No final de novembro de 2015 ela aceitou o convite do diretor do Fermilab, Nigel Lockyer, para ser a primeira ocupante do cargo de diretora de relações internacionais. Uma das missões de Carena será facilitar acordos entre o laboratório e instituições de fomento à pesquisa ao redor do mundo e atrair parceiros para o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune).
Um megaprojeto científico bilionário, voltado a tentar descobrir novas propriedades dos neutrinos – uma partícula elementar fugaz, quase desprovida de massa e que viaja a uma velocidade muito próxima à da luz –, o projeto Dune prevê a construção de uma fonte subterrânea de luz emissora de um feixe de neutrinos no Fermilab.
Os neutrinos criados pela fonte subterrânea de luz viajarão a 1,3 mil quilômetros em linha reta, através do manto da Terra, e serão interceptados por dois detectores: um a 600 metros de profundidade, localizado no próprio Fermilab, e um segundo, maior, situado a 1,47 quilômetro de profundidade, no Sanford Lab – um laboratório subterrâneo localizado em Dakota do Sul.
Durante essa longa jornada dos neutrinos, os físicos envolvidos no projeto pretendem medir propriedades dessas partículas que estão entre as mais abundantes no Universo – atrás apenas dos fótons – e que são capazes de atravessar materiais densos, como solo e rochas, sem interagir com um único átomo, não deixando nenhum rastro de sua passagem. Por isso, são chamadas de partículas “fantasmagóricas”.
Por meio do projeto Dune, pretende-se observar algumas das raríssimas interações dos neutrinos com a matéria e registrar sinais de partículas detectáveis que podem surgir a partir das raras colisões de neutrinos com átomos.
Dessa forma, espera-se fazer descobertas que poderiam transformar a compreensão sobre a origem e a evolução do Universo e responder perguntas como por que o Universo tem mais matéria do que antimatéria.
“O projeto Dune representa um novo modelo de experimento para o Fermilab”, disse Carena à Agência FAPESP, durante sua passagem por São Paulo no início de fevereiro para apresentar um seminário sobre Física de Altas Energias no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR), sediado no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IF-Unesp).
A pesquisadora também participou de uma reunião, no dia 4 de fevereiro, com dirigentes da FAPESP.
“Até então o Fermilab realizou experimentos nos quais os parceiros internacionais foram convidados no final do projeto, quando o acelerador de partículas e detector, por exemplo, já haviam sido construídos. No Dune, a comunidade internacional está se unindo para desenhar o experimento desde o início. É um projeto internacional como o LHC [o Grande Colisor de Hádrons da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça]”, comparou a pesquisadora, que também é professora no Departamento de Física da University of Chicago.
Investimento bilionário
Primeiro projeto de megaciência em Física que os Estados Unidos se propuseram a realizar em solo próprio, o Dune deverá receber investimentos de US$ 1,5 bilhão somente do país norte-americano.
Para fechar o orçamento total, não revelado pelo Fermilab, será preciso contar com parceiros internacionais como o Brasil, que possui um longo histórico de relações científicas com o Fermilab, ressaltou Carena.
O país tem a sexta maior participação na comunidade de usuários do Fermilab – atrás apenas dos Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Índia e Alemanha, e à frente da Rússia, Suíça, Japão e Canadá –, reunindo 73 pesquisadores de 14 instituições.
Alguns dos pesquisadores são de instituições do Estado de São Paulo, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), e estão trabalhando em experimentos voltados a desenvolver feixes de neutrinos e de partículas eletricamente carregadas, que são uma plataforma de desenvolvimento de ideias para o Dune.
“O Brasil é o país da América Latina que tem uma conexão mais forte com o Fermilab”, afirmou Carena. “Esperamos manter e fortalecer esse vínculo de colaboração com o país em Física de neutrinos por meio de experimentos como o Dune”, ressaltou.
Em sua avaliação, uma das possíveis formas de colaboração do país no Dune poderia ser na construção de partes dos detectores, como o principal, que será instalado no Sanford Lab e será composto por quatro módulos criogênicos com argônio líquido e massa total de 70 mil toneladas.
“A ideia é verificar com a comunidade de Física de neutrinos no Brasil que tipos de desenvolvimentos tecnológicos podem ser feitos no país, em colaboração com indústrias brasileiras, para os detectores que serão usados no Dune”, afirmou.
No momento, mais de 800 pesquisadores, de 145 instituições de pesquisa de 26 países, assinaram a proposta de adesão ao Dune.
A meta do Fermilab é que CERN participe do projeto e ajude a construir o primeiro dos quatro módulos criogênicos do detector de neutrinos.
O laboratório americano participa da colaboração Compact Muon Solenoid (CMS), do LHC – também é integrada por físicos brasileiros – que em julho de 2012 anunciou concomitantemente com a colaboração Atlas ter detectado o bóson de Higgs (leia mais).
“A colaboração CMS, que envolve pesquisadores de 182 instituições de 42 países, é um exemplo muito interessante de modelo de governança baseado em colaborações informais, sem uma base jurídica e uma estrutura muito rígida, e que funciona muito bem”, avaliou Carena. “Talvez isso possa ser adotado no Dune”, estimou.
Agência FAPESP