“O sistema permite captar a água da chuva antes de ser lançada diretamente em um rio ou córrego de uma cidade, por exemplo, para que possa ser tratada previamente e infiltre no solo com velocidade e volume adequados, diminuindo o risco de inundações. Por isso, pode ser útil para a prevenção de enchentes”, disse Altair Rosa, participante do projeto, à Agência FAPESP.
A solução de drenagem consiste na construção em áreas que costumam sofrer com alagamentos de filtros subterrâneos permeáveis, compostos por camadas sobrepostas de grama, areia, brita e manta geotêxtil, que permitem reter poluentes e deter temporariamente volumes excessivos de água de chuva que escoa dentro deles.
As estruturas, chamadas tecnicamente de sistemas de biorretenção, funcionam como um reservatório para o amortecimento da água da chuva, armazenando-a por um determinado período de tempo de modo que possa posteriormente infiltrar ou ser absorvida naturalmente pelo solo.
Dessa forma, elas ajudam a reduzir o volume de água de chuva e a retardar os picos de cheias em bacias ou microbacias, como rios e córregos, de regiões urbanizadas, explicou Altair, que participa do projeto por meio de uma Bolsa concedida pela FAPESP.
“O sistema pode colaborar bastante nesse sentido porque faz com que a água da chuva que recebe ajude no abastecimento do lençol freático, sem ter que passar por uma tubulação, por exemplo, até chegar ao seu destino final. Ele possibilita reter e tratar água de chuva que poderia ser desperdiçada”, afirmou.
A camada superficial do sistema, composta por vegetação, permite reter a água da chuva de modo a não causar problemas de erosão.
Em conjunto com as camadas de areia, brita e a manta geotêxtil, a camada de vegetação também auxilia na retenção de poluentes carreados pela água da chuva, detalhou Altair.
“Ao passar por essa série de filtros, a água da chuva torna-se cada vez mais tratada antes de chegar ao lençol freático”, disse.
Desempenho do sistema
A fim de avaliar o desempenho do sistema, os pesquisadores mapearam oito áreas críticas para enchentes no campus 2 da USP em São Carlos, no interior paulista, e selecionaram uma delas para implantá-lo.
Para tentar prever se o sistema teria capacidade de armazenar a quantidade de água de chuva prevista para cair na área onde foi instalado, eles usaram um novo método de dimensionamento de sistemas de drenagem que desenvolveram no âmbito do projeto em colaboração com grupos de outras universidades e instituições de pesquisa.
Um dos diferenciais do método é usar simulações de cenários climáticos futuros e dados como a extensão, o grau de urbanização e de vegetação e a previsão de novas construções na área onde a técnica de drenagem será implementada.
Além disso, integra indicadores de qualidade e quantidade de água de chuva e estimativas de riscos de contaminação da população, que, de acordo com os pesquisadores, é um aspecto não abordado pelos métodos tradicionais de dimensionamento de sistemas de drenagem.
Com isso, o método de dimensionamento possibilita construir sistemas de drenagem de forma modular e escalonada ao longo do tempo e que a obra seja executada progressivamente, permitindo maior flexibilidade no custeio e eficiência no funcionamento.
“Esse método de dimensionamento de sistemas de drenagem modulares e escalonáveis é fundamental para países como o Brasil, onde há uma taxa crescente de urbanização e um regime de chuvas muito superior ao de outros países”, apontou Eduardo Mario Mendiondo, professor da EESC-USP e pesquisador responsável pelo projeto.
Resultados preliminares indicaram que o novo modelo de dimensionamento foi capaz de prever os volumes de água de chuva que o sistema de biorretenção é capaz de armazenar com uma boa margem de segurança e mesmo em picos de cheia.
Por sua vez, o sistema implementado no campus da USP de São Carlos também se mostrou capaz de reter toda a quantidade de água de chuva que recebeu nas últimas semanas, incluindo a do final de dezembro, quando foram registradas na cidade do interior paulista chuvas com volume superior a 60 milímetros, superando a média dos últimos 80 anos.
“Vimos que mesmo com um volume de chuva inesperado o sistema funcionou e foi capaz de reter toda a quantidade de água que recebeu”, afirmou Altair.
Para monitorar a qualidade e quantidade da água escoada, os pesquisadores instalaram sensores na entrada e na saída do sistema de biorretenção, além de um sistema de transmissão de dados em tempo real a fim de possibilitar o controle do funcionamento.
“A ideia do uso desses sensores é que, com o advento de tecnologias voltadas a tornar as cidades inteligentes, no futuro próximo seja possível que os próprios cidadãos ou moradores de um edifício, por exemplo, controlem o tratamento da poluição da água por esses sistemas de biorretenção”, afirmou Mendiondo, que também é coordenador de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Algumas análises preliminares indicaram que os sensores de monitoramento foram capazes de medir com bastante acurácia os níveis de metais e substâncias, como nitrito, nitrato e fósforo, na água recebida pelo sistema.
“Como o sistema foi construído recentemente, estimamos que, com o passar do tempo, a qualidade da água e a infiltração no solo irão melhorar progressivamente”, disse Altair.
Vantagens
De acordo com os pesquisadores, algumas das vantagens do sistema alternativo de drenagem de água são o fato de pode ser modificado e expandido de acordo com o grau de urbanização de uma determinada área, é barato, não interfere na paisagem local e ajuda a controlar a poluição em áreas com tráfego intenso de veículos, uma vez que os poluentes são carreados pela água da chuva escoada para o sistema.
Além disso, também pode servir para outros finalidades, como tratamento de efluentes, e ser usado em conjunto com os sistemas de drenagem urbana usados hoje nas cidades, baseados em canalizações.
“Em vez de colocar só um bueiro em uma via, por exemplo, é possível associá-lo a esse sistema de drenagem alternativo, que permite não somente escoar essa água da chuva, como também fazer com que se infiltre ou seja absorvida pelo solo e retenha parte da poluição que é gerada na bacia em razão da constante urbanização”, disse Mendiondo.
Segundo ele, essas soluções de drenagem sustentável, que aliam técnicas da Engenharia, Arquitetura, Paisagismo e Química, entre outras áreas, são conhecidas e usadas desde o início da década de 1990 em países como França, Austrália e Estados Unidos.
No Brasil ainda são novas e vêm sendo estudadas por seu grupo na EESC-USP nos últimos dez anos a partir de experimentos-piloto, como o que estão sendo realizados agora no campus 2 da USP de São Carlos.
“Essas técnicas compensatórias podem contribuir como elementos viáveis em planos de adaptação que estão sendo cada vez mais realizados em países que já estão lidando com a gestão de riscos potenciais de desastres oriundos da urbanização excessiva e os impactos das cheias nas cidades”, avaliou Mendiondo.
Segundo o pesquisador, a ideia é que essas técnicas possam, por um lado, oferecer subsídios para novas pesquisas e, por outro, promover mudanças no longo prazo nos sistemas de drenagem urbana usados no Brasil que, de acordo com ele, têm gerado conflitos pela falta de manutenção, obsolescência e incapacidade de evitar desastres e impactos causados por enchentes e inundações.
“As enchentes e inundações são responsáveis por perdas econômicas e humanas. Por isso, a Política Nacional de Defesa e Proteção Civil e o Marco Internacional de Redução de Riscos de Desastres, que orientou as discussões da COP21, estabeleceu como prioritárias ações para mitigar seus impactos”, afirmou.
Agência FAPESP