E artigo relatando o resultado foi publicado no jornal Scientific Reports, do grupo Nature: “Plasmon-photon conversion to near-infrared emission from Yb3+: (Au/Ag-nanoparticles) in tungsten-tellurite glasses”.
“A espécie humana evoluiu sob a luz do sol, que é levemente amarelada. A luz excessivamente branca dos LEDs, cada vez mais empregada na iluminação artificial e em dispositivos eletrônicos, exerce sobre nós um efeito desgastante. Uma das aplicações tecnológicas possíveis do vidro luminescente que produzimos é acrescentar um pouco mais de cor vermelha a essa luz, tornando-a menos branca”, disse Euclydes Marega Junior, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), coordenador de Educação e Difusão do Conhecimento do Cepof e um dos coordenadores da pesquisa, à Agência FAPESP.
O vidro luminescente é composto por óxido de telúrio com a adição de tungstênio, íons de terras-raras (túlio e itérbio) e nanopartículas de ouro e prata. Sua luminescência se deve à presença dos íons de terras-raras. Já as nanopartículas de ouro e prata atuam como minúsculas antenas, possibilitando ao material captar mais luz e assim produzir maior luminescência.
A função tanto das terras-raras quanto das nanopartículas fica mais clara quando se considera a física básica do processo de luminescência. Trata-se de uma propriedade inerente a alguns tipos de materiais. Genericamente, ocorre quando, ao receberem um aporte de energia do meio externo, os elétrons que compõem os átomos do material realizam dois saltos quânticos. Primeiro, de suas órbitas originais para outras órbitas possíveis mais afastadas do núcleo atômico – portanto de maior potencial energético. Depois, de volta às órbitas primitivas, devolvendo o excedente de energia ao meio na forma de fótons, ou partículas de luz. A luminescência resulta exatamente dessa energia devolvida.
“Exemplo de material luminescente é o Ce:YAG (material à base de ítrio e alumínio dopado com cério), que constitui o verdadeiro responsável pela cor branca da luz dos LEDs disponíveis no mercado. De fato, a luz emitida pelo LED não é branca, mas violeta, já na fronteira com o ultravioleta. O Ce:YAG utilizado no encapsulamento do LED absorve essa luz violeta de alta frequência e reemite uma mistura de luzes de frequências mais baixas: predominantemente a verde e a laranja e, em menor quantidade, a vermelha. A cor branca e fria característica desse tipo de iluminação é resultado de tal mistura. Na verdade, o uso tecnológico da terra-rara cério já é bastante antigo, porque com ele se fabricavam as ‘camisinhas’ dos velhos lampiões de querosene”, informou Marega.
O túlio e o itérbio – as terras-raras empregadas na produção do novo vidro luminescente – pertencem à família química do cério, ocupando a mesma fila na Tabela Periódica. A diferença, no caso, é que, ao absorverem luz, reemitem em frequências ainda mais baixas, já na faixa superior do infravermelho. Ao acrescentar essas frequências mais baixas à mistura de cores, o vidro pode imprimir um tom ligeiramente amarelado à luz do LED, aproximando-a do padrão da luz solar.
Isso, por si só, já é um grande trunfo tecnológico. Mas o vidro luminescente oferece ainda outras possibilidades de uso.
“Uma delas decorre do fato de que é mais fácil alojar luzes de frequências menores no interior de uma fibra óptica. As luzes de alta frequência – portanto, de menor comprimento de onda – tendem a escapar das fibras ópticas nas curvas, saindo, como se diz, pela tangente. Já as luzes de frequências mais baixas – portanto, de maiores comprimentos de onda – podem fazer a curva sem escapar”, afirmou Marega.
O pesquisador enfatizou que, tanto em um caso como no outro, é fundamental conjugar o vidro com uma fonte luminosa. “Os íons terras-raras são ótimos para reemitir a luz. Mas é muito difícil produzir luz diretamente com eles, submetendo-os à corrente elétrica. Temos que combinar, então, dois tipos de materiais: as terras-raras, devido à sua grande versatilidade em relação às cores, e os semicondutores, devido à sua facilidade para produzir luz”, disse.
Semicondutores são materiais cuja condutividade elétrica pode ser controlada por meio de impurezas. Assim, são capazes de atuar seja como condutores, seja como isolantes. Toda eletrônica digital da atualidade é baseada em semicondutores de silício. Com eles são feitos os transistores empregados em um sem-número de equipamentos eletrônicos. “Mas o silício não se presta à produção de luz visível. Por isso, na fabricação de LEDs, telas e demais dispositivos luminosos são utilizados outros materiais semicondutores, como o arseneto de gálio e o fosfeto de índio”, informou Marega.
Outra importante possibilidade tecnológica resultante da conjugação de semicondutores e terras-raras é fazer o caminho inverso. Isto é, gerar corrente elétrica a partir da luz. Tal processo, já realizado pelas fotocélulas ou células fotovoltaicas, seria otimizado com a incorporação de terras-raras.
“Em associação com os semicondutores, as terras-raras poderiam aumentar a eficiência dessas células, pois são capazes de intensificar a absorção de luz. Em um país com forte insolação como o Brasil, dispositivos desse tipo conseguiriam alimentar vários equipamentos residenciais, comerciais ou industriais, aliviando a demanda sobre a rede elétrica. Os equipamentos eletrônicos não precisam de tensões de 220 volts ou mesmo de 110 volts para funcionar. Funcionariam perfeitamente com tensões muito menores fornecidas por células fotovoltaicas”, comentou o pesquisador.
Desdobramento tecnológico ainda mais revolucionário seria conjugar semicondutores, terras-raras e nanopartículas metálicas na confecção de circuitos híbridos, parte eletrônicos e parte fotônicos. “Poderíamos, por exemplo, aplicar um filme ultrafino de terras-raras e nanopartículas sobre uma superfície semicondutora. Tal filme funcionaria como uma diminuta guia de onda, capaz de orientar o fluxo de plásmons [ondas de elétrons livres induzidas pela luz] na superfície semicondutora”, conjecturou Marega.
Um dispositivo como esse poderia ser utilizado em sensores biológicos ultrassensíveis. “Como a luz ficaria confinada em uma região diminuta, entre o filme e a superfície, ela permitiria identificar quantidades mínimas de moléculas orgânicas de interesse, como proteínas. Eventualmente, seria capaz de identificar uma única molécula, possibilitando, por exemplo, a detecção de tumores em uma fase muito inicial”, prosseguiu o pesquisador, ressaltando, porém, que pesquisas nesse sentido ainda se encontram em fase embrionária.
O autor principal do artigo publicado no jornal Scientific Reports, Victor Anthony Garcia Rivera, foi supervisionado por Marega, com bolsa de pós-doutorado e bolsa de pesquisa no exterior fornecidas pela FAPESP. O coordenador da pesquisa no Canadá, Younes Messaddeq, é também professor da Universidade Estadual Paulista no campus de Araraquara e já participou da coordenação da Área de Química de FAPESP.
Agência FAPESP