Três décadas e um Nobel de Medicina depois, o cientista viaja o mundo defendendo que também os homens sejam vacinados. “Há uma riqueza de evidências de que o HPV também causa câncer em homens, incluindo anal, peniano e de garganta. Há também uma grande oportunidade de erradicar o vírus completamente se o mundo desenvolver programas globais de vacinação para todas as crianças, meninos ou meninas”, disse à Agência FAPESP.
Hausen esteve no Brasil para participar da Jornada Internacional de Patologia, promovida pelo A.C.Camargo Cancer Center de 25 a 27 de fevereiro, em São Paulo (SP).
Há cerca de 40 tipos de HPV que infectam a região genital, dos quais pelo menos 13 são considerados oncogênicos, apresentando maior risco ou probabilidade de provocar infecções persistentes e de estarem associados a lesões precursoras de câncer.
Os tipos 16 e 18, por exemplo, estão presentes em 70% dos casos de câncer de colo do útero. Considerando-se outros tipos, estima-se que o vírus seja responsável por mais de 90% dos casos.
Diante disso, a vacinação é uma das formas mais eficazes de prevenção da doença, mas costuma ser direcionada a meninas que ainda não iniciaram a vida sexual e, portanto, não tiveram contato com o vírus. A descoberta de Hausen não se restringiu ao câncer de colo do útero e, com o desenvolvimento das pesquisas nas décadas seguintes, ampliou-se o conhecimento acerca da carcinogênese do vírus, evidenciando-se também sua relação direta com casos de câncer de boca e garganta, pênis e ânus.
“A vacinação de homens é importante porque eles também transmitem os vírus às suas parceiras, expondo-as ao risco de desenvolverem o câncer e, em muitos casos, de irem a óbito. E as evidências dos riscos à saúde do homem tornam ainda mais urgente a discussão sobre a importância de se vacinar independente do sexo. Os mesmos vírus estão presentes nos cânceres anais, que são mais frequentes nos homens do que nas mulheres, assim como os orofaríngeos. Quase metade dos casos desse tipo de câncer tem o mesmo tipo de vírus associado”, alertou.
Hausen apresentou palestra sobre o papel de outros agentes infecciosos, entre vírus, bactérias e parasitas, no surgimento do câncer – como casos de contaminação pelos vírus das hepatites B e C, fator de risco para câncer de fígado, pela bactéria Helicobacter pylori, que infecta a mucosa do estômago humano e que pode levar ao desenvolvimento de câncer de estômago, e pelo vírus HIV, que eleva o risco de sarcoma de Kaposi, tumor maligno do endotélio linfático.
O cientista disse esperar que, no futuro, tal como já ocorre com o câncer de colo do útero, será possível imunizar as pessoas para ampliar a prevenção de uma série de outros cânceres.
“É preciso analisar cuidadosamente as razões para a descoberta relativamente tardia dessas evidências, mas os avanços estão ocorrendo. A busca pelas possíveis causas infecciosas de alguns tipos de câncer remonta à segunda metade do século 19. No entanto, os primeiros sinais para um papel decisivo de agentes infecciosos só foram identificados no início do século 20, quando as infecções por Schistosoma (responsável pela esquistossomose) no Egito e por vermes de fígado na Europa Oriental e na Ásia eram suspeitas de estarem relacionadas ao desenvolvimento de cânceres de bexiga e de fígado”, disse Hausen.
“Foram necessários aproximadamente 65 anos até que fosse obtida uma evidência científica que ligava um vírus específico, o Epstein-Barr, a dois cânceres humanos, o linfoma de Burkitt – outrora denominado linfoma não-Hodgkin de alto grau de pequenas células não-clivadas – e o câncer de nasofaringe. Hoje, sabemos que pouco mais de 20% da carga global do câncer pode estar ligada a agentes infecciosos, incluindo vírus, bactérias e parasitas”, disse.
Vírus, bactérias e cânceres
Hausen destacou por que ainda é tão difícil identificar a participação desses agentes infeciosos na origem do câncer.
“Nenhum câncer humano surge como consequência aguda da infecção. Os períodos de latência entre a infecção primária e o desenvolvimento do câncer são frequentemente de 15 a 40 anos, com algumas exceções, como o vírus de Epstein-Barr, cujas características provocam uma proliferação aguda da doença. Também, a despeito de algumas raras exceções, nenhuma síntese dos agentes infecciosos ocorre em células cancerosas, tornando mais difícil relacioná-la ao câncer”, explicou.
O cientista detalhou ainda que alguns agentes infecciosos atuam como cancerígenos indiretos, sem persistência dos seus genes dentro das respectivas células cancerosas, como o HIV, o H. pylori, o Schistosoma haematobium e os vírus das hepatites C e B. Mais motivos para se ampliar as discussões e as pesquisas sobre as evidências de relações entre vírus e bactérias e cânceres.
“Observações epidemiológicas sugerem que a já alta percentagem de cânceres associados a eventos infecciosos aumentará no futuro não muito distante. Apesar de em muitos casos ainda ser hipotética, essa proposta é acessível à verificação experimental e a mais estudos. Mesmo que apenas uma das centenas de evidências observadas se confirme, isso já teria impacto suficiente para ações de prevenção, diagnóstico precoce e, espero honestamente, de terapia da malignidade”, disse Hausen.
Agência FAPESP