Tornar o diagnóstico dessa doença mais fácil e barato é o desafio que está mobilizando um pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
“A ideia do projeto é desenvolver um método não invasivo. Vamos construir um protótipo: serão óculos com microcâmeras acopladas e diodos emissores de luz (LEDs). Por meio da análise das imagens captadas e de outros recursos, poderemos identificar se a pessoa possui a síndrome”, explica Tiago Trojahn, doutorando do ICMC e professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus São Carlos. A proposta parece muito simples, no entanto, computacionalmente, há vários obstáculos a serem enfrentados para que seja possível disponibilizar o produto no mercado.
O potencial da iniciativa foi reconhecido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): o projeto está entre os 46 selecionados no 3º ciclo do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Nos próximos nove meses, Trojahn trabalhará com os pesquisadores da empresa de tecnologia e equipamentos médicos WaveTek, sediada em São Carlos, para comprovar a viabilidade técnico-científica do projeto e terá à disposição até 120 mil reais (fase 1 do PIPE). Para isso, contará com o apoio de mais quatro profissionais com bolsas FAPESP: dois destinados a solucionar os desafios computacionais e dois voltados para o desenvolvimento do protótipo em si (aspectos ópticos, mecânicos e eletrônicos). Se a pesquisa for bem-sucedida nessa primeira etapa, os pesquisadores podem solicitar mais recursos para o Programa em busca de consolidar a proposta (fase 2). A FAPESP poderá, ainda, em uma etapa posterior (fase 3), apoiar o desenvolvimento comercial e industrial do produto.
De olho no olho – São as lágrimas que lubrificam a superfície dos nossos olhos, tornando-a homogênea e criando o que os especialistas chamam de filme lacrimal. A síndrome do olho seco surge quando há uma diminuição da produção das lágrimas ou uma deficiência em alguns de seus componentes. Entre os métodos mais comuns utilizados atualmente para diagnosticar a doença estão dois testes. Um deles consiste na colocação de uma tira de papel de filtro no olho do paciente (teste de Schirmer) e, após cinco minutos, mede-se a quantidade de umidade da tira. O outro método (teste de Rosa Bengala) é feito por meio da colocação de um colírio com propriedades corantes e da análise da resposta do olho: se houver pontos secos, eles irão absorver diferentemente o corante, delimitando a área afetada.
Tornar esse diagnóstico muito mais rápido e confortável para os pacientes, além de barateá-lo, é a principal meta do estudo coordenado por Trojahn. O protótipo possuirá LEDs acoplados, que serão as fontes emissoras de luzes para os olhos, bem como microcâmeras para registrar tudo o que acontece com os pacientes. Um programa de computador será criado para analisar automaticamente os vídeos que serão gerados, pois será preciso avaliar todos os momentos em que houve uma perturbação no fluxo da luz, seja porque ocorreu uma ruptura no filme lacrimal ou porque a pessoa piscou.
“Primeiro, é necessário selecionar as imagens significativas que devem ser analisadas. Quando gravamos o que está acontecendo no olho da pessoa, captamos também a imagem da pálpebra, dos cílios, além das perturbações que ocorrem quando a pessoa se mexe. Será preciso excluir todas essas informações das imagens”, explica Trojahn. Selecionar apenas o que é relevante é fundamental nesse trabalho, pois um vídeo contém uma imensa quantidade de dados (big data) e quanto mais informações temos, mais tempo levamos para avaliá-las.
Outro aspecto que facilita o trabalho de análise é dividir as imagens em diferentes partes (segmentação). “Se a pessoa piscar o olho, podemos separar as imagens entre o que aconteceu antes e depois, por exemplo. Assim, consigo verificar quanto tempo se passou desde a última vez que ela piscou”, conta o doutorando. Segundo ele, o protótipo também permitirá identificar onde está acontecendo a ruptura do filme lacrimal, o que torna mais fácil averiguar se há alterações em uma das glândulas lacrimais.
Para Trojahn, os conhecimentos adquiridos no ICMC estão sendo essenciais para o desenvolvimento do projeto: “Fiz uma disciplina sobre processamento digital de imagens que será de grande utilidade no projeto. Embora meus objetivos no doutorado sejam diferentes, o objeto que analiso é o mesmo: vídeos”.
Como o projeto nasceu – A ideia surgiu quando o fundador da empresa Wavetek, Luis Alberto de Carvalho, desenvolvia seu pós-doutorado nos Estados Unidos, na University of Rochester New York, durante os anos de 2005 e 2006. “Havia um professor no laboratório em que eu atuava que estava tentando simplificar o diagnóstico da síndrome do olho seco. Ele possuía um equipamento enorme e muito caro, que era inviável comercialmente e, por isso, nunca se tornou um produto disponível no mercado”, conta Carvalho. Quando esse professor notou que o pós-doutorando brasileiro às vezes ficava com os olhos vermelhos, convido-o a ser um dos voluntários em sua pesquisa. Resultado: Carvalho descobriu que tinha a síndrome do olho seco, mas em um grau leve.
“Desde aquele tempo, a tecnologia evoluiu muito e, no ano passado, resolvi buscar parceiros na área de processamento de imagens para tentar desenvolver um produto voltado ao diagnóstico da síndrome”, afirma Carvalho, que é pesquisador colaborador do Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (CEPOF), sediado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), e também professor de pós-graduação na Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo. Ele chegou a Trojahn por indicação de uma de suas estagiárias, Miriam Numajiri, que é aluna da Universidade Federal de São Carlos e colaboradora do projeto.
Possíveis aplicações – Ver o equipamento que ajudará a criar disponível nos consultórios de oftalmologistas e em farmácias é o que motiva Carvalho e Trojahn. Mas o doutorando do ICMC adianta que, se as técnicas computacionais que está pesquisando forem eficientes na detecção da síndrome do olho seco, poderão ser aplicadas para outras finalidades: “Se der certo, começa a se tornar possível identificarmos outras enfermidades como deformações no globo ocular, pressão no olho e poderemos até evitar derrames oculares, um problema bem mais sério que causa cegueira”.
Outra possível utilidade da pesquisa é a realização de diagnósticos em massa. Isso é necessário, por exemplo, em casos de desastres químicos, tal como o vazamento de gás que aconteceu no Porto de Santos no último dia 14 de janeiro e liberou uma nuvem tóxica sobre a região atingida. “Caso muitas pessoas apresentem sintomas de irritação nos olhos, poderemos usar nosso equipamento para identificar o problema rapidamente”, afirma Trojahn.
No futuro, o doutorando acredita que também vai se beneficiar de seu próprio estudo: “Como fico muito tempo no computador e esse é um dos fatores ambientais de risco para o desenvolvimento da síndrome do olho seco, tenho quase certeza de que sou um forte candidato a adquirir a doença”. Sair do consultório do oftalmologista com o diagnóstico, sem precisar colocar uma fita no olho ou pingar um colírio, será a grande vitória de Trojahn.
Texto: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação ICMC/USP