Silva, João Derly e Aurélio Miguel e os corredores Marilson do Santos, Joaquim Cruz e Andre Domingos Silva.
O material foi coletado por meio de um raspado bucal, com um kitcomercial semelhante ao empregado em testes de paternidade. A busca pelos marcadores foi feita por métodos de PCR (reação da polimerase em cadeia) e sequenciamento. Para isso, foi usado um painel de genes-alvos já associados em estudos anteriores à performance esportiva, como, por exemplo, o ACTN3, que codifica uma proteína importante para a contração muscular, a alfa-actina 3.
“Com base na análise desses marcadores, criamos um escore que indica se aquela pessoa tem mais predisposição a atividades que requerem força ou a atividades de resistência. A princípio, estamos avaliando apenas essas duas variáveis. Mas é possível investigar outras, como capacidade respiratória ou propensão a lesão. No futuro, pretendemos ampliar o número de marcadores genéticos analisados”, contou Pesquero.
De acordo com o escore obtido pelo atleta, explicou o pesquisador, tanto a preparação física quanto a tática de jogo, no caso dos esportes coletivos, podem ser adaptados para alcançar melhores resultados.
O método foi testado com sucesso no time de basquete do Palmeiras, durante o campeonato de 2013, graças a uma parceria e orientação do preparador físico Chiaretto Costa e do fisiologista do exercício Paulo Correia, da Unifesp.
“Estávamos no meio do campeonato e o desempenho do time era ruim, havia perdido praticamente todos os jogos. Era um paciente terminal, então decidimos aplicar o tratamento experimental. A performance do grupo apresentou uma mudança drástica, melhorou muito, assim como a dos atletas individualmente”, contou Pesquero.
Na avaliação do pesquisador, o grande segredo está na capacidade de traduzir a informação genética para a prática esportiva.
“Já tentamos aplicar o método em diversos times de futebol. Fizemos as análises dos marcadores, mas há uma grande resistência em mudar o treino com base nos resultados”, contou Pesquero.
Outra experiência bem-sucedida, desta vez no basquete, foi com o time de São José dos Campos, na época comandado pelo preparador físico Adilson Doretto.
“Doretto já acompanhava o time havia três anos e relatou que o número de lesões caiu de 21, na temporada de 2010, para nenhuma, em 2013 – descontados os quatro casos de lesão por acidente. A performance do grupo também melhorou muito”, contou Pesquero.
Apesar dos potenciais benefícios do projeto para o treinamento de atletas profissionais, o pesquisador da Unifesp ressalta que seu principal público-alvo são crianças. Uma das propostas de Pesquero é desenvolver um software que pudesse ser usado nas escolas, pelos professores de Educação Física, para identificar as modalidades mais adequadas para cada estudante e orientar o treino.
“Muitas vezes, a criança desiste do esporte porque acredita que aquilo não é para ela. Mas, na verdade, está fazendo algo que não é adequado ao seu perfil. Por exemplo, se ela gosta de natação e é mais propensa a atividades de força, podemos orientá-la a optar por modalidades como 100 metros livres. Modalidades acima de 400 metros livres seriam recomendadas para indivíduos propensos a atividades que requerem resistência. Quando a criança faz algo em que se destaca, aquilo funciona como um estímulo positivo, ajuda a manter a prática de atividade física e aumentam as chances de virar um atleta”, avaliou.
Vida saudável
Realizado com o objetivo de fomentar a colaboração entre pesquisadores do Estado de São Paulo e da Holanda, o workshop “Research on Sports and Healthy Living” reuniu, nos dias 22 e 23 de março, mais de 120 pesquisadores na sede da FAPESP.
Durante a abertura do encontro, o vice-presidente da Fundação, Eduardo Moacyr Krieger, ressaltou que o evento é parte de uma parceria bastante bem-sucedida entre FAPESP e NWO.
“Assinamos um acordo de cooperação em 2012 e, um ano depois, foram aprovados sete projetos financiados conjuntamente. Em 2014, outros sete projetos foram aprovados e, em 2015, mais três. Estamos trabalhando para lançar uma nova chamada de propostas em breve”, disse o vice-presidente.
Segundo Krieger, o esporte é uma das áreas em que melhor se tem aplicado a medicina translacional, ou seja, que melhor consegue transformar as descobertas feitas nos laboratórios em benefícios práticos para os pacientes.
Nico Schiettekatte, conselheiro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Consulado Geral dos Países Baixos em São Paulo, lembrou que Brasil e Holanda assinaram nos últimos anos diversos acordos com a intenção de estimular a colaboração em pesquisa e inovação e que, em 2015, a área de esportes foi apontada como prioridade nessa relação bilateral.
“O governo holandês e o Consulado Geral em São Paulo estão extremamente satisfeitos com o aumento da colaboração em pesquisa e é com grande entusiasmo que apoiamos este workshop conjunto. Certamente vai oferecer uma base sólida para a ampliação e aprofundamento de nossas relações”, disse.
O membro da coordenação adjunta de Ciências da Vida da FAPESP Carlos Eduardo Negrão afirmou que a promoção de um estilo de vida saudável é um dos maiores desafios dos dias atuais. Segundo ele, os avanços tecnológicos nem sempre se traduzem em melhoria na qualidade de vida.
“Nossa geração é muito menos ativa que as anteriores e as evidências mostram que o sedentarismo está associado ao desenvolvimento de doenças. Estudos mostram que atividade física reduz obesidade, dislipidemia, hipertensão e melhora o controle da diabete. Recentemente, exercícios têm sido recomendados também para o combate a doenças graves, como insuficiência cardíaca e câncer”, disse.
Entre os diversos temas abordados no evento destacou-se, por exemplo, a biomecânica de corrida de longa distância – tema da palestra apresentada por Marcos Duarte, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). Um dos objetivos da pesquisa é identificar padrões típicos e atípicos de corrida, de modo a prevenir lesões.
Francisco Louzada Neto, da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, apresentou o sistema desenvolvido no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) que funciona como um “Olheiro virtual”, ajudando a identificar novos talentos para times de futebol (Leia mais em: http://agencia.fapesp.br/22207).
O holandês Aarnout Brombacher, da Eindhoven University of Technology, apresentou uma linha de pesquisa voltada a desenvolver dispositivos que podem ser usados por praticantes de esporte – tanto durante os treinos como no dia a dia – para a coleta de dados como aceleração, frequência respiratória e cardíaca, transpiração, entre outros. Segundo o pesquisador, esse big data, se bem analisado e contextualizado, pode auxiliar tanto na prática esportiva como também no cuidado de idosos, reabilitação pós-trauma e recuperação de crianças em hospitais.
Também foram apresentadas palestras sobre o uso da tecnologia na promoção de um estilo de vida ativo, protocolos de reabilitação física, métodos de análise de big data relacionado à prática de esportes, bases moleculares da hipertrofia cardíaca (fisiológica e patológica), entre outras.
Agência FAPESP