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inquinamentoAs estimativas existentes hoje de impactos econômicos da poluição na saúde da população das cidades são pouco tangíveis, avalia o epidemiologista brasileiro Carlos Francisco Dora, coordenador de saúde pública e meio ambiente da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A fim de poder avaliar com maior acurácia os reais benefícios da implementação de políticas públicas voltadas à redução da poluição na saúde em diferentes cidades no mundo e poder instrumentalizar a sociedade civil com esse tipo de informação, a instituição está desenvolvendo um sistema de monitoramento com enfoque local, contou Dora nesta entrevista concedida à Agência FAPESP durante a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), que acontece até o próximo dia 11/12 em Paris.

Especialista em avaliação de impactos de políticas públicas na saúde pública, Dora explica porque a OMS decidiu criar um sistema para monitorar os benefícios de iniciativas implementadas em cidades com o objetivo de reduzir poluição especificamente – e não de mitigação de impactos das mudanças climáticas – e os resultados esperados do encontro, em Paris, que devem resultar em um novo acordo climático global.

Agência FAPESP – Por que a OMS decidiu monitorar os impactos na saúde de políticas públicas voltadas, especificamente, à diminuição da poluição nas cidades e não de mitigação ou adaptação às mudanças climáticas?

Carlos Dora – A poluição tem uma conexão muito clara ou próxima com a questão do clima. A diferença é que o impacto da poluição na saúde é muito rápido e o do clima é de mais longo prazo. Por isso, a OMS está trabalhando com poluição no âmbito da saúde, porque ela tem impactos locais e em curto prazo. Por isso, é importante para nós documentarmos os benefícios esperados de algumas políticas que São Paulo vai tomar, que são parecidas, mas não são as mesmas da Cidade do México ou de Pequim, por exemplo, e fazermos muita análise local para criarmos indicadores de custos e benefícios tangíveis para a população da cidade. O New Climate Economy [uma iniciativa internacional que analisa os benefícios e custos de ação em mudanças climáticas] estima que a poluição causa um custo de € 3 milhões por habitante na Europa, mas não se sabe quem paga nem quem se beneficia desses custos. E, para poder avaliar os impactos da poluição na saúde, é preciso verificar qual é o custo local – em cada cidade especificamente –, além das políticas que existem nessas cidades para lidar com essa questão e dos benefícios que determinadas ações poderão ter para a saúde da população. Chegamos a essa conclusão a partir de uma revisão do que estava sendo feito pelas cidades tanto em termos de clima, como de poluição e saúde. E vimos que era preciso prover esse tipo de informação. Há muitos estudos epidemiológicos importantes sobre o efeito da poluição, mas ainda não há bons indicadores dos reais custos à saúde da população. Pretendemos, agora, estabelecer cenários, testar hipóteses, documentar e criar sistemas de monitoramento de políticas públicas voltadas à diminuição da poluição a fim de avaliar os efeitos dessas iniciativas na saúde antes e depois de serem implementadas.

Agência FAPESP – O que se espera desse sistema de monitoramento de políticas públicas voltadas à redução da poluição em cidades?

Carlos Dora – A OMS já produz indicadores para a poluição do ar nas cidades. A unidade que eu coordeno, em Genebra, além desses indicadores, também trabalha com programas que relacionam energia, transporte e habitação com saúde. Agora estamos reunindo todo esse conjunto de indicadores em um programa de avaliação de políticas públicas voltadas a reduzir a poluição nas cidades para avaliarmos impactos dessas ações na saúde. Isso permitirá instrumentalizar a sociedade civil, a academia e os governos com esse tipo de informação, porque vimos que falta uma conexão entre poluição e saúde. A ideia do sistema de monitoramento é acompanhar o que está acontecendo nas cidades em termos de políticas públicas voltadas a reduzir a poluição de uma forma um pouco mais dinâmica.

Agência FAPESP – Por que escolheram monitorar as políticas públicas das cidades voltadas, especificamente, ao transporte, habitação, energia e gestão de resíduos?

Carlos Dora – As cidades têm um nível de autonomia bastante grande. Estamos focando nas políticas de transporte, habitação, energia e gestão de resíduos nos lares porque são áreas que têm uma governança muito forte no nível urbano e nas quais os governos têm uma grande possibilidade de atuação. Começamos a trabalhar com algumas cidades, mas o objetivo é que o sistema seja usado para avaliar todas as cidades no mundo para que possam ter acesso a esse tipo de informação.

Agência FAPESP – Por que a saúde pública é um bom indicador para avaliar os reais impactos de políticas públicas voltadas à redução da poluição em nível global?

Carlos Dora – Porque a saúde pública tem presença global. Qualquer vila, qualquer cidade pequena tem um sistema de saúde. Além disso, o sistema de saúde tem uma grande capacidade para informar a população sobre as políticas públicas existentes nas cidades. A OMS já dá orientações para o sistema de saúde no mundo sobre como podem ajudar a prevenir doenças. O que estamos propondo agora é que os sistemas de saúde possam trabalhar algumas dessas questões de prevenção por meio de políticas públicas, informando os pacientes atendidos sobre as políticas existentes nas cidades, como a coleta seletiva de lixo, por exemplo.

Agência FAPESP – De que modo o sistema público de saúde pode influenciar as políticas públicas voltadas à diminuição da poluição nas cidades?

Dora – O sistema de saúde pode informar sobre o que pode ser feito, mas não definir o que precisa ser feito na área de transporte, por exemplo. Ele pode auxiliar os tomadores de decisão sobre quais são as melhores políticas públicas para a saúde e como pode ser feita uma avaliação de impacto de uma determinada ação de governo, por exemplo. Trabalhamos muito tempo com esse tipo de ação na OMS em nível internacional. Agora, estamos fazendo um “pacote” para as cidades e vamos testar. Vamos começar a realizar esse trabalho no início de 2016.

Agência FAPESP – Os sistemas de saúde terão incentivos para isso?

Dora – O que acontece é que o sistema de atenção e cuidados à saúde divide os custos. Não há muitos mecanismos de incentivo para que o sistema de saúde faça prevenção. O setor de medicamentos, que é muito necessário, não tem interesse nisso. Quem teria interesse seriam os seguros de saúde. Será preciso pensar em mecanismos para criar demanda e identificar quem pode se interessar e investir nisso. Existem alguns mecanismos de mercado que podem ser usados, mas eu acho que a gestão da demanda necessita, realmente, de muita gente pensando nessas questões. Daí porque o sistema de saúde tem uma função potencialmente importante, que é a de poder informar e criar esse tipo de demanda para algumas soluções mais sustentáveis e mais saudáveis para a população local das cidades.

Agência FAPESP – Qual a barreira existente hoje na aplicação dos indicadores de custos de poluição para a melhoria dos sistemas de saúde?

Dora – É muito fácil calcular os custos da poluição na saúde humana. O sistema de saúde é muito rico de informação sobre quanto custa, em média, tratar cada doença relacionada à poluição. Mas essa informação não está sendo usada para promover a prevenção. Usa-se isso para calcular quantos médicos precisam, qual o tamanho do hospital, para pensar na gestão de serviço; fazemos pouca conexão com a prevenção. Isso é uma das coisas que gostaríamos de mudar. Por isso estamos empregando gente que faz economia da saúde, exatamente para quebrar essa barreira, para criar essa conexão.

Agência FAPESP – Os países que são os maiores poluidores e causadores de mudanças climáticas hoje, como a China, estão empenhados em reduzir seus níveis de emissão de poluentes em benefício da saúde de suas populações?

Dora – A China está muito empenhada em diminuir a poluição e, ao mesmo tempo, desenvolver a economia. Tenho bastante contato com a China e vejo que a proposta deles de melhorar a qualidade do ar passa por questões de tecnologia, o que tem um aspecto comercial muito importante. Eles têm um desafio enorme porque criaram megacidades com populações imensas. Mas é o país que mais tem energia renovável no mundo.

Agência FAPESP – Já há bons exemplos de cidades no mundo que estejam reduzindo a poluição e caminhando em direção à descarbonização?

Dora – Há muitos bons exemplos pontuais, mas o que podemos observar é que são muito verticais. A questão é como integrar essas iniciativas pontuais em um contexto local e transversal. O projeto de monitoramento de políticas públicas voltadas à redução da poluição nas cidades que estamos desenvolvendo tem essa perspectiva. Usamos o indicador de saúde para comparar várias políticas. Obviamente que a saúde não é o único critério. Emprego é muito importante, qualidade de vida também. Mas temos que colocar a saúde nesse contexto. É claro que a saúde não deve ser o único critério, mas ela contribui para a discussão sobre onde a sociedade quer chegar, qual é a cidade futura que a gente quer ter e que produza mais saúde e bem estar.

Agência FAPESP – O que a OMS espera que a COP 21 resulte em termos de políticas públicas voltadas à redução da poluição nas cidades?

Dora – Esperamos que resulte em um acordo, evidentemente. Mas também esperamos que as pessoas não aguardem o acordo para fazer algo concreto, porque os impactos na saúde são a curto prazo. E qualquer acordo só vai existir se for implementado, e quem vai implementá-lo são as cidades, os estados, os indivíduos.

Agência FAPESP