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ionosferaA camada de ozônio da estratosfera, que se estende de 10 a 50 quilômetros (km) de altitude, bloqueia os raios ultravioleta nocivos à saúde. Mas o que muitos desconhecem é que a camada de ozônio é apenas uma das barreiras que a Terra dispõe contra as diversas radiações solares. “A camada de ozônio é a última barreira aos raios ultravioleta. E nem é a principal.
A maioria dos raios ultravioleta e ultravioleta extremo, além do fluxo de raios X emitido pelo Sol, é absorvida na ionosfera. A ionosfera é o nosso principal escudo às radiações ionizantes provenientes do Sol”, disse o físico Paulo Roberto Fagundes, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos. A ionosfera se estende entre 70 e 1.500 km de altitude, já na fronteira com o espaço sideral.

Apesar de a ionosfera ser o principal manto protetor da Terra, suas propriedades e a sua possível relação com o clima e com o meio ambiente só recentemente começaram a ser estudadas e compreendidas.

“No fundo, estamos tentando entender melhor a atmosfera, que é o meio ambiente do planeta”, disse Fagundes, coordenador do Projeto Temático “Estudo da variabilidade dia a dia da mesosfera, termosfera e ionosfera em baixas latitudes e região equatorial, durante o ciclo solar 24”, financiado pela FAPESP.

O objetivo do projeto é estudar a variação diária da dinâmica da alta atmosfera (mesosfera e termosfera) e da eletrodinâmica da ionosfera em baixas latitudes e na região equatorial, utilizando uma rede de observatórios no setor brasileiro, dados complementares de outros setores e dados de satélite.

Um dos resultados do Temático é o artigo Ionospheric response to the 2009 sudden stratospheric warming over the equatorial, low, and middle latitudes in the South American sector, publicado no Journal of Geophysical Research: Space Physics.

De acordo com Fagundes, o artigo deriva de um esforço internacional para entender o acoplamento vertical e longitudinal entre as várias camadas da atmosfera/ionosfera sobre as Américas e é fruto de uma colaboração entre a Univap, o Massachusetts Institute of Technology (MIT, Estados Unidos), o Istituto Nazionale di Geofisica e Vulcanologia (Itália) e a Universidad Nacional de La Plata (Argentina).

Fotoionização

A alta atmosfera é formada por gás muito rarefeito, sendo os principais o oxigênio (O), o oxigênio molecular (O2) e o nitrogênio molecular (N2). As moléculas O, O2 e N2 são banhadas pelo fluxo de radiações solares, composto dos energéticos raios ultravioleta, ultravioleta extremo e raios X.

Ao entrar em contato com essas radiações, as moléculas e átomos absorvem sua energia, em um processo conhecido como fotoionização. Ao fazê-lo, as moléculas ou átomos perdem um ou mais elétrons e são criados íons (de carga positiva) e elétrons (de carga negativa). Daí vem o nome ionosfera: a região da atmosfera onde existem elétrons e íons livres.

É justamente essa capacidade de as moléculas e átomos ionizarem ao absorver as radiações mais energéticas que impede que as radiações atinjam a superfície terrestre.

A totalidade dos raios X é barrada na ionosfera, assim como a maioria dos raios ultravioleta e ultravioleta extremo. Os que conseguem escapar da ionosfera podem ou não ser barrados pela camada de ozônio, dependendo da concentração e espessura da camada de ozônio – daí o risco promovido pelo aumento no buraco da camada de ozônio sobre a Antártica. Onde há o buraco, os raios UV atingem a superfície em quantidades muito perigosas.

O fluxo de radiação solar que atinge a Terra não é constante. Ele altera de intensidade em função do ciclo solar, ou seja, do nível da atividade do Sol, que varia em intervalos de 11 anos. Em períodos de atividade solar mínima, a intensidade das radiações solares (ultravioleta, ultravioleta extremo e raios X) na ionosfera diminui, fazendo com que uma quantidade menor de átomos e moléculas ionizem.

De outra forma, quando a atividade solar está em seu máximo, o fluxo de radiação eleva e aumenta a quantidade de material ionizado. “O último mínimo solar ocorreu entre 2006 e 2012 e teve um comportamento atípico. Foi prolongado e atingiu valores muito pequenos. Agora, estamos no máximo solar”, disse Fagundes.

O fluxo de radiação solar também sofre oscilações bruscas, causadas pela ocorrência de tempestades solares. São erupções repentinas na superfície do Sol, que aumentam dramaticamente o fluxo de radiação emitida e, consequentemente, de material ionizado na ionosfera.

“A maioria dos satélites orbita o planeta entre 100 e 1.000 km de altitude e seu funcionamento é muito sensível em relação à atividade solar”, disse. Fagundes.

Densidade de elétrons

O estudo agora publicado mostra que a densidade de elétrons na ionosfera pode ser perturbada durante dias por fenômenos meteorológicos.

“Os meteorologistas sabem há muitos anos que, no hemisfério Norte e em menor grau no hemisfério Sul, existe um aumento súbito nas temperaturas na estratosfera sobre os polos, durante o inverno”, disse Fagundes.

Esse aquecimento se deve a uma mudança de direção de um vento específico na região do polo Norte. A consequência é o aumento da temperatura na estratosfera, até os 30 km de altitude.

“Começamos a perceber que ocorrem também alterações na densidade de elétrons na ionosfera, em altitudes de até 300 km. Essas alterações se propagam ao longo das latitudes, se deslocando do polo Norte, passando pelas latitudes médias do hemisfério Norte, pela Linha do Equador, pelo Brasil e chegando até o sul da Argentina”, disse Fagundes.

Uma das hipóteses em estudo no momento é que essa propagação não termine na Argentina, mas prossiga até a ionosfera sobre o polo Sul. Isso poderia se tratar de um acoplamento polo a polo.

“Ainda não sabemos se é esse o caso, mas, sob o ponto de vista das mudanças climáticas globais, é importante entender o funcionamento da atmosfera como um todo e da ionosfera em particular”, disse Fagundes.

O artigo Ionospheric response to the 2009 sudden stratospheric warming over the equatorial, low, and middle latitudes in the South American sector (doi: 10.1002/2014JA020649), de Paulo Roberto Fagundes e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Geophysical Research: Space Physics em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/2014JA020649/full.

Agência FAPESP